Na pátria de Camões
A falta de intercâmbio entre escritores de língua portuguesa é “quase” absoluta e julgo isso incompreensível. Todos perdem com essa espécie de omissão. Há literatura, e da boa, em ambos os lados do Atlântico, não tenham dúvidas. Portugal segue produzindo grandes escritores, em todos os gêneros literários, assim como os países africanos de língua portuguesa. Quanto ao Brasil (nem seria preciso enfatizar), temos uma infinidade deles, muitos dos quais merecedores, até, de um Nobel de Literatura, que até hoje não veio. Quem sabe se algum dia a Academia Sueca venha a olhar com mais carinho, ou com um mínimo de atenção, para os nossos homens de letras!
Mas, voltando à questão do intercâmbio, é uma dificuldade enorme para adquirirmos livros de escritores da pátria de Camões. E vice-versa, óbvio. Por que isso acontece? Seria por falta de iniciativa? O problema estaria na falta de interesse? Não sei. O fato é que os portugueses desconhecem nossos bons escritores e, em contrapartida, não conhecemos praticamente nada dos que vivem em Portugal. Há exceções, claro, mas poucas.
Querem ver como não estou exagerando? Quantos de vocês, caríssimos leitores, conhecem Manuel Antonio Pina? Vou facilitar-lhes as coisas, para dar corda à memória. Trata-se de um poeta, que também é jornalista, e dos mais populares em terras lusitanas. Qual livro desse autor vocês leram? Bem, vou facilitar ainda mais este interrogatório informal. Digam qual o poema dele que vocês conhecem? Afinal, hoje há o recurso da internet para facilitar as coisas. A resposta a essas questões (salvo alguma honrosa exceção, reitero) será: “nenhum”. Nem poema e muito menos livros dele chegaram às mãos do instruído leitor brasileiro. Quanto ao não instruído sequer é preciso citar. Manuel Antonio Pina, que nunca foi editado no Brasil, é, pois, “ilustre” desconhecido em nosso país. Mas não deveria ser.
Pois bem, esse escritor conquistou a maior premiação literária de língua portuguesa, o Prêmio Camões de 2011, que desde 1989 premia autores que mais contribuem para a difusão da literatura na língua de Camões. Pode-se dizer que a pátria do autor de “Os Lusíadas” não é propriamente Portugal, ou não é só. É, também, o Brasil, é Angola, é Moçambique e são todos os lugares em que esta “última flor do Lácio, inculta e bela” é falada. E por que faço essa polêmica e ousada afirmação? Faço-a com base no célebre verso de Fernando Pessoa; “Minha pátria é a língua portuguesa”. Isso deve valer, também, para Eça de Queiroz, Florbela Espanca, Miguel Torga e... Camões. E a mim também.
Para que vocês entendam a relevância do prêmio conquistado por Manoel Antonio Pina ( que é 11 meses mais novo que eu, nascido em Sabugal, em 18 de novembro de 1943), transcrevo a relação de todos os que foram premiados antes dele: Miguel Torga (1989), João Cabral de Melo Neto (1990), José Craveirinha (1991), Vergílio Ferreira (1992), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), Antonio Cândido (1998), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Autran Dourado (2000), Eugênio de Andrade (2001), Maria Velho da Costa (2002), Rubem Fonseca (2003), Agustina Bessa Luís (2004), Lygia Fagundes Telles (2005), Luandino Vieira (2006), Antonio Lobo Antunes (2007), João Ubaldo Ribeiro (2008), Américo Vieira (2009) e Ferreira Gullar (2010).
Não vou pôr pose de sabe-tudo, o que não sou. Antes da divulgação da notícia de que o Prêmio Camões de 2011 havia sido atribuído ao escritor e jornalista Manuel Antonio Pina, eu não sabia rigorosamente nada a seu respeito. Foi uma correria para pesquisar seus textos e sua vida. Não digo que já seja um “expert” acerca desse autor, mas o que passei a saber a seu respeito já me habilita, posto que minimamente, a escrever sobre ele.
Fiquei sabendo, por exemplo, que ele é popularíssimo em Portugal, notadamente em Lisboa, por suas crônicas diárias, publicadas nos mais importantes, muitas das quais ensejaram programas de televisão. Pina, posto que se considere, sobretudo, poeta, se destacou na literatura infanto juvenil e escreveu, até, algumas peças de teatro. E recentemente lançou seu primeiro romance.
O Prêmio Camões, embora não divulgado na proporção da importância que tem, é, sobretudo, criterioso. Basta ver a relação dos premiados, todos escritores de amplos méritos, alguns considerados, até, clássicos da literatura de língua portuguesa. É cobiçadíssimo até no aspecto financeiro, afinal vale 100 mil euros ao ganhador (o Pulitzer, que é muito mais badalado, premia os ganhadores com somente US$ 10 mil).
Como sempre faço ao tratar de poetas, não os deixarei na mão. Trago-lhes uma amostra, selecionada a esmo, da arte poética de Manuel Antonio Pina. Leiam, pois, este poema intitulado “A poesia vai acabar”: “A poesia vai acabar, os poetas/vão ser colocados em lugares mais úteis,/por exemplo, observadores de pássaros/(enquanto os pássaros não acabarem)./Esta certeza tive-a hoje ao/entrar numa repartição pública./Um senhor míope atendia devagar/ao balcão, eu perguntei:/”Que fez algum poeta por este senhor?”/E a pergunta afligiu-me tanto/por dentro e por fora da cabeça que/tive que voltar a ler/toda a poesia desde o princípio do mundo./Uma pergunta na cabeça/--- como uma coroa de espinhos –:/estão todos a ver onde o autor quer chegar?”.
Gostaram? Eu gostei. Pelo menos o autor foge do bla-bla-blá enjoado de muitos poetas, evita lugares-comuns e questiona o próprio objeto da sua arte, prevendo até mesmo que vá acabar. E não está, porventura, acabando, por muita gente a considerar inútil e sem serventia? Claro que sim! A menos que nós, amantes do gênero, a salvemos.
Boa leitura.
O Editor.
A falta de intercâmbio entre escritores de língua portuguesa é “quase” absoluta e julgo isso incompreensível. Todos perdem com essa espécie de omissão. Há literatura, e da boa, em ambos os lados do Atlântico, não tenham dúvidas. Portugal segue produzindo grandes escritores, em todos os gêneros literários, assim como os países africanos de língua portuguesa. Quanto ao Brasil (nem seria preciso enfatizar), temos uma infinidade deles, muitos dos quais merecedores, até, de um Nobel de Literatura, que até hoje não veio. Quem sabe se algum dia a Academia Sueca venha a olhar com mais carinho, ou com um mínimo de atenção, para os nossos homens de letras!
Mas, voltando à questão do intercâmbio, é uma dificuldade enorme para adquirirmos livros de escritores da pátria de Camões. E vice-versa, óbvio. Por que isso acontece? Seria por falta de iniciativa? O problema estaria na falta de interesse? Não sei. O fato é que os portugueses desconhecem nossos bons escritores e, em contrapartida, não conhecemos praticamente nada dos que vivem em Portugal. Há exceções, claro, mas poucas.
Querem ver como não estou exagerando? Quantos de vocês, caríssimos leitores, conhecem Manuel Antonio Pina? Vou facilitar-lhes as coisas, para dar corda à memória. Trata-se de um poeta, que também é jornalista, e dos mais populares em terras lusitanas. Qual livro desse autor vocês leram? Bem, vou facilitar ainda mais este interrogatório informal. Digam qual o poema dele que vocês conhecem? Afinal, hoje há o recurso da internet para facilitar as coisas. A resposta a essas questões (salvo alguma honrosa exceção, reitero) será: “nenhum”. Nem poema e muito menos livros dele chegaram às mãos do instruído leitor brasileiro. Quanto ao não instruído sequer é preciso citar. Manuel Antonio Pina, que nunca foi editado no Brasil, é, pois, “ilustre” desconhecido em nosso país. Mas não deveria ser.
Pois bem, esse escritor conquistou a maior premiação literária de língua portuguesa, o Prêmio Camões de 2011, que desde 1989 premia autores que mais contribuem para a difusão da literatura na língua de Camões. Pode-se dizer que a pátria do autor de “Os Lusíadas” não é propriamente Portugal, ou não é só. É, também, o Brasil, é Angola, é Moçambique e são todos os lugares em que esta “última flor do Lácio, inculta e bela” é falada. E por que faço essa polêmica e ousada afirmação? Faço-a com base no célebre verso de Fernando Pessoa; “Minha pátria é a língua portuguesa”. Isso deve valer, também, para Eça de Queiroz, Florbela Espanca, Miguel Torga e... Camões. E a mim também.
Para que vocês entendam a relevância do prêmio conquistado por Manoel Antonio Pina ( que é 11 meses mais novo que eu, nascido em Sabugal, em 18 de novembro de 1943), transcrevo a relação de todos os que foram premiados antes dele: Miguel Torga (1989), João Cabral de Melo Neto (1990), José Craveirinha (1991), Vergílio Ferreira (1992), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), Antonio Cândido (1998), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Autran Dourado (2000), Eugênio de Andrade (2001), Maria Velho da Costa (2002), Rubem Fonseca (2003), Agustina Bessa Luís (2004), Lygia Fagundes Telles (2005), Luandino Vieira (2006), Antonio Lobo Antunes (2007), João Ubaldo Ribeiro (2008), Américo Vieira (2009) e Ferreira Gullar (2010).
Não vou pôr pose de sabe-tudo, o que não sou. Antes da divulgação da notícia de que o Prêmio Camões de 2011 havia sido atribuído ao escritor e jornalista Manuel Antonio Pina, eu não sabia rigorosamente nada a seu respeito. Foi uma correria para pesquisar seus textos e sua vida. Não digo que já seja um “expert” acerca desse autor, mas o que passei a saber a seu respeito já me habilita, posto que minimamente, a escrever sobre ele.
Fiquei sabendo, por exemplo, que ele é popularíssimo em Portugal, notadamente em Lisboa, por suas crônicas diárias, publicadas nos mais importantes, muitas das quais ensejaram programas de televisão. Pina, posto que se considere, sobretudo, poeta, se destacou na literatura infanto juvenil e escreveu, até, algumas peças de teatro. E recentemente lançou seu primeiro romance.
O Prêmio Camões, embora não divulgado na proporção da importância que tem, é, sobretudo, criterioso. Basta ver a relação dos premiados, todos escritores de amplos méritos, alguns considerados, até, clássicos da literatura de língua portuguesa. É cobiçadíssimo até no aspecto financeiro, afinal vale 100 mil euros ao ganhador (o Pulitzer, que é muito mais badalado, premia os ganhadores com somente US$ 10 mil).
Como sempre faço ao tratar de poetas, não os deixarei na mão. Trago-lhes uma amostra, selecionada a esmo, da arte poética de Manuel Antonio Pina. Leiam, pois, este poema intitulado “A poesia vai acabar”: “A poesia vai acabar, os poetas/vão ser colocados em lugares mais úteis,/por exemplo, observadores de pássaros/(enquanto os pássaros não acabarem)./Esta certeza tive-a hoje ao/entrar numa repartição pública./Um senhor míope atendia devagar/ao balcão, eu perguntei:/”Que fez algum poeta por este senhor?”/E a pergunta afligiu-me tanto/por dentro e por fora da cabeça que/tive que voltar a ler/toda a poesia desde o princípio do mundo./Uma pergunta na cabeça/--- como uma coroa de espinhos –:/estão todos a ver onde o autor quer chegar?”.
Gostaram? Eu gostei. Pelo menos o autor foge do bla-bla-blá enjoado de muitos poetas, evita lugares-comuns e questiona o próprio objeto da sua arte, prevendo até mesmo que vá acabar. E não está, porventura, acabando, por muita gente a considerar inútil e sem serventia? Claro que sim! A menos que nós, amantes do gênero, a salvemos.
Boa leitura.
O Editor.
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Aqui nos editoriais vou me alfabetizando em poesia. Não demorarei muito a procurá-la, pois de um modo geral leio apenas as que me caem nas mãos.
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