A vida continua
* Por Paulo Valença
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Nesse terreno do edifício moderno e bonito havia a casa, de varanda à frente, com o pai sentado numa cadeira de balanço e a mãe em outra, conversando.
Ele chegava do trabalho. Calado. Preso ao mundo de introvertido, contudo, sem se conformar com os dias que não o conduziriam a um futuro digno, no qual se projetasse na vida.
Sim, entendia a dura realidade.
- Vai jantar agora, filho?
- Depois do banho, mãe.
- Sim, enquanto isso vou esquentar o jantar.
Erguia-se e cruzando a sala conjugada, entrava no corredor e na outra sala, com a mesa, as cadeiras e o fogão próximo a porta que dava para o banheiro. Acendendo o fogão, esquentava a comida.
Ele tomava o banho, repetindo a cena de todas as noites. Até quando assim? Precisava deixar o emprego da gráfica, conseguir outro, com melhor salário, e maior chance de se profissionalizar em sua carreira de desenhista.
Sim, lutaria para sair do ambiente de gente de baixo nível social, uns brutos!
Ao sair do banheiro, sentado à mesa, a mãe lhe trazia a refeição. Sopa. Pão. Arroz. Carne. A garrafa térmica com o café.
- Tá tudo quentinho, filho. Fique aí comendo que eu vou concluir um assunto com o seu pai.
Retirava-se. Magra. Os braços longos. Os movimentos lentos. Os cabelos finos, curtos, ficando grisalhos... Sensibilizado ante essa imagem, ele se alimentava pensativo. O que a pobreza faz às pessoas, marcando-lhes a existência sem dó, envelhecendo-as de repente. Pudesse oferecer à mãe e ao pai mais conforto, libertando-os dos sacrifícios impostos pela pobreza...
Depois, o emprego na Indústria grande de embalagens de papel. O nível social melhor. O salário dobrado. E ele estudando à noite, do desejo, “garra” de ser alguém... Já então a mãe estava com a cabeça grisalha. O pai m ais gordo. O olhar ausente. O indiferentismo por tudo. O desabafo repetido, pessimista:
- Não acho mais graça em nada. Estou completamente indiferente a tudo. Bem dizia o meu pai, que era semi-analfabeto, mas muito inteligente: “Há hora para tudo, até para se morrer...”.
A mãe, na outra cadeira, tentava então consolá-lo:
- Maurílio, isso que acontece com você se chama velhice. Você tem de reagir, não se entregar. Sair. Ver o mundo, se distrair homem!
O pai sorria enigmático e silenciava.
Ele chegava do colégio.
- Vai jantar agora, filho?
- Depois do banho, mãe.
- Enquanto isso, eu esquento sua comida.
Os caminhos que percorremos através do tempo e que nos traz as marcas em forma de lembranças... Sim, tudo passou à semelhança de um filme assistido, contudo, a vida continua e...
- Bola pra frente!
A mãe adoeceu e não tardou em morrer, vítima do câncer. O pai três meses depois teve o enfarte fulminante e ele se viu assim de repente com o próprio destino, mas, a dor nos faz lutar, nos tornar gigante!
Tudo passou, a vida continua.
Hoje, é chefe do setor de arte da empresa grande. Ganha bem. Está se formando em contabilidade. Casado e...
- Bola pra frente!
Mais uma vez se repete, em desabafo.
Liga o carro e se afasta devagar. Deixando para trás o edifício já de luzes acesas ante o início da noite e que assim iluminado se destaca, cresce mais em sua imponência de acolher almas humanas, com seus dramas e que depois se converterão em lembranças.
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Ele chegava do trabalho. Calado. Preso ao mundo de introvertido, contudo, sem se conformar com os dias que não o conduziriam a um futuro digno, no qual se projetasse na vida.
Sim, entendia a dura realidade.
- Vai jantar agora, filho?
- Depois do banho, mãe.
- Sim, enquanto isso vou esquentar o jantar.
Erguia-se e cruzando a sala conjugada, entrava no corredor e na outra sala, com a mesa, as cadeiras e o fogão próximo a porta que dava para o banheiro. Acendendo o fogão, esquentava a comida.
Ele tomava o banho, repetindo a cena de todas as noites. Até quando assim? Precisava deixar o emprego da gráfica, conseguir outro, com melhor salário, e maior chance de se profissionalizar em sua carreira de desenhista.
Sim, lutaria para sair do ambiente de gente de baixo nível social, uns brutos!
Ao sair do banheiro, sentado à mesa, a mãe lhe trazia a refeição. Sopa. Pão. Arroz. Carne. A garrafa térmica com o café.
- Tá tudo quentinho, filho. Fique aí comendo que eu vou concluir um assunto com o seu pai.
Retirava-se. Magra. Os braços longos. Os movimentos lentos. Os cabelos finos, curtos, ficando grisalhos... Sensibilizado ante essa imagem, ele se alimentava pensativo. O que a pobreza faz às pessoas, marcando-lhes a existência sem dó, envelhecendo-as de repente. Pudesse oferecer à mãe e ao pai mais conforto, libertando-os dos sacrifícios impostos pela pobreza...
Depois, o emprego na Indústria grande de embalagens de papel. O nível social melhor. O salário dobrado. E ele estudando à noite, do desejo, “garra” de ser alguém... Já então a mãe estava com a cabeça grisalha. O pai m ais gordo. O olhar ausente. O indiferentismo por tudo. O desabafo repetido, pessimista:
- Não acho mais graça em nada. Estou completamente indiferente a tudo. Bem dizia o meu pai, que era semi-analfabeto, mas muito inteligente: “Há hora para tudo, até para se morrer...”.
A mãe, na outra cadeira, tentava então consolá-lo:
- Maurílio, isso que acontece com você se chama velhice. Você tem de reagir, não se entregar. Sair. Ver o mundo, se distrair homem!
O pai sorria enigmático e silenciava.
Ele chegava do colégio.
- Vai jantar agora, filho?
- Depois do banho, mãe.
- Enquanto isso, eu esquento sua comida.
Os caminhos que percorremos através do tempo e que nos traz as marcas em forma de lembranças... Sim, tudo passou à semelhança de um filme assistido, contudo, a vida continua e...
- Bola pra frente!
A mãe adoeceu e não tardou em morrer, vítima do câncer. O pai três meses depois teve o enfarte fulminante e ele se viu assim de repente com o próprio destino, mas, a dor nos faz lutar, nos tornar gigante!
Tudo passou, a vida continua.
Hoje, é chefe do setor de arte da empresa grande. Ganha bem. Está se formando em contabilidade. Casado e...
- Bola pra frente!
Mais uma vez se repete, em desabafo.
Liga o carro e se afasta devagar. Deixando para trás o edifício já de luzes acesas ante o início da noite e que assim iluminado se destaca, cresce mais em sua imponência de acolher almas humanas, com seus dramas e que depois se converterão em lembranças.
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- Demorou hoje... Algum problema na firma, Vandro?
- Nada não, tudo certinho. É esse maldito engarrafamento...
Aproxima-se e abraça-a com força, como se lhe pedisse força, “energia” para lutar, enfrentar a vida. Suas vidas.
Ela sorri, perplexa:
- Essa alma quer reza!
Ele também sorri e à semelhança das noites ao chegar, anuncia:
- Vou tomar o banho.
- Vá que cuido do jantar.
- Tudo bem.
Assoviando ele se dirige ao banheiro após as duas salas conjugadas, enquanto Norma se encaminha a cozinha a esquerda da segunda sala.
Será que Vandro está com uma “paquera?” Mas...
- Esquece, esquece Norma!
Então, prática, reentregando-se ao presente, enverga-se e acende o fogão.
Do banheiro chega-lhe o assovio, tão desentoado...
Crítica, Norma sorri. Mangando.
* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.
- Nada não, tudo certinho. É esse maldito engarrafamento...
Aproxima-se e abraça-a com força, como se lhe pedisse força, “energia” para lutar, enfrentar a vida. Suas vidas.
Ela sorri, perplexa:
- Essa alma quer reza!
Ele também sorri e à semelhança das noites ao chegar, anuncia:
- Vou tomar o banho.
- Vá que cuido do jantar.
- Tudo bem.
Assoviando ele se dirige ao banheiro após as duas salas conjugadas, enquanto Norma se encaminha a cozinha a esquerda da segunda sala.
Será que Vandro está com uma “paquera?” Mas...
- Esquece, esquece Norma!
Então, prática, reentregando-se ao presente, enverga-se e acende o fogão.
Do banheiro chega-lhe o assovio, tão desentoado...
Crítica, Norma sorri. Mangando.
* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.
Por mais que a gente queira uma mudança, uma virada na vida, mesmo que seja para atenuar
ResponderExcluiras necessidades, somos feitos de fragmentos...
Velhas personagens se vão, mas surgem outras
mais a frente e nos pegamos nos repetindo...
Abraços