O livro que ensina a falar errado
* Por Urariano Mota
Nesta semana, o “Bom dia Brasil”, nome do telejornal que desconhece o vocativo, abriu espaço para uma aula magna de Alexandre Garcia. Em breve editorial, Alexandre fulminou o livro “Por uma vida melhor”. Entre outras sábias reflexões, assim falou Garcia:
- Pois, ironicamente, esse livro se chama ‘Por uma vida melhor’. Se fosse apenas uma polêmica linguística, tudo bem, mas faz parte do currículo de quase meio milhão de alunos. E é abonado pelo Ministério da Educação. Na moda do politicamente correto, defende o endosso ao falar errado para evitar o preconceito linguístico.
...Aboliu-se o mérito e agora se aprova a frase errada para não constranger.
A isso o professor Sérgio Nogueira apareceu como convidado. Mas antes, de modo espontâneo, o apresentador lhe levantou a bola:
- Isso (esse livro) é o início do fim da gramática?
Ao que pontificou o mestre:
- O fim da gramática já vem sendo feito há um bom tempo por essa nova linha do ensino, na chamada linguística moderna, em que o certo e o errado é abandonado... vocês pagariam pra uma escola em que seu filho vai continuar falando a língua que ele não precisa, que pode aprender sozinho?
Ao que aterrorizou melhor o apresentador:
- A língua é um traço de união nacional. Ela estaria ameaçada?
No que concordou o brilhante professor:
- Neste caso, sim, porque é diferente você respeitar as variantes regionais, as variantes sociais,e não conhecer uma língua geral, uma língua padrão. Por sinal, é nosso trabalho constante na Rede Globo, que é conseguir essa linguagem, como no caso do Bom Dia, que atinge o Sul e o Norte, Leste e Oeste. Hoje o gaúcho da fronteira se comunica com o sertanejo.
“Graças ao ótimo trabalho de lingüística da Rede Globo”, nem precisou o mestre completar. Que coisa... As letras de um artigo não enrubescem de vergonha. Nem cabe, na medida deste espaço, mostrar o serviço danoso que as telenovelas da Globo têm feito contra a riqueza da fala nacional. Mas cabem 2 ou 3 coisas sobre o livro condenado.
Ele, o maldito que rompe a unidade e pureza da língua, não prestigia o "falar errado", nem ensina a fala errada.
Em um capítulo, em apenas um, o malvado chama a atenção para formas à margem da norma culta. Mas alerta que as falas têm o seu lugar, adequação diferente, em momentos solenes, na escrita ou dentro de casa.
Escândalo.
O que deveria ser saudado em um livro que não humilha os falantes mais pobres, porque não os desqualifica, mas antes, como uma ressalva, lembra que “a sua fala não é errada, ela possui um valor. Apenas tomem cuidado, porque em determinadas ocasiões essa variante faz da pessoa alguém menor”, virou uma prova da mais alta incompetência do MEC. É como se não houvesse estudos científicos da língua nas universidades, é como se os frutos dessa pesquisa não pudessem voltar a quem de direito.
Em toda a mídia, falaram entre naftalinas ou com o mais simples cheiro de mofo. Contra o livro se levantou uma guerra, um embate político e ideológico que faz a gente lembrar a difamação sofrida por Darwin, com um rabo até hoje porque teria dito que o homem descende do macaco. Ou como lhe perguntou um conservador no século XIX: “o senhor vem de um símio por parte de pai ou de mãe?”. Ou como afirmam os conservadores destes dias: “Aboliu-se o mérito e agora aprova-se a frase errada. Livro aprovado pelo MEC é uma inversão de valores”. Pois o governo agora ensina que nós vai tá bão.
No entanto, a palmatória que se levanta nem precisava ir tão longe: na própria imprensa se cometem todos os dias autênticas aberrações na ortografia, na sintaxe e no sentido das palavras. Há um novo léxico de novo-rico. Os apresentadores de telejornais falam récorde, em lugar de recorde, e nessa pronúncia nem são ingleses nem brasileiros. Os nomes franceses são pronunciados “à francesa”, e a comédia resultante disso é constrangedora. Não faz muito, criou-se um deus nos acuda porque Dilma virou presidentA. Não, ensinaram os doutos que não leem dicionários, ela é presidentE. (Muito contra a nossa vontade, queriam dizer.)
Por que nunca levantaram a voz contra Manuel Bandeira?
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”
Por que não impediram jamais a divulgação de versos tão sacrílegos? Ah, Manuel Bandeira dominava a língua culta. Quem domina, pode. Quem não domina, se pode, para não falar rima menos pura.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
Nesta semana, o “Bom dia Brasil”, nome do telejornal que desconhece o vocativo, abriu espaço para uma aula magna de Alexandre Garcia. Em breve editorial, Alexandre fulminou o livro “Por uma vida melhor”. Entre outras sábias reflexões, assim falou Garcia:
- Pois, ironicamente, esse livro se chama ‘Por uma vida melhor’. Se fosse apenas uma polêmica linguística, tudo bem, mas faz parte do currículo de quase meio milhão de alunos. E é abonado pelo Ministério da Educação. Na moda do politicamente correto, defende o endosso ao falar errado para evitar o preconceito linguístico.
...Aboliu-se o mérito e agora se aprova a frase errada para não constranger.
A isso o professor Sérgio Nogueira apareceu como convidado. Mas antes, de modo espontâneo, o apresentador lhe levantou a bola:
- Isso (esse livro) é o início do fim da gramática?
Ao que pontificou o mestre:
- O fim da gramática já vem sendo feito há um bom tempo por essa nova linha do ensino, na chamada linguística moderna, em que o certo e o errado é abandonado... vocês pagariam pra uma escola em que seu filho vai continuar falando a língua que ele não precisa, que pode aprender sozinho?
Ao que aterrorizou melhor o apresentador:
- A língua é um traço de união nacional. Ela estaria ameaçada?
No que concordou o brilhante professor:
- Neste caso, sim, porque é diferente você respeitar as variantes regionais, as variantes sociais,e não conhecer uma língua geral, uma língua padrão. Por sinal, é nosso trabalho constante na Rede Globo, que é conseguir essa linguagem, como no caso do Bom Dia, que atinge o Sul e o Norte, Leste e Oeste. Hoje o gaúcho da fronteira se comunica com o sertanejo.
“Graças ao ótimo trabalho de lingüística da Rede Globo”, nem precisou o mestre completar. Que coisa... As letras de um artigo não enrubescem de vergonha. Nem cabe, na medida deste espaço, mostrar o serviço danoso que as telenovelas da Globo têm feito contra a riqueza da fala nacional. Mas cabem 2 ou 3 coisas sobre o livro condenado.
Ele, o maldito que rompe a unidade e pureza da língua, não prestigia o "falar errado", nem ensina a fala errada.
Em um capítulo, em apenas um, o malvado chama a atenção para formas à margem da norma culta. Mas alerta que as falas têm o seu lugar, adequação diferente, em momentos solenes, na escrita ou dentro de casa.
Escândalo.
O que deveria ser saudado em um livro que não humilha os falantes mais pobres, porque não os desqualifica, mas antes, como uma ressalva, lembra que “a sua fala não é errada, ela possui um valor. Apenas tomem cuidado, porque em determinadas ocasiões essa variante faz da pessoa alguém menor”, virou uma prova da mais alta incompetência do MEC. É como se não houvesse estudos científicos da língua nas universidades, é como se os frutos dessa pesquisa não pudessem voltar a quem de direito.
Em toda a mídia, falaram entre naftalinas ou com o mais simples cheiro de mofo. Contra o livro se levantou uma guerra, um embate político e ideológico que faz a gente lembrar a difamação sofrida por Darwin, com um rabo até hoje porque teria dito que o homem descende do macaco. Ou como lhe perguntou um conservador no século XIX: “o senhor vem de um símio por parte de pai ou de mãe?”. Ou como afirmam os conservadores destes dias: “Aboliu-se o mérito e agora aprova-se a frase errada. Livro aprovado pelo MEC é uma inversão de valores”. Pois o governo agora ensina que nós vai tá bão.
No entanto, a palmatória que se levanta nem precisava ir tão longe: na própria imprensa se cometem todos os dias autênticas aberrações na ortografia, na sintaxe e no sentido das palavras. Há um novo léxico de novo-rico. Os apresentadores de telejornais falam récorde, em lugar de recorde, e nessa pronúncia nem são ingleses nem brasileiros. Os nomes franceses são pronunciados “à francesa”, e a comédia resultante disso é constrangedora. Não faz muito, criou-se um deus nos acuda porque Dilma virou presidentA. Não, ensinaram os doutos que não leem dicionários, ela é presidentE. (Muito contra a nossa vontade, queriam dizer.)
Por que nunca levantaram a voz contra Manuel Bandeira?
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”
Por que não impediram jamais a divulgação de versos tão sacrílegos? Ah, Manuel Bandeira dominava a língua culta. Quem domina, pode. Quem não domina, se pode, para não falar rima menos pura.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
Li sobre isso e me preocupa um pouco
ResponderExcluiresse "desencorajamento". Deixa eu tentar me explicar.
Quando entrei para escola não foi apenas com
o intuito de aprender o que está nos livros
pois isso é pouco, o ensino te abre um leque
infinito onde a nossa fome de querer mais
de saber mais é quase visceral.
A educação dada nas escolas nos propicia também
o discernimento em saber ouvir o "errado" e
entendê-lo perfeitamente.
Convivo com essa "fala politicamente correta", porém nunca a reproduzi e não a endosso.
Se estou errada, peço que perdoem a minha ignorância.
O MEC não é inquestionável. Mas enfim, tomara
que o bom e velho discernimento vença.
Abração Urariano.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOuço pessoas falando da sua maneira no dia a dia. Sem intenção de corrigí-las, se tenho de repetir a mesma palavra, falo do meu modo. Não critico, não manifesto, mas, no meu íntimo a pessoa é classificada para baixo. Também quando leio uma escrita mal traçada, penso o mesmo comigo. Quantos teriam coragem de admitir isso?
ResponderExcluirA arte e a literatura popular nasceram e ainda nascem do povão analfabeto e semi-analfabeto. Então, nada mais sensato que procurar entender a sabedoria popular, que apesar da escrita errada, nada mais é que a correspondência da pronúncia da mesma.
ResponderExcluirColorau ou coloral, que importa? Se é com "u"/ou com "l"// Isso não vem ao caso./ O que importa mesmo é saber:/ Cadê o colorau?/Pôs no arroz/ que ficou avermelhado// de origem vegetal/ Colorau!