domingo, 15 de maio de 2011







Vidas iguais

* Por Pedro J. Bondaczuk

"As pessoas acreditam que suas vidas são diferentes das demais". A afirmação é do político socialista britânico, Harold Laski. É evidente e até redundante que nem todos vivem de maneira absolutamente igual. A realidade de cada um depende de uma extensa série de fatores: da classe social a que cada um pertence, da família de onde procede, da educação que recebeu, do país em que vive, etc.
Todavia, nem por isso se pode afirmar que haja no mundo alguém com trajetória absolutamente original. Todos compartilhamos sonhos, alegrias, decepções, esperanças, frustrações etc. etc. etc. com indivíduos que têm vidas bastante semelhantes à nossa. É certo que semelhança não significa igualdade. Mas nem mesmo o aspecto físico garante absoluta originalidade a quem quer que seja. São inúmeros os casos de sósias, sem que qualquer espécie de parentesco os vincule. Isto sem falar de irmãos gêmeos univitelinos, rigorosamente parecidos fisicamente, nos mínimos detalhes. Mas as pessoas gostam de parecer diferentes, ou únicas, ou originais. Por que lhes tirar esse gosto? Afinal, não passa de um pequeno, pífio, irrisório consolo à sua efemeridade. À nossa, melhor diríamos.
Custamos a nos conformar com a nossa mortalidade. Sentimo-nos, em nosso íntimo, como se fôssemos eternos, perenes, indestrutíveis. Alguns, a muito custo, conscientizam-se (em geral na velhice) que não o são. Outros nunca adquirem essa consciência. A ilusão é um patrimônio comum das pessoas. Mesmo que não admitamos e que não ajamos socialmente nesse sentido, secretamente nos sentimos como "o centro do universo". Há quem se abstraia da realidade e transporte isso para os relacionamentos do dia-a-dia. Sem que se apercebam, caem em ridículo. Tornam-se alvos de chacotas, quando não até de casos de internamento em manicômios, tachados como "paranóicos megalomaníacos".
O escritor e o ator conhecem bem essa sensação de alienação da realidade, em diversos graus. Ambos assumem – o primeiro na hora em que escreve seus contos, novelas, romances e peças e o segundo quando representa no palco ou para as câmeras – inúmeras personalidades, de conformidade com as exigências dos enredos. Vivemos nos iludindo, tanto nas pequenas coisas, quanto nas essenciais. Esse é o ópio da humanidade, que torna a vida suportável. O homem não resistiria a um único segundo da realidade pura. Ela é como olhar de frente para o Sol. É a ilusão que nos dá motivação para fazermos o que é necessário (e até o desnecessário).
Sei que a esta altura os que se consideram "donos da verdade" devem estar resmungando, com ares de sabe-tudo, ao ler estas considerações: "Esse cara é uma besta! Só escreve bobagem!". Isto se não disser impropérios piores. Cansei de receber cartas anônimas e telefonemas idem desses chatos, com preguiça de pensar, e que resolvem buscar seus "quinze minutos" de fama aborrecendo figuras públicas (importantes ou não).
Junqueira Freire tem um poema extraordinário sobre essa questão da ilusão. O poeta diz, na última estrofe: "Iludimo-nos todos! Concebemos/um paraíso eterno:/e quando nele sôfregos tocamos,/achamos um inferno". Estes mundos artificiais criados pela nossa fantasia tanto podem consistir em fortuna, prestígio ou poder, quanto em coisas mais íntimas e sutis, como um cargo, uma honraria ou até mesmo um casamento.
Quem já não ouviu por aí (ou também não achou isso em algum período da sua vida) a afirmação: "não posso viver sem fulana?" Acontece que pode. Todos podem viver sem todos. Às vezes, essa mesma pessoa, depois de cinco, dez ou vinte anos de desgaste conjugal (quando não de meros dias), percebe a besteira que fez. Se for sensata, vai buscar simplesmente a separação, sem maiores conflitos. Se for de índole violenta...Os jornais estampam todos os dias tragédias ocorridas em lares destruídos.
A situação que estivermos vivendo (boa ou ruim), certamente será igual à de centenas, de milhares ou até de milhões de outras pessoas, com realidades semelhantes à nossa, ao redor do mundo. Até o mais miserável dos mendigos terá a concorrer com ele outro tão indigente ou mais do que ele em alguma parte do Planeta. O mesmo vale em relação aos triliardários. Ou aos que têm paixão brotando por todos os poros. Ou aos que se fazem de indiferentes a tudo o que os cerca. E assim por diante. Por mais que isso nos fira o ego, a verdade é que temos vidas (e muitas vezes mortes) iguais às de uma infinidade de pessoas. Há circunstâncias em que isso pode até servir de consolo...


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Já tinha pensando nisso, em como são semelhantes as vidas de todos nós. No geral vivemos as mesmas vontades, sucessos, fracassos, carências. Alguns de nós vivem dramas maiores, como perder um filho, por exemplo, mas em geral as necessidades são muito parecidas.

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