quarta-feira, 25 de maio de 2011







Leitura e livros
(uma celebração do escritor e do leitor)

* Por Emanuel Medeiros Vieira




Em memória de Alfredo David Vieira Sanseverino, de Beluco Marra, de Giuseppe Luchini Vieira, de Ivan Moreira da Silva e de Ronaldo Paixão (todos eles apaixonados pela leitura) Pela intensa e exemplar luta em prol da vida de Maria Aparecida Vieira de Almeida e de Maria Letícia Vieira da Silva. E pela saúde da minha querida afilhada Letícia Lopes Miranda. (Ouvindo Bach, Cartola e Lupícinio Rodrigues)

Quem escreve é um leitor do “passado”? Um nostálgico? Quem sabe. O livro vai acabar? – indagam. Eu sei: a leitura encontrou formas paralelas de existência, como disse José Mindlin. O texto na tela é uma das alternativas atuais do livro. É claro: eu prefiro o impresso. Gosto de ”tocar” o livro, de sentir o seu cheiro, de anotar e de rabiscar no canto, de marcar trechos com canetas coloridas.
Para mim, é mais prazeroso encontrar um livro na estante, de ir a sebos, e não à mega-livrarias impessoais. Parece bobagem. Mas é o meu barro. Talvez – como alguém já detectou –, o livro de papel tenha algo de artesanal na sua concepção e impressão.
No futuro, ele será objeto de culto de uma minoria? Não se opõe qualquer resistência ao livro digital. Para um viajante contumaz, talvez seja preferível carregar um e-book. Para um leitor habitualmente caseiro e compulsivo como eu – que lê vários livros ao mesmo tempo, que não consegue ler sem anotar – ,o livro de papel é melhor.
O jovem de hoje não tem essa necessidade. Não? Os “dinossauros” (humanista epistolares em extinção) têm! A escrita seria o contrário da web? Há nela uma tempestade de informações. (O que “faço” agora parece uma contradição: rascunhei esse texto no papel ,depois usei o computador e tentarei irradiar a “minha mensagem”). Sem internet, só conseguiria isso pelos correios, o que demoraria muito mais tempo. Sendo óbvio: a internet é utilíssima. Canalizada para o Bem e com inteligência, tem enorme importância (leitor amigo: perdoe a platitude e os lugares-comuns!).
“Quem escreve tece fios que devem se recolhidos pelo receptor para serem urdidos”, dizia Vilém Flusser (1920-1991). O pensador – aqui citado por José Castello –, afirmava que o computador substituía, de modo inexorável, as funções espirituais do homem. “Não se trata de lutar contra a invasão inevitável dos aparelhos, ou de cultivar uma fobia ao tecnológico. Acontece, porém, que esta grande colcha das imagens surge em um momento histórico de grave desilusão em relação ao progresso e ao pensamento”, acredita Castello.
Vivemos num mundo pós-utópico, árido e dessacralizado, ferozmente individualista, pragmático e carente de sonhos. Muitos acreditam que perdemos a nossa interioridade, desistimos de nossa subjetividade e “preferimos o festim de uma grande rede”. Não chego a tanto. É preciso compartilhar e disseminar o Humano.
O filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) investigou, entre outros temas, os problemas suscitados pela industrialização – que são perpetuados até hoje. Semelhante a Theodor Adorno (1903-1969) – como bem lembrou Ísis Zisels –, ele acusa o modo de produção capitalista de retirar o significado da arte, apresentando-a como produto de consumo.
Na tentativa de restabelecer as percepções estéticas, Benjamim valoriza intensamente a memória, “a sobreposição da tradição integral à oficial e a re-leitura do presente, através da busca pela história”. Caberia a arte vencer a mediocridade do cotidiano, aguçando novas percepções para a elevação do indivíduo –, visando a sua plenitude.
Como alguém já observou o século XX foi o século da memória. As guerras, os totalitarismos, os genocídios, as ditaduras, os crimes contra a humanidade e os campos de concentração impuseram uma reflexão sobre a importância da memória, “emblematicamente contida no famoso adágio adorniano de um novo imperativo categórico: o de lembrar para não repetir jamais.”
Gustave Flaubert (1821-1880) confessou em carta a uma amiga: “O único meio de suportar a existência é se atordoar na literatura como em uma orgia perpétua”. Um verdadeiro escritor dificilmente escreverá à toa. “Escreverá por impulso, fervor, angústia, necessidade buscar-se , de se rever,de se encontrar,quer em si mesmo,quer nos outros”.
Está à procura de um lugar bom no mundo? Está. “Talvez isso traduza uma visão romântica, sobretudo nesta sociedade globalizada, que é uma linha de montagem contínua de celebridades”, como interpretou Hélio Pólvora.
O verdadeiro escritor escreve por profunda necessidade. Não pede misericórdia. Se o reconhecimento não vier – acredita ele – “e raramente vem”, pouco importa. Pessoalmente, estou convicto de que um escritor não deve jamais associar-se ao poder. Sim, os escritores são antenas, sismógrafos, bússolas, sempre à procura, de uma geografia interior que não está nos mapas oficiais. “Há escritores capazes de tudo em termos de apaixonada ânsia para viver outras vidas, meter-se em pele alheia” (como Flaubert). Ele dedicou-se completamente(como raramente se viu) à literatura, em busca da “palavra perfeita”.
O criador busca fundamente a autenticidade. Dá a sua “cara ao tapa”. Não tem medo. Ele é caixa de ressonância de uma sociedade. Sabe que é inútil tentar competir com celebridades do momento, ”pois chegará sempre no por último na maratona”. Deve manter-se fiel a si mesmo, sem exibicionismos.
E o escritor deve ler, ler muito, não parar de ler. Precisará ralar muito. E um leitor de verdade, como outro já detectaram, não alienará parte de seu tempo em banalidades. “O tempo é uma nave sem governo (...). O tempo é uma perpetuidade cansada; o chão que pisamos é feito de infinidade, o sol despenha-se do alto para que o recebamos, e não para medira noite e o dia. Cada livro é uma peregrinação.” (Agustina Bessa Luís).

*Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros.

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