sábado, 20 de agosto de 2011



É cada excentricidade...

* Por Lêda Selma

À família, ela se defendeu e jurou inocência. Como endosso, disse que levou fama sem proveito, ou seja, foi culpada pelo que não fez. E ainda atribuiu à inveja, as injúrias que lhe impingiram. O certo é que a notícia da viagem rastejou, voou e revoou num ir-e-vir desatinado, rua acima, rua abaixo, feito boato em combustão. E comprometeu, em definitivo, a reputação da moça. Os poucos que se apalermaram com a maldizente boataria, argumentaram que “ela parecia de boa intenção e de moral limpa e engomada!”. A maioria, entretanto, emporcalhou, incondescendente, a honra da moça. Assim, entre a defesa de alguns incautos e a opinião de vários céticos, Messalinda debandou para a Espanha numa noite qualquer de abril. Para as amigas, segredou que pretendia juntar “o bom ao rentável”, isto é, saciar os desejos do corpo (“espanhol tem sangue em permanente fervura”) e aliviar as carências da bolsa. Para a família, assegurou que faria um curso intensivo de castanhola, “pra garantir um bom emprego ao voltar”.
Os pais não entenderam muito bem isso, mas passaram adiante a informação de que a filha voltaria “do estrangeiro com um diploma importante, formada em castanhola, a língua esquisita deles”. E o sonho do bom emprego para a filha escancarava-se em suas bocas hospedeiras de sorrisos robustos e alvissareiros.
Por outro lado, a desconfiança geral freqüentava, incansável, falares, pensares e lugares. E no Bar Xereta, do “Zico Enxerido”, então?! Nossa, a maledicência saltaricava obscena e impiedosa! Para muitos, nenhuma surpresa aquela viagem misteriosa e suspeita, graças à conduta despojada da malfalada “cabrita”, como era jocosamente alcunhada a moça do decote concupiscente; um decote que, de tão concessor e pródigo, permitia àquelas saliências curvilíneas e protuberantes afrontarem as vontades masculinas. Portanto, a quase unanimidade propalava: a assanhada escolheu justo a Espanha porque queria mesmo “derrubar a madeira”, isto é, a safada percorreria o caminho das pedras, ou melhor, da zona.
Messalinda mereceu pálida recepção dos vizinhos, logo que chegou da viagem. E em retribuição, ofereceu-lhes olhares acintosos, rodopiou a bolsa de modo um tanto sem-modos e não deu trela a ninguém. Cada um que deixasse a imaginação percorrer o trieiro que quisesse, certamente debochou o pensamento da tal irreverente. De sua parte, não retiraria o zíper da boca. As palavras que se conformassem com sua sina: a reclusão.
Emprego, emprego, a moça não conseguiu. Mas, não tardou muito, inaugurou uma casa noturna, em cuja fachada um extravagante letreiro em néon rubente anunciava: “Venham tocar as castanholas de Messalinda”. E os pais da moça, orgulhosos: “Quem diria, gente, que essas tais castanholas iam dar vida fácil à nossa menina...!? Deus seja louvado!”.
Tempos depois, a moça de andar matreiro e atiçador, de riso cínico e insinuante decidiu, novamente, fazer a vida no exterior. Às amigas, confidenciou a certeza de ampliar os domínios da casa noturna, ao voltar. Aos pais, a justificativa: uma nova especialização, com vistas a um futuro ainda melhor. E, mais uma vez, com o orgulho a lhes arregalar o sorriso, difundiram sem parcimônia a nova façanha da filha. Perguntados sobre o país-destino da moça, informaram entusiasmados: “Portugal! Nossa menina vai trazer de lá outro diploma importante!”. Aí, então, a desconfiança grassou implacável nos olhares de todos; mas antes que alguém ousasse interpelá-los, a mãe foi taxativa: “Nossa menina foi pras bandas distantes de lá só pra aprender a língua deles. Nunca vi alguém gostar tanto assim dessas línguas esquisitas, impressionante! Também, inteligente que nem ela...”

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• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

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