terça-feira, 24 de maio de 2011







Berilo Wanderley

* Por Talis Andrade


(trechos)

2

Neste mundo de mortos-
carregando-o-vivo
Berilo amava os irmãos bichos
criados soltos no quintal
sem marca de ferro e laço

Ossos e gesso
sangue e verniz
os bichos velam
a santa lapinha
resguardando o sono
do Menino Jesus


3

Na sala de visitas
do sobrado das tias
do maravilhado Berilo
os vizinhos vêm espiar
O Menino Jesus
dorme tranqüilo

Na manjedoura
o Menino deitado
nas secas palhinhas
Os sonhos cantados
pelas pastorinhas

Nas ricas mansões
estouram champanhes
Nos mocambos amontoados
nas encostas dos morros
as crianças choram
de frio e fome

Crianças transportadas
do chão de terra batida
de suas casas
para a areia fofa
e o cal
das covas rasas


7

Um carneiro gigante
exibia na testa
a reluzente estrela
da tentação e da sorte
Um carneiro mágico
do longe Piauí
tudo prometia
Uma chuva de ouro
uma chuva de prata

O terso esplendor
de tantos tesouros
não possuía
nenhum valor

Para Berilo
a riqueza consistia
em sua coleção de discos
de música antiga
os livros de versos
uma garrafa de vinho
para uma conversa amiga


8

A fortuna vem da poesia
a ventura das coisas simples
os meninos cercando o palhaço
por uma entrada no circo
o gáudio de um filme de Carlitos
os namorados de mãos dadas
ao som da retreta na praça
a terna amizade da cachorra Baleia
lambendo o rosto de Berilo
o eterno rosto de menino
violentado pela visão do mundo


In poema Os Três Reis Magos

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

Um comentário:

  1. Fez-me lembrar de uma poesia de Pessoa
    em que o menino Jesus se rebela e desce
    à Terra se misturando a pessoas comuns
    que comem, bebem, labutam e secam o suor
    em pequenos trapos.
    Abraços

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