Cismas do Paraíso
* Por Raul Longo
Imputa-se à donzela
a autoria da tentação,
mas o que ainda hoje
se testemunha,
é outra versão:
sendo o macho
quem, à fêmea, faz sedução.
Um brinco, um mimo,
ofertas, promessas e compensações:
nunca foi ofício de moças
já de por si dotadas de outras qualificações.
Que se saiba,
isso de flores, doces ou romã;
sempre precedeu másculas intenções.
Mais se afia a dúvida
quando se considera que em sua feitura,
já superara o Criador da encomenda o afã,
permitindo-Se, então, ao capricho
e maior zelo na delicada postura.
Também se deduz
ser-lhe de maior juventude,
já que só veio à luz
por própria solicitação, em sua plenitude.
(quiçá, em fase ‘inda mais provecta,
pois conta-se de certa ave xereta
circundando os paradisíacos céus,
grasnando insistente: “Eva e Adão! Eva e Adão!”
Sumindo-se, deixava incomodando
um eco permanente: “éviadão... éviadão...”)
Penalizado, dele Deus deu-lhe a fêmea:
sendo ela, dizem, o primeiro gênero definido
(e o último de Si nascido).
Finda a onanista androginia,
teve então uma companheira para o dia a dia...
Mas de que serventia
tanta beleza, nudez e ousadia?
Seria Adão um parvo absoluto?
Um animal sem qualquer imaginação
para estar ali, nu em meio ao mato,
apenas admirando Eva em completa solidão,
sem que, do fato,
lhe ocorresse a menor sugestão?
Resgatando as machas origens
do passivo papel que lhe dão na história,
buscamos em anais de mais remoto registro,
e salvamos do primeiro sedutor a memória,
revelando o discurso entreouvido
em paradisíaco matagal,
nas vésperas do dia sinistro
da tal descoberta do bem e do mal...
(que, por sinal, em bem entender
foi a primeira humana vitória
e de toda a espécie, sem dúvida,
a maior glória.
Pois se entre Adão e Eva
não se desse o enlace,
o que hoje há, nunca existiria...
- nem nada além do eterno e infernal
paraíso em que tudo, ainda, se manteria -):
Pois que Eva, alheia,
suspira mirando horizontes de mesmice...
E Adão, em sibilino
argumento imiscuísse:
“ - Pois se
é
no bagaço
que está o traço
saudável da fruta,
- meu bem –
porque não experimentar
o doce macio
que a fruta madura tem?”
(Eva não evita uma interjeição qualquer,
circundante)
Mas Adão,
sinuoso: “- Nada daquele ácido
sabor urgente
que queima
a língua da gente,
fazendo arder
delicadas papilas
e até eriçando mamilos.
Mas num frio corte
rápido e afoito
como a morte.
(Eva talvez intrigada,
talvez nada,
volta-se e entre ele vê:
a serpente)
Adão, ereto
e submisso,
sugere subreptícias: - Melhor um saborear
lento...
Escorrer de lambida
de quem sabe experimentar:
bocado a bocado.
(Eva um pouco em dúvida,
porém de lábios decididos)
Adão incontido,
uiva e rasteja: “- Beijo de vida íntima
e intensa,
como beberica
o pássaro que,
gota
a gota,
bebe o mel da flor...
Eva, de pudicícia vencida,
enfim desabrocha!
E Adão, em prazer,suspira: “- Antes que o fruto madure,
despenque,
apodreça...
...E fique para semente.’
Assim,
eras antes de Newton,
entre fôlegos e gemidos
se confirmou a gravidade da maçã.
E nestes gozosos inícios,
se fez a história
do original pecado,
interpondo-se a razão
entre as naturais atrações
das massas de Eva e
as inversas proporções
de seu companheiro,
aquele primeiro: Adão.
• Jornalista e escritor
* Por Raul Longo
Imputa-se à donzela
a autoria da tentação,
mas o que ainda hoje
se testemunha,
é outra versão:
sendo o macho
quem, à fêmea, faz sedução.
Um brinco, um mimo,
ofertas, promessas e compensações:
nunca foi ofício de moças
já de por si dotadas de outras qualificações.
Que se saiba,
isso de flores, doces ou romã;
sempre precedeu másculas intenções.
Mais se afia a dúvida
quando se considera que em sua feitura,
já superara o Criador da encomenda o afã,
permitindo-Se, então, ao capricho
e maior zelo na delicada postura.
Também se deduz
ser-lhe de maior juventude,
já que só veio à luz
por própria solicitação, em sua plenitude.
(quiçá, em fase ‘inda mais provecta,
pois conta-se de certa ave xereta
circundando os paradisíacos céus,
grasnando insistente: “Eva e Adão! Eva e Adão!”
Sumindo-se, deixava incomodando
um eco permanente: “éviadão... éviadão...”)
Penalizado, dele Deus deu-lhe a fêmea:
sendo ela, dizem, o primeiro gênero definido
(e o último de Si nascido).
Finda a onanista androginia,
teve então uma companheira para o dia a dia...
Mas de que serventia
tanta beleza, nudez e ousadia?
Seria Adão um parvo absoluto?
Um animal sem qualquer imaginação
para estar ali, nu em meio ao mato,
apenas admirando Eva em completa solidão,
sem que, do fato,
lhe ocorresse a menor sugestão?
Resgatando as machas origens
do passivo papel que lhe dão na história,
buscamos em anais de mais remoto registro,
e salvamos do primeiro sedutor a memória,
revelando o discurso entreouvido
em paradisíaco matagal,
nas vésperas do dia sinistro
da tal descoberta do bem e do mal...
(que, por sinal, em bem entender
foi a primeira humana vitória
e de toda a espécie, sem dúvida,
a maior glória.
Pois se entre Adão e Eva
não se desse o enlace,
o que hoje há, nunca existiria...
- nem nada além do eterno e infernal
paraíso em que tudo, ainda, se manteria -):
Pois que Eva, alheia,
suspira mirando horizontes de mesmice...
E Adão, em sibilino
argumento imiscuísse:
“ - Pois se
é
no bagaço
que está o traço
saudável da fruta,
- meu bem –
porque não experimentar
o doce macio
que a fruta madura tem?”
(Eva não evita uma interjeição qualquer,
circundante)
Mas Adão,
sinuoso: “- Nada daquele ácido
sabor urgente
que queima
a língua da gente,
fazendo arder
delicadas papilas
e até eriçando mamilos.
Mas num frio corte
rápido e afoito
como a morte.
(Eva talvez intrigada,
talvez nada,
volta-se e entre ele vê:
a serpente)
Adão, ereto
e submisso,
sugere subreptícias: - Melhor um saborear
lento...
Escorrer de lambida
de quem sabe experimentar:
bocado a bocado.
(Eva um pouco em dúvida,
porém de lábios decididos)
Adão incontido,
uiva e rasteja: “- Beijo de vida íntima
e intensa,
como beberica
o pássaro que,
gota
a gota,
bebe o mel da flor...
Eva, de pudicícia vencida,
enfim desabrocha!
E Adão, em prazer,suspira: “- Antes que o fruto madure,
despenque,
apodreça...
...E fique para semente.’
Assim,
eras antes de Newton,
entre fôlegos e gemidos
se confirmou a gravidade da maçã.
E nestes gozosos inícios,
se fez a história
do original pecado,
interpondo-se a razão
entre as naturais atrações
das massas de Eva e
as inversas proporções
de seu companheiro,
aquele primeiro: Adão.
• Jornalista e escritor
Leria mais e mais...
ResponderExcluirParabéns.