Implicâncias e discrepâncias
* Por Lêda Selma
Tenho cá minhas implicâncias. E não são poucas. Ao contrário, tenho-as em fartura. Uma delas, receber telefonemas, interfonemas, visitas antes das dez horas e, em especial, pouco depois das sete, o que nem tão raro é, juro! Aí, Santo Deus, descalibre minhas cordas vocais, desative minha irritação, massageie meus nervos, pois já estou com um arsenal de impropérios engatilhados, à espera de acionamento! Claro! Se vou dormir só quando o sol crispa no céu o primeiro tom de seu riso, querem o quê, que eu acorde logo após?! E o mais bisonho é a pergunta, ao ouvirem minha voz cavernosa, quase fantasmagórica, ainda carregada de torpor: “Te acordei?”. Irra! O palavrão precisa ser amordaçado, senão, pobres ouvidos de meus interlocutores: nocaute na certa! Melhor opção, talvez, a ironia da resposta: “Não, imagine, não me acordou, apenas, arrebatou-me o sono gostoso, despertou-me, desadormeceu-me, tirou-me daquele estágio plácido de descanso, abortou-me belo sonho matinal, surrupiou-me importante tempo de sossego, mas nada significativo, bobagem, tudo bem!”. Entretanto, as lições de boas maneiras, aprendidas na infância, sempre respondem por mim, e então, fica o dito pelo não dito, ou melhor, o acordado pelo desacordado, pronto!
Outra implicância: político lambuzando de beijinhos rostinhos de criancinhas (o diminutivo é proposital) ou balançando-as nos braços, gesto repetitivo, sem nenhuma criatividade – inventem algo mais original, por favor! –, que já se tornou insuportável aos olhos do eleitor. Se pensam que conquistam os votos da mãe, triste engano, ih... já vai longe, bem longe aquele tempo...!
Uma implicância de cunho justiceiro: O “Dia dos pais”! Por que a data não tem a mesma relevância que a do seu colega, o “Dia das Mães”? Na hierarquia comercial, esta data e o Natal são responsáveis pelas maiores alegrias dos comerciantes, que deixam à mostra seus sorrisões falantes e saltitantes, benza Deus, a cada fechamento do caixa! É venda que não acaba mais, alardeiam as estatísticas. Os reais superlotam os cofres das lojas e os bancos, após os depósitos ou investimentos, festejam tamanho milagre materno, já de olho e na expectativa do milagre natalino.
Entremeando os dois, o deslustrado “Dia dos Pais”. Será que, pelo menos, equipara-se ao “Dia dos namorados” ou ao “Dia das crianças”? . Os pais, uns injustiçados, reputo-os.
Tudo bem, “mãe é mãe” – inclusive, sou uma delas, além de apaixonada pela minha (que saudade!!!) – mas pai também é pai, ora, e muitos, não raro, agem feito mãe, e merecem, pois, a mesma badalação, recordes de vendas e todas essas coisas peculiares a tais dias Na carona deste arremedo de gancho, desaconselho a classe masculina a reivindicar o direito ao “Dia do Homem” (não faz muito, todos lhe pertenciam...). Digo-o porque o das mulheres será sempre mais sofisticado, paparicado e festejado. Para que mais uma frustração?! Nenhum caráter machista ou feminista, imparcialidade total e irrestrita, diga-se.
Não endosso as opiniões de muitos quanto ao simples apelo comercial dessas datas. É óbvio que ele existe – alguém tem dúvida?! –, o que não invalida outros valores que também as revestem. O presente – faço, sim, apologia a ele – é também uma forma de carinho, uma manifestação de afeto, um jeito especial de agradar o homenageado. É indispensável! Não substitui o beijo, o abraço, o “eu te amo”, e sim, completa-os. Há quem não possa dar um bombom ou uma flor (até colhida no jardim alheio ou nas árvores das ruas)? São também presentes e, às vezes, até mais valiosos que uma joia. Não existe desculpa para esse deslize.
Aos pais que, neste domingo, comemorarão com seus filhos a data; aos pais que chorarão a falta dos filhos que habitam a Dimensão Maior; aos pais de filhos que, mesmo perto, expõem, com sua ausência, o tamanho da distância que os separa; aos pais adotivos (pais apenas de coração); aos pais presidiários, aos pais de filhos bandidos, a todos os pais, enfim, meu beijo carinhoso, e esta crônica de presente.
(Publicado no jornal “Diário da Manhã” de Goiânia, em 8 de agosto de 2010).
• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.
* Por Lêda Selma
Tenho cá minhas implicâncias. E não são poucas. Ao contrário, tenho-as em fartura. Uma delas, receber telefonemas, interfonemas, visitas antes das dez horas e, em especial, pouco depois das sete, o que nem tão raro é, juro! Aí, Santo Deus, descalibre minhas cordas vocais, desative minha irritação, massageie meus nervos, pois já estou com um arsenal de impropérios engatilhados, à espera de acionamento! Claro! Se vou dormir só quando o sol crispa no céu o primeiro tom de seu riso, querem o quê, que eu acorde logo após?! E o mais bisonho é a pergunta, ao ouvirem minha voz cavernosa, quase fantasmagórica, ainda carregada de torpor: “Te acordei?”. Irra! O palavrão precisa ser amordaçado, senão, pobres ouvidos de meus interlocutores: nocaute na certa! Melhor opção, talvez, a ironia da resposta: “Não, imagine, não me acordou, apenas, arrebatou-me o sono gostoso, despertou-me, desadormeceu-me, tirou-me daquele estágio plácido de descanso, abortou-me belo sonho matinal, surrupiou-me importante tempo de sossego, mas nada significativo, bobagem, tudo bem!”. Entretanto, as lições de boas maneiras, aprendidas na infância, sempre respondem por mim, e então, fica o dito pelo não dito, ou melhor, o acordado pelo desacordado, pronto!
Outra implicância: político lambuzando de beijinhos rostinhos de criancinhas (o diminutivo é proposital) ou balançando-as nos braços, gesto repetitivo, sem nenhuma criatividade – inventem algo mais original, por favor! –, que já se tornou insuportável aos olhos do eleitor. Se pensam que conquistam os votos da mãe, triste engano, ih... já vai longe, bem longe aquele tempo...!
Uma implicância de cunho justiceiro: O “Dia dos pais”! Por que a data não tem a mesma relevância que a do seu colega, o “Dia das Mães”? Na hierarquia comercial, esta data e o Natal são responsáveis pelas maiores alegrias dos comerciantes, que deixam à mostra seus sorrisões falantes e saltitantes, benza Deus, a cada fechamento do caixa! É venda que não acaba mais, alardeiam as estatísticas. Os reais superlotam os cofres das lojas e os bancos, após os depósitos ou investimentos, festejam tamanho milagre materno, já de olho e na expectativa do milagre natalino.
Entremeando os dois, o deslustrado “Dia dos Pais”. Será que, pelo menos, equipara-se ao “Dia dos namorados” ou ao “Dia das crianças”? . Os pais, uns injustiçados, reputo-os.
Tudo bem, “mãe é mãe” – inclusive, sou uma delas, além de apaixonada pela minha (que saudade!!!) – mas pai também é pai, ora, e muitos, não raro, agem feito mãe, e merecem, pois, a mesma badalação, recordes de vendas e todas essas coisas peculiares a tais dias Na carona deste arremedo de gancho, desaconselho a classe masculina a reivindicar o direito ao “Dia do Homem” (não faz muito, todos lhe pertenciam...). Digo-o porque o das mulheres será sempre mais sofisticado, paparicado e festejado. Para que mais uma frustração?! Nenhum caráter machista ou feminista, imparcialidade total e irrestrita, diga-se.
Não endosso as opiniões de muitos quanto ao simples apelo comercial dessas datas. É óbvio que ele existe – alguém tem dúvida?! –, o que não invalida outros valores que também as revestem. O presente – faço, sim, apologia a ele – é também uma forma de carinho, uma manifestação de afeto, um jeito especial de agradar o homenageado. É indispensável! Não substitui o beijo, o abraço, o “eu te amo”, e sim, completa-os. Há quem não possa dar um bombom ou uma flor (até colhida no jardim alheio ou nas árvores das ruas)? São também presentes e, às vezes, até mais valiosos que uma joia. Não existe desculpa para esse deslize.
Aos pais que, neste domingo, comemorarão com seus filhos a data; aos pais que chorarão a falta dos filhos que habitam a Dimensão Maior; aos pais de filhos que, mesmo perto, expõem, com sua ausência, o tamanho da distância que os separa; aos pais adotivos (pais apenas de coração); aos pais presidiários, aos pais de filhos bandidos, a todos os pais, enfim, meu beijo carinhoso, e esta crônica de presente.
(Publicado no jornal “Diário da Manhã” de Goiânia, em 8 de agosto de 2010).
• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.
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