No peito e na raça
O escritor brasileiro produz, publica, faz sua obra chegar às mãos dos leitores e conquista seu espaço no cenário da literatura nacional no peito e na raça. Não encontra (salvo raríssimas exceções) as facilidades que lhe deveriam ser concedidas, dada sua importância cultural, para esbanjar seu talento e produzir, produzir e produzir cada vez mais idéias e conceitos e assim contribuir para a elevação da cultura e do conhecimento geral do seu povo. E, ainda assim, é um dos mais criativos do mundo, embora muitos jamais consigam publicar sequer seu primeiro livro. Considero isso um desperdício inconcebível num país em que a educação, em sentido lato, continua sendo seu ponto vulnerável, seu “calcanhar de aquiles”.
As coisas, todavia, foram piores, muito piores, e não faz muito tempo. Imaginem a odisséia dos escritores brasileiros do século XVIII e dos primeiros anos do XIX, quando não havia no Brasil sequer uma única editora ou mesmo uma rústica gráfica que tivesse capacidade para imprimir um livro! Acresça-se a isso o fato da virtual inexistência no País de um potencial público leitor, já que as taxas de analfabetismo quase beiravam a totalidade da população.
Quem sabia ler e escrever era honrosa exceção, visto como fenômeno, por se tratar de raridade. Os livros vinham todos de fora e os entraves para sua aquisição eram enormes. Os dos nossos teimosos escritores tinham que ser impressos, está visto, no exterior, notadamente em Portugal, envolvendo custos proibitivos, inacessíveis para a maioria dos bolsos. Ainda assim, tivemos homens de letras notáveis, que consolidaram seus nomes na história da literatura brasileira aos quais, hoje em dia, não raro não damos o devido valor. Foram intelectuais de fibra, que conquistaram seu espaço, literalmente, no peito e na raça.
As coisas começaram a mudar em decorrência de um fato (como classificá-lo?), digamos, político-militar, ocorrido um hemisfério de distância daqui, na velha Europa, à revelia, portanto, do Brasil e, logicamente, dos brasileiros. Napoleão Bonaparte tomou, na marra, a coroa francesa, autonomeando-se imperador, e com uma fome impressionante de conquistas, só comparável à de Alexandre, o Grande, da Macedônia, entre os anos de 335 AC, quando iniciou suas campanhas bélicas e 323 AC, quando morreu. As tropas napoleônicas varriam a Europa, como vorazes nuvens de gafanhotos, conquistando país após país. Portugal, claro, também estava na mira do corso guerreiro.
Todavia, os portugueses levavam vantagem sobre boa parte dos países europeus. Contavam com colônias de além-mar, entre as quais, o Brasil. O então príncipe-regente, mais tarde Dom João VI, tomou uma decisão, na época muito contestada, mas que, no correr dos acontecimentos, se mostrou coerente e sábia. Decidiu transferir a corte portuguesa para uma de suas colônias, a com maior potencial de todas, Veio, com mala e bagagem para onde? Claro que para o Brasil.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o regente, que substituía a mãe, Dona Maria I, acometida de insanidade mental, baixou dois decretos de importância capital para nós, brasileiros. O primeiro foi o de abertura dos nossos portos às nações amigas. Mas é o segundo que nos interessa. E qual foi ele? Foi a criação, nesse mesmo ano de 1808, da Impressão Régia. Ou seja, determinou a instalação, no Rio de Janeiro, da primeira gráfica-editora em território brasileiro. É a partir daí que começa a história dessa agente de tamanha importância para nós, escritores, que possibilita, bem ou mal, a publicação e distribuição dos livros que escrevemos.
Estes e outros tantos fatos estão narrados num preciosíssimo volume, de 663 páginas, lançado recentemente, numa feliz parceria entre a Fundação Biblioteca Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, e a Editora Unesp. Refiro-me ao livro “Impresso no Brasil – dois séculos de livros brasileiros”, obra coletiva de pesquisadores de instituições de diversos Estados. São 35 capítulos, na verdade 35 ensaios, abordando mais de duzentos anos de publicações ocorridas de Norte a Sul do País. São historiadas desde as primeiras tipografias, pequenas e rústicas, até as modernas e bem equipadas editoras atuais, que em nada ficam a dever a nenhuma outra existente nos países industrializados.
A introdução, a exemplo de toda a obra, é uma preciosidade. Traz um texto, super pertinente, do bibliófilo José Mindlin, falecido recentemente, sobre o qual já escrevi neste espaço (aliás, personalidade muito bem escolhida para esse fim, dado o profundo amor pelos livros que demonstrou ao longo de toda a vida), escrito em 2007, em que trata do centenário da Impressão Régia.
“Impresso no Brasil – dois séculos de livros brasileiros” analisa, entre outras tantas coisas, a história de editoras de grande importância, quer no passado, quer na atualidade, como Garnier, Melhoramentos, Civilização Brasileira, Companhia das Letras e Abril.
É uma obra essencial não apenas para os estudiosos de literatura, mas para leigos, ou seja, leitores em geral. Sua leitura, certamente, o conduzirá à mesmíssima conclusão com que iniciei estas reflexões. Ou seja, a de que o escritor brasileiro produz, publica, faz sua obra chegar às mãos dos leitores e conquista seu espaço no cenário da literatura nacional no peito e na raça. Foi assim no passado e, a despeito dos avanços, continua sendo do mesmo jeito, embora, possivelmente, em menores proporções.
Outro tema abordado, e que muitos escritores ainda desconhecem, é o que se refere a direitos autorais. Por fim, são analisados dois fenômenos editoriais, ambos campeões de vendas, ou seja, os livros de Paulo Coelho, que esgotam edições após edições mundo afora, e a série Harry Potter, da britânica J. K. Rowling, que empolga leitores brasileiros de todas as idades, mas, sobretudo, os jovens.
Boa leitura.
O Editor.
O escritor brasileiro produz, publica, faz sua obra chegar às mãos dos leitores e conquista seu espaço no cenário da literatura nacional no peito e na raça. Não encontra (salvo raríssimas exceções) as facilidades que lhe deveriam ser concedidas, dada sua importância cultural, para esbanjar seu talento e produzir, produzir e produzir cada vez mais idéias e conceitos e assim contribuir para a elevação da cultura e do conhecimento geral do seu povo. E, ainda assim, é um dos mais criativos do mundo, embora muitos jamais consigam publicar sequer seu primeiro livro. Considero isso um desperdício inconcebível num país em que a educação, em sentido lato, continua sendo seu ponto vulnerável, seu “calcanhar de aquiles”.
As coisas, todavia, foram piores, muito piores, e não faz muito tempo. Imaginem a odisséia dos escritores brasileiros do século XVIII e dos primeiros anos do XIX, quando não havia no Brasil sequer uma única editora ou mesmo uma rústica gráfica que tivesse capacidade para imprimir um livro! Acresça-se a isso o fato da virtual inexistência no País de um potencial público leitor, já que as taxas de analfabetismo quase beiravam a totalidade da população.
Quem sabia ler e escrever era honrosa exceção, visto como fenômeno, por se tratar de raridade. Os livros vinham todos de fora e os entraves para sua aquisição eram enormes. Os dos nossos teimosos escritores tinham que ser impressos, está visto, no exterior, notadamente em Portugal, envolvendo custos proibitivos, inacessíveis para a maioria dos bolsos. Ainda assim, tivemos homens de letras notáveis, que consolidaram seus nomes na história da literatura brasileira aos quais, hoje em dia, não raro não damos o devido valor. Foram intelectuais de fibra, que conquistaram seu espaço, literalmente, no peito e na raça.
As coisas começaram a mudar em decorrência de um fato (como classificá-lo?), digamos, político-militar, ocorrido um hemisfério de distância daqui, na velha Europa, à revelia, portanto, do Brasil e, logicamente, dos brasileiros. Napoleão Bonaparte tomou, na marra, a coroa francesa, autonomeando-se imperador, e com uma fome impressionante de conquistas, só comparável à de Alexandre, o Grande, da Macedônia, entre os anos de 335 AC, quando iniciou suas campanhas bélicas e 323 AC, quando morreu. As tropas napoleônicas varriam a Europa, como vorazes nuvens de gafanhotos, conquistando país após país. Portugal, claro, também estava na mira do corso guerreiro.
Todavia, os portugueses levavam vantagem sobre boa parte dos países europeus. Contavam com colônias de além-mar, entre as quais, o Brasil. O então príncipe-regente, mais tarde Dom João VI, tomou uma decisão, na época muito contestada, mas que, no correr dos acontecimentos, se mostrou coerente e sábia. Decidiu transferir a corte portuguesa para uma de suas colônias, a com maior potencial de todas, Veio, com mala e bagagem para onde? Claro que para o Brasil.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o regente, que substituía a mãe, Dona Maria I, acometida de insanidade mental, baixou dois decretos de importância capital para nós, brasileiros. O primeiro foi o de abertura dos nossos portos às nações amigas. Mas é o segundo que nos interessa. E qual foi ele? Foi a criação, nesse mesmo ano de 1808, da Impressão Régia. Ou seja, determinou a instalação, no Rio de Janeiro, da primeira gráfica-editora em território brasileiro. É a partir daí que começa a história dessa agente de tamanha importância para nós, escritores, que possibilita, bem ou mal, a publicação e distribuição dos livros que escrevemos.
Estes e outros tantos fatos estão narrados num preciosíssimo volume, de 663 páginas, lançado recentemente, numa feliz parceria entre a Fundação Biblioteca Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, e a Editora Unesp. Refiro-me ao livro “Impresso no Brasil – dois séculos de livros brasileiros”, obra coletiva de pesquisadores de instituições de diversos Estados. São 35 capítulos, na verdade 35 ensaios, abordando mais de duzentos anos de publicações ocorridas de Norte a Sul do País. São historiadas desde as primeiras tipografias, pequenas e rústicas, até as modernas e bem equipadas editoras atuais, que em nada ficam a dever a nenhuma outra existente nos países industrializados.
A introdução, a exemplo de toda a obra, é uma preciosidade. Traz um texto, super pertinente, do bibliófilo José Mindlin, falecido recentemente, sobre o qual já escrevi neste espaço (aliás, personalidade muito bem escolhida para esse fim, dado o profundo amor pelos livros que demonstrou ao longo de toda a vida), escrito em 2007, em que trata do centenário da Impressão Régia.
“Impresso no Brasil – dois séculos de livros brasileiros” analisa, entre outras tantas coisas, a história de editoras de grande importância, quer no passado, quer na atualidade, como Garnier, Melhoramentos, Civilização Brasileira, Companhia das Letras e Abril.
É uma obra essencial não apenas para os estudiosos de literatura, mas para leigos, ou seja, leitores em geral. Sua leitura, certamente, o conduzirá à mesmíssima conclusão com que iniciei estas reflexões. Ou seja, a de que o escritor brasileiro produz, publica, faz sua obra chegar às mãos dos leitores e conquista seu espaço no cenário da literatura nacional no peito e na raça. Foi assim no passado e, a despeito dos avanços, continua sendo do mesmo jeito, embora, possivelmente, em menores proporções.
Outro tema abordado, e que muitos escritores ainda desconhecem, é o que se refere a direitos autorais. Por fim, são analisados dois fenômenos editoriais, ambos campeões de vendas, ou seja, os livros de Paulo Coelho, que esgotam edições após edições mundo afora, e a série Harry Potter, da britânica J. K. Rowling, que empolga leitores brasileiros de todas as idades, mas, sobretudo, os jovens.
Boa leitura.
O Editor.
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Costuma-se desvalorizar o antigo, chamado de velho em tom pejorativo. Não podemos esquecer que sobre os ombros dos antepassados nos colocamos para espiar o saber. Achamos quase tudo pronto, pouco fizemos e ainda assim temos dificuldade em entender o que já encontramos.
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