quarta-feira, 31 de agosto de 2011



Histórias que a vida cria

Há determinados escritores cujas vidas são mais repletas de aventuras e circunstâncias ( boas e más) do que os enredos que criam em seus romances, contos e novelas. Muitos aproveitam essas experiências pessoais, adaptando-as, com seu talento, e produzem obras imortais, best-sellers, cujas raízes estão fincadas bem fundas na veracidade. Outros tantos, aproveitam um ou outro episódio para esse fim e também se dão bem.
Não é a primeira – e certamente não será a última – vez que faço essa constatação. Tenho trazido, até com freqüência, exemplos e mais exemplos a esse propósito. Muitos dos meus melhores contos tiveram, também, essa origem. Ou seja, baseiam-se em fatos reais, em episódios que vivi e que mereceram registro. Foram histórias que a vida criou e que eu me limitei a registrar por escrito, dando-lhes os devidos retoques literários.
Um dos escritores que se valeram da própria experiência, do que testemunhou e viveu para produzir magníficos textos dramáticos, foi o norte-americano Eugene Gladstone O’Neill. E o que escreveu teve tamanha qualidade, que lhe rendeu justíssimo Prêmio Nobel de Literatura.
O genial dramaturgo nasceu em 16 de outubro de 1888, no quarto número 236 do terceiro andar da Barret House, pensão familiar situada na Broadway, em Nova York, ocupada quase que exclusivamente por atores que atuavam nos diversos teatros desse popular bairro novaiorquino. O próprio local do seu nascimento pareceu indicar qual seria seu destino, anos depois: o palco. Não como ator, como era o caso do pai, mas como criador de magníficos dramas, encenados não apenas nessa “Meca do teatro”, mas pelo mundo afora.
A família de Eugene não tinha residência fixa. O pai, James, descendente de irlandeses, católico fervoroso e homem de grande talento, era uma espécie de cigano, vagando pelo país com as várias companhias de teatro que integrou. Os que o conheceram testemunharam que esse ator era o caso típico do sujeito que desperdiçava o talento que tinha, errando, frequentemente, nas escolhas que fazia. Mas não se tratava de nenhum ator canastrão. Era, na verdade, muito bom no que fazia.
Sua especialidade eram as peças de William Shakespeare. James O’Neill era soberbo, por exemplo, na interpretação do principal personagem de “Otelo”, entre tantos outros criados pelo gênio de Stratford-on-Avon. Entretanto, fascinado pelo dinheiro fácil, preferia, via de regra, trabalhos menos exigentes. Seu personagem predileto, por exemplo, era o convencional Edmund Dantes, de “O conde de Monte Cristo”, peça que então gozava de grande popularidade nos Estados Unidos, percorrendo a América de costa a costa.
A vida de James era a de um nômade urbano, abrigando-se numa interminável sucessão de pensões e mais pensões, baratas, desconfortáveis e sombrias e hotéis de terceira categoria, sem uma raiz para se fixar e constituir família. A mãe de Eugene, Ella Quinlan, é quem sofria as conseqüências desse tipo de vida instável e inseguro. Era mulher frágil, delicada, instruída e de grande religiosidade.
Para casar-se com James, rompeu com tudo o que lhe fora caro anteriormente. Abandonou, sobretudo, uma vida de conforto, elegância e luxo, já que era filha de um rico comerciante que nunca deixara de satisfazer seus mais complicados caprichos. O amor... ah, o amor! Dada sua posição, Ella, antes de conhecer James e se apaixonar por ele, freqüentava as mais requintadas rodas sociais.
Ao casar-se, no entanto, deixou tudo para trás. Rompeu com a família, com os amigos e com tudo o que lembrasse seus sonhos de juventude. Destaque-se que, naquele tempo, os atores eram socialmente discriminados. Eram encarados como vagabundos, irresponsáveis, dissolutos e imorais. Claro que nada disso era verdade. Mas era assim que as pessoas pensavam.
Quando Ella deu à luz a Eugene, já era viciada em morfina. Começou a consumir a droga após a morte do segundo filho, Edmund, que morreu na casa de seus pais com poucos meses de idade, enquanto acompanhava o marido em uma de suas tantas turnês. O sentimento de culpa que a assaltou foi avassalador. Jamais apagou-se da sua mente. Para “acalmar os nervos”, passou a consumir morfina secretamente. A primeira vez que Ella consumiu a droga foi quando deu à luz a Edmund. Nunca conseguiu se livrar do vício.
O primeiro filho do casal foi James, que tinha o mesmo nome do pai, nascido dez anos antes de Eugene. Ele praticamente nunca viveu com o casal. Ainda muito criança, foi internado no Colégio Notre Dame, em Nova York. Só conheceu Eugene três meses após seu nascimento, quando os pais o levaram ao internato, em uma de suas raras e esporádicas visitas. A esta altura, já era um garoto problemático, rebelde e insubordinado, que nutria acentuado sentimento de rejeição. Pudera!
A vida de Eugene não foi muito diferente da do irmão mais velho. Até os sete anos, foi criado pelos avós, vendo os pais raramente e, por isso, não nutrindo nenhuma espécie de afeição mais profunda por eles. Nessa época, foi mandado para um internato católico, dirigido por freiras, em Nova York, o Mount Saint Vicente. Como o irmão, desenvolveu profundo sentimento de rejeição. Ali, na rígida disciplina do colégio, com as religiosas agindo de maneira competente, mas impessoal, o menino tornou-se triste, arredio e um tanto sombrio. Talvez essas circunstâncias expliquem e justifiquem o gosto que viria a desenvolver, anos depois, já escritor consagrado, pelo drama, notadamente, pela tragédia. Oportunamente, voltarei ao assunto.

Boa leitura.

O Editor.




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Um comentário:

  1. O que hoje já seria trágico, mais ainda era naquele tempo. As mães de então não tinham vida social, ou pública. Apenas ficavam em casa com os filhos e Eugene sem nada. O ambiente cria as possibilidade profissionais e pessoais de todos nós, e mais ainda as de um escritor.

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