A Commons e nossa cultura
* Por Raul Longo
Bernardo Gutiérrez é mais um que fala em defesa do Commons como garantia de liberdade de expressão via internet, mas não dá a menor explicação do porque. Em que a quebra do contrato do governo brasileiro ou de qualquer país com a Commons, poderia promover ou impedir o que o espanhol Gutiérrez chama de brazilianrevolution em analogia à spanishrevolution, como ele também prefere?
Me dá a impressão de que por algum motivo inconfesso o Gutiérrez fez aí um Samba do Criolo Doido, ainda mais doido do que os que ele acusa de estarem confundindo as manifestações de Espanha com as do mundo Árabe.
Nisso ele tem razão: a Primavera Árabe é contra sistemas totalitários de governo. Na Espanha não. Ali a revolta é contra o sistema em geral. Não estão brigando contra um governo específico, mas contra a representatividade do poder ou a falta de representatividade popular no poder.
Aos árabes falta um sistema democrático, aos espanhóis o sistema democrático já não é satisfatório. Mas não insuficiente porque queiram mais partidos ou mais eleições. Querem é que se encontre uma forma de agilizar a concretização dos anseios populares.
Vai além da insatisfação com a atual situação da economia espanhola, sim, mas o que ocorre foi provocado por esta situação. Pelo que conversei com amigos de Espanha que estão lá e outros que estão aqui, entendem que a atual situação não é culpa do atual governo e entendem que se está fazendo o que tem de ser feito. Mas querem discutir a forma que está sendo feito. Querem ter poder de inferir mais sobre as decisões de governo para que não ocorram mais situações como essa e para que não sejam os únicos penalizados pelos erros de governos anteriores.
Se há alguma relação que se possa fazer entre esse momento da Espanha e o Brasil, talvez seja com as palavras de Lula: “Não faço o que faço porque quero, mas porque a sociedade diz o que tem de ser feito”
O próprio Instituto Miguel de Cervantes, aqui em Florianópolis, é um exemplo do que acontece: em razão da crise econômica uma série de medidas estão sendo tomadas e entre elas a contenção de despesas de todas as entidades mantidas pelo governo espanhol, inclusive o Instituto Miguel de Cervantes que decidiu pelo fechamento de algumas unidades espalhadas pelo mundo. E assim a dirigente do Instituto, lá na Espanha, decidiu que no Brasil se fechasse a de mais recente início de atividades. Exatamente a de Florianópolis.
Isso revolta, e muito, os funcionários brasileiros e espanhóis do Instituto na capital catarinense, pois embora seja a mais recente no Brasil, é mais ativa do que outras unidades que mesmo sendo mais antigas no país têm menos alunos em seus cursos e menos cursos oferecidos, menor interatividade com as comunidades das cidades onde se instalam, além de demandarem maiores custos. Considerando que Florianópolis é considerada como portal turístico do Mercosul e Santa Catarina o estado brasileiro que mais recebe turistas de língua espanhola, aqui mais se justifica a manutenção desta única entidade de Espanha na região.
Meus amigos espanhóis reagiram e os ajudei a redigir uma carta bastante dura que endereçaram a diversos Ministérios do governo espanhol, inclusive ao Zapatero, com cópia para o Itamarati e o Secretario de Turismo de Santa Catarina; mas propositalmente sem cópia à dirigente do Instituto na Espanha e ao seu diretor no Brasil.
Torcem para que o governo espanhol exija explicações da dirigente em Espanha, mas eles mesmos não acreditam que isso aconteça pois, como me comentaram, o governo espanhol mantém mentalidade monarquista e decisões hierárquicas, por mais que se evidencie desacordos da maioria subalterna ou que a decisão se demonstre equivocada, jamais são revistas.
A julgar por estes comentários de cidadãos tão espanhóis quanto o Gutiérrez e talvez com maior presença na atualidade hispânica, a consolidação democrática que ele afirma apresenta aspectos discutíveis. Verdade que Franco se foi nos anos 70, mas se não a monarquia o franquismo deixou heranças nos políticos de lá. Mesmo não sentindo falta de novos partidos nem desejando derrubar governos como os árabes, o que os espanhóis querem é mais direta influência nas decisões de governo. Como em todo o mundo, o povo espanhol percebe a insuficiência da representatividade popular pelo sistema político partidário e questiona, nas praças e nas ruas, por uma saída.
É possível que a inspiração à forma desse questionamento tenha vindo da Primavera Árabe, mas realmente tem pouco ou nada a ver com as revoltas árabes que anseiam pelo fim de decanas ditaduras. Mas se nada com árabes, muito menos com a Commons!
O que escreve Gutiérrez é uma nítida forçazão de um assunto no contexto de outro sem qualquer relação. Tanto que não explica coisa alguma e só suscita questões de impossíveis respostas: A juventude espanhola se revolta graças ao Commons? Se não houvesse o Commons não se revoltaria?
O que a Ana Buarque tem a ver com isso tudo? Por que quebrando o contrato com a Commons, Ana estaria desrespeitando a cultura livre do governo Lula? No governo Lula a cultura só foi livre porque Gil manteve contrato com a Commons? Em que a quebra de contrato com a Commons torna o governo menos transparente?
A similaridade entre o texto do Gutiérrez e o Brasil só existe com a mesma conversa mole e inconsistente da nossa mídia!
E mais uma vez se ressalta a enormidade de interesses suscitados pelo Commons. Tão grande ao ponto de se sugerir que esse rompimento com o sistema justifique uma manifestação revolucionária: “O Brasil, apesar do crescimento econômico, tem alguns motivos para uma #brazilianrevolution: uma nova ministra de Cultura, Ana Buarque de Holanda.”
Como?!!!! Por que a quebra de contrato com a Commons é motivo para um movimento como o de Espanha?!!!! Por qual interesse? Por interesse de quem? Do señor Gutiérrez? Então que exponha onde está sendo tão lesado! Ou a arte, a cultura, as tradições, o povo brasileiro!
Na medida em que afirma que isso seria “um movimento que lute pela liberdade, pela transparência e pela democracia” sem nenhuma explicação de onde a liberdade e a democracia estejam sendo lesadas, está nitidamente estimulando uma mobilização popular por interesses escusos.
Somente quando finaliza com estes parágrafos:
“Não serei eu, um estrangeiro, quem vai inventar uma #brazilianrevolution, um movimento além das esquerdas e direitas...
Isso corresponde ao meu querido povo brasileiro.” me suscita uma certeza: a de que se um brasileiro os publicasse em Espanha procurando desestabilizar qualquer ministério daquele governo, seria extraditado de volta ao Brasil sob a acusação de ser agente provocador de subversão da ordem e da segurança do processo democrático que elegeu uma presidente para que indique e mantenha seu ministério de acordo com o próprio discernimento dos interesses do seu povo.
Ainda não descobri como se fez dinheiro com a Commons, mas nesse texto Gutiérrez dá a impressão de ter sido uma cornucópia. Talvez nem tanto, pois geralmente os testas de ferro se contentam apenas com migalhas do grande bolo arrecadado pelos que os comissionam. Mas na verdade valores nem importam muito. Importante seria descobrir como o sistema Commons comissionava esses que para defendê-lo só faltam sugerir um bombardeio do Ministério da Educação como o da Líbia.
Não falta muito para isso, pois revolução à espanhola já aí está.
• Jornalista e escritor
* Por Raul Longo
Bernardo Gutiérrez é mais um que fala em defesa do Commons como garantia de liberdade de expressão via internet, mas não dá a menor explicação do porque. Em que a quebra do contrato do governo brasileiro ou de qualquer país com a Commons, poderia promover ou impedir o que o espanhol Gutiérrez chama de brazilianrevolution em analogia à spanishrevolution, como ele também prefere?
Me dá a impressão de que por algum motivo inconfesso o Gutiérrez fez aí um Samba do Criolo Doido, ainda mais doido do que os que ele acusa de estarem confundindo as manifestações de Espanha com as do mundo Árabe.
Nisso ele tem razão: a Primavera Árabe é contra sistemas totalitários de governo. Na Espanha não. Ali a revolta é contra o sistema em geral. Não estão brigando contra um governo específico, mas contra a representatividade do poder ou a falta de representatividade popular no poder.
Aos árabes falta um sistema democrático, aos espanhóis o sistema democrático já não é satisfatório. Mas não insuficiente porque queiram mais partidos ou mais eleições. Querem é que se encontre uma forma de agilizar a concretização dos anseios populares.
Vai além da insatisfação com a atual situação da economia espanhola, sim, mas o que ocorre foi provocado por esta situação. Pelo que conversei com amigos de Espanha que estão lá e outros que estão aqui, entendem que a atual situação não é culpa do atual governo e entendem que se está fazendo o que tem de ser feito. Mas querem discutir a forma que está sendo feito. Querem ter poder de inferir mais sobre as decisões de governo para que não ocorram mais situações como essa e para que não sejam os únicos penalizados pelos erros de governos anteriores.
Se há alguma relação que se possa fazer entre esse momento da Espanha e o Brasil, talvez seja com as palavras de Lula: “Não faço o que faço porque quero, mas porque a sociedade diz o que tem de ser feito”
O próprio Instituto Miguel de Cervantes, aqui em Florianópolis, é um exemplo do que acontece: em razão da crise econômica uma série de medidas estão sendo tomadas e entre elas a contenção de despesas de todas as entidades mantidas pelo governo espanhol, inclusive o Instituto Miguel de Cervantes que decidiu pelo fechamento de algumas unidades espalhadas pelo mundo. E assim a dirigente do Instituto, lá na Espanha, decidiu que no Brasil se fechasse a de mais recente início de atividades. Exatamente a de Florianópolis.
Isso revolta, e muito, os funcionários brasileiros e espanhóis do Instituto na capital catarinense, pois embora seja a mais recente no Brasil, é mais ativa do que outras unidades que mesmo sendo mais antigas no país têm menos alunos em seus cursos e menos cursos oferecidos, menor interatividade com as comunidades das cidades onde se instalam, além de demandarem maiores custos. Considerando que Florianópolis é considerada como portal turístico do Mercosul e Santa Catarina o estado brasileiro que mais recebe turistas de língua espanhola, aqui mais se justifica a manutenção desta única entidade de Espanha na região.
Meus amigos espanhóis reagiram e os ajudei a redigir uma carta bastante dura que endereçaram a diversos Ministérios do governo espanhol, inclusive ao Zapatero, com cópia para o Itamarati e o Secretario de Turismo de Santa Catarina; mas propositalmente sem cópia à dirigente do Instituto na Espanha e ao seu diretor no Brasil.
Torcem para que o governo espanhol exija explicações da dirigente em Espanha, mas eles mesmos não acreditam que isso aconteça pois, como me comentaram, o governo espanhol mantém mentalidade monarquista e decisões hierárquicas, por mais que se evidencie desacordos da maioria subalterna ou que a decisão se demonstre equivocada, jamais são revistas.
A julgar por estes comentários de cidadãos tão espanhóis quanto o Gutiérrez e talvez com maior presença na atualidade hispânica, a consolidação democrática que ele afirma apresenta aspectos discutíveis. Verdade que Franco se foi nos anos 70, mas se não a monarquia o franquismo deixou heranças nos políticos de lá. Mesmo não sentindo falta de novos partidos nem desejando derrubar governos como os árabes, o que os espanhóis querem é mais direta influência nas decisões de governo. Como em todo o mundo, o povo espanhol percebe a insuficiência da representatividade popular pelo sistema político partidário e questiona, nas praças e nas ruas, por uma saída.
É possível que a inspiração à forma desse questionamento tenha vindo da Primavera Árabe, mas realmente tem pouco ou nada a ver com as revoltas árabes que anseiam pelo fim de decanas ditaduras. Mas se nada com árabes, muito menos com a Commons!
O que escreve Gutiérrez é uma nítida forçazão de um assunto no contexto de outro sem qualquer relação. Tanto que não explica coisa alguma e só suscita questões de impossíveis respostas: A juventude espanhola se revolta graças ao Commons? Se não houvesse o Commons não se revoltaria?
O que a Ana Buarque tem a ver com isso tudo? Por que quebrando o contrato com a Commons, Ana estaria desrespeitando a cultura livre do governo Lula? No governo Lula a cultura só foi livre porque Gil manteve contrato com a Commons? Em que a quebra de contrato com a Commons torna o governo menos transparente?
A similaridade entre o texto do Gutiérrez e o Brasil só existe com a mesma conversa mole e inconsistente da nossa mídia!
E mais uma vez se ressalta a enormidade de interesses suscitados pelo Commons. Tão grande ao ponto de se sugerir que esse rompimento com o sistema justifique uma manifestação revolucionária: “O Brasil, apesar do crescimento econômico, tem alguns motivos para uma #brazilianrevolution: uma nova ministra de Cultura, Ana Buarque de Holanda.”
Como?!!!! Por que a quebra de contrato com a Commons é motivo para um movimento como o de Espanha?!!!! Por qual interesse? Por interesse de quem? Do señor Gutiérrez? Então que exponha onde está sendo tão lesado! Ou a arte, a cultura, as tradições, o povo brasileiro!
Na medida em que afirma que isso seria “um movimento que lute pela liberdade, pela transparência e pela democracia” sem nenhuma explicação de onde a liberdade e a democracia estejam sendo lesadas, está nitidamente estimulando uma mobilização popular por interesses escusos.
Somente quando finaliza com estes parágrafos:
“Não serei eu, um estrangeiro, quem vai inventar uma #brazilianrevolution, um movimento além das esquerdas e direitas...
Isso corresponde ao meu querido povo brasileiro.” me suscita uma certeza: a de que se um brasileiro os publicasse em Espanha procurando desestabilizar qualquer ministério daquele governo, seria extraditado de volta ao Brasil sob a acusação de ser agente provocador de subversão da ordem e da segurança do processo democrático que elegeu uma presidente para que indique e mantenha seu ministério de acordo com o próprio discernimento dos interesses do seu povo.
Ainda não descobri como se fez dinheiro com a Commons, mas nesse texto Gutiérrez dá a impressão de ter sido uma cornucópia. Talvez nem tanto, pois geralmente os testas de ferro se contentam apenas com migalhas do grande bolo arrecadado pelos que os comissionam. Mas na verdade valores nem importam muito. Importante seria descobrir como o sistema Commons comissionava esses que para defendê-lo só faltam sugerir um bombardeio do Ministério da Educação como o da Líbia.
Não falta muito para isso, pois revolução à espanhola já aí está.
• Jornalista e escritor
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