segunda-feira, 30 de maio de 2011



A #spanishrevolution explicada a um brasileiro

• Por Bernardo Gutiérrez

Muitos amigos brasileiros estão me perguntando sobre a #spanishrevolution. A imprensa mainstream brasileira publicou pouco e entendeu quase nada. Por isso, vou fazer um exercício muito simples para entender a chamada #spanishrevolution.
Imagine que uma ministra de Cultura (Ana Buarque do Holanda, por exemplo) aprova uma lei sobre direitos autorais da Internet que despreza licenças como Creative Commons, corta liberdades civis na rede e faz o jogo da indústria audiovisual.
Um grupo de ativistas digitais cria uma plataforma #navoteneles, pedindo para castigar os partidos que aprovaram a lei (imaginemos aqui, PT, PSDB e PMDB).
O grupo, indignado com os casos de corrupção, começa fazer “wikimapas” feitos em redes com os candidatos corruptos. Depois, milhares de grupos que lutam por causas diferentes entram na luta pedindo uma “democracia real” mais participativa e transparente e outro sistema econômico alternativo ao liberalismo.
A revolução #democraciareal estoura quando a policia despeja um grupo de pessoas que estavam acampadas na principal praça da capital do país.
As redes sociais espalham rapidamente a #brazilianrevolution e os cidadãos, altamente conectados, descentralizados e organizados, invadem as praças do país inteiro e discutem, no asfalto e na Internet, uma nova sociedade.
A campanha política em andamento para as eleições regionais fica paralizada e o mundo começa olhar para uma nova revolução digital de consequências imprevisíveis.
Entendeu agora o que aconteceu na Espanha e as ideias que se espalham pelo mundo?
Só falta temperar isso com uma crise econômica (internacional) e a explosão de uma gigantesca bolha imobiliária (espanhola) para completar a equação.
O fácil para a imprensa brasileira era falar que o alto desemprego da Espanha (por volta do 20%) provocou a revolta. É lógico: a crise e o desemprego influenciaram, mas o desemprego não foi o motivo principal, entre outras coisas porque ainda funciona o seguro desemprego.
O simples era comparar a #spanishrevolution às reviravoltas do mundo árabe. Só tem um ponto em comum, a importância das redes sociais no processo.
A Espanha tem democracia consolidada. As causas da revolta foram outras, várias, muitas. Os objetivos também são diferentes aos do mundo árabe.
92% dos jovens espanhóis usa Internet, doce pontos por cima do resto da Europa, segundo o próprio Estado. A Espanha lidera, também, o uso de banda larga nos celulares (19,5% da população, 6,9% na Europa). O cocktail se completa com uma elevadíssima porcentagem de jovens formados na universidade: 39% da população espanhola entre 25 e 34 anos tem formação superior (ano 2009), mais que a França ou outros países europeus. E muitos estão desempregados.
Chama minha atenção que a poderosa conta de @wikileaks no Twitter, a reportagem de Preseurop.
A revolta islandesa da Espanha, reparou na hora que um dos links mais importantes da #spanishrevolution vem do norte, da Islândia, o país que já teve o Índice de Desenvolvimento Humano (IDN) mais elevado do mundo e que afundou na tormentas dos mercados . De fato, uma das principais petições da #spanishrevolution é exigir do governo que não ajude mais ao sistema bancário que provocou a crise internacional. O link islandês-espanhol, a procura de alternativas a um mundo governado pelos mercados e as agências de rating, é tão claro que Hordur Torfason, o homem que fez o povo islandês reagir contra banqueiros e políticos, gravou um video para parabenizar o povo espanhol.
A juventude espanhola, é claro, admira o que aconteceu nos países árabes. Foi um exemplo para todos. Mas a #spanisrevolution é diferente. É um passo à frente. É claramente europeia. E sem pretendê-lo, se converteu na revolta digital mais avançada do mundo. Gerou o debate sobre a democracia. E pode ser fundamental para o mundo atingir um Sistema 2.0 verdadeiramente participativo. Um detalhe: a plataforma de ciberativismo Actuable.es, que nasceu no final de ano 2010, foi vital para evitar que o Governo despejasse a Puerta del Sol de Madri. Em menos de 24 horas, quando a Junta Elitoral proibiu o protesto, Actuable.es incentivou o envio de mais 150.000 mails para Alfredo Pérez Rubalcaba, ministro do Interior e evitou a represãao policial e um banho de sangue.
O suplemento do Estadão publicou na passada segunda-feira o melhor trabalho sobre o assunto na imprensa brasileira: Reiniciar o sistema. Esse é o foco. E nem todo o mundo entendeu.
As duas principais forças políticas espanholas, Partido Socialista Operário Espanhol (no poder) e o direitista Partido Popular (PP), depois das eleições regionais do passado domingo, fizeram de conta que nada aconteceu. Se a abstenção (pessoas que não votaram) fosse uma força política, teria sido a grande vencedora, com 33% dos votos.
O Partido Popular, que foi o grande ganhador, só foi votado por 24% do eleitorado. Por exemplo, em Madri, só 1 em cada 3 votantes deu a sua confiança ao Partido Popular, mas governará com maioria. Em Barcelona, o escândalo foi maior. 47% dos votantes ficou em casa (ou seja, muitos do gigantesco acampamento da Plaza de Catalunya, no centro de Barcelona). E a Convergència i Unió (CiU), nacionalistas conservadores, vão governar a cidade com um 14% dos votos.
A #spanishrevolution quer uma lei eleitoral mais justa, mais representativa. Quer uma lei de transparência das contas públicas. Quer criar um espaço para participação constante da política nacional, regional e local. Quer fazer um redesenho profundo da democracia. Mas, por enquanto, ninguém parece ter entendido o recado. E os protestos continuam. E as praças estão ainda cheias de pessoas. E já tem iniciativas, como “Madrid toma los barrios” para expandir o debate e participação nos bairros, praças e ruas das cidades.
Existem causas, motivos e condições para uma #brazilianrevolution? Os mesmos motivos que lá e , suponho, que outros.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Espanha, apesar da crise, ainda é um dos mais elevados do mundo.
O Brasil, apesar do crescimento econômico, tem alguns motivos para uma #brazilianrevolution: uma nova ministra de Cultura, Ana Buarque de Holanda, que não respeitou a herança de cultura livre do Governo Lula; altos níveis de corrupção (muitos mais que lá); democracia pouco participativa; um rumo econômico focado no macro e não no micro (agronegócio, exportação, grandes obras); sérios problemas ambientais; inflação; uma especulação imobiliária crescente que vai rumo ao da bolha que estourou na Espanha; desigualdade; violência…
Além disso, o Brasil tem um ativismo admirável. Foi onde nasceu o Fórum Social Mundial e o orçamento participativo. Lá cresceu o apoio de governos ao software livre e licenças como o Creative Commons. O Brasil foi e é importantíssimo na luta pela cultura livre e os direitos civis na Internet, uma referência internacional. O ciberativismo brasileiro, até agora, era mais forte que o espanhol, que só estourou depois da crise, quando o país inteiro saiu da mordomia da prosperidade. Os brasileiros, conseguiram encaminhar uma lei de “ficha limpa”. O Brasil é dos países mais ativos em redes sociais e tem a terceira maior penetração de Twitter do mundo (23%).
Não serei eu, um estrangeiro, quem vai inventar uma #brazilianrevolution, um movimento além das esquerdas e direitas, um movimento que lute pela liberdade, pela transparência e pela democracia 2.0.
Isso corresponde ao meu querido povo brasileiro. Mas pense bem: Existiriam causas, motivos e condições para uma #brazilianrevolution?
Democracia Real Brasil no Facebook.

*Bernardo Gutiérrez é espanhol, jornalista, escritor e consultor de mídia. Mora em São Paulo. Seus trabalhos aparecem em La Vanguardia (Barcelona), Esquire (Madri), Expresso (Lisboa), Tage Spiegel (Berlim) ou National Geographic Brasil, entre muitos outros.

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