Aparências que satisfazem
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor francês, Jacques Anatole François Thibault (mais conhecido como Anatole France), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1921, escreveu, em um de seus romances: “A justiça é a sanção das injustiças estabelecidas”. Exagero? Não diria tanto! Analisando o que ocorre, com demasiada freqüência, ao nosso redor, concluímos, até facilmente, que não se trata de mera frase de efeito, mas de assustadora realidade.
O aparato de Justiça tende a ser severo em demasia com os humildes, com os miseráveis, com os que não têm o suficiente, sequer, para prover a própria subsistência, enquanto se mostra leniente, complacente e frouxo com os que têm recursos materiais e podem custear uma boa defesa, mesmo que seus delitos sejam passivos das mais severas punições.
Foram vários os casos, por exemplo, em que pessoas em situação de extrema necessidade, foram severamente punidas por pequenos furtos, de valor absolutamente irrisório, enquanto notórios bandidos de colarinho-branco permanecem impunes, a zombarem da sociedade.
Ora é uma empregada doméstica desempregada que levou, sem pagar, de uma poderosa rede de supermercados, reles chupeta para o filho, que não podia comprar. Ora é outra mulher, que passou anos na cadeia, por causa do furto de um pote de margarina. Ora é um morador de rua, que furtou um vidro de picles e, por causa dele, apodreceu anos numa cela qualquer, à espera de julgamento, enquanto milhares de perigosos bandidos, de assassinos confessos, de traficantes de drogas, permanecem nas ruas, por falta de vagas nas abarrotadas instituições penais, País afora. E os casos se multiplicam, sem que venhamos sequer a nos dar conta deles. São tantos, que acabam noticiados apenas em meras notinhas de pé de página, nas editorias de polícia dos grandes jornais, que raramente nos damos o luxo de ler.
Essas prisões, no meu entender arbitrárias e até absurdas, todavia, significam a “morte social” de quem as sofre. Só se igualam, em termos de prejuízos para a imagem, aos que, por qualquer motivo, foram internados alguma vez em manicômios. Quem passa por essas experiências, embora continue vivo, é como se houvesse morrido. Ninguém mais os leva a sério. Não conseguem emprego, são desprezados pela família e perdem os “amigos” (se é que algum dia os tiveram). O pior é que todos estamos sujeitos (embora sequer nos demos conta) de passar por situações como estas.
No caso dos pequenos furtos (não raro de valores inferiores a R$ 1), custava o segurança que constatou o deslize, ou quem testemunhou essas violações das normas vigentes, ir até o caixa e ressarcir o estabelecimento do “prejuízo” (que grande prejuízo!)? Claro que não! A todo o instante gastamos importâncias dezenas, centenas, milhares de vezes superiores a estas em bobagens, quando não em coisas que nos prejudiquem a saúde e o fazemos com a maior satisfação.
A reação, nesses casos, via regra (jamais constatei uma exceção), é execrar o infeliz – quando não tentar agredi-lo –, dedo em riste, clamando por “justiça”, indiferentes aos motivos que o levaram a agir dessa maneira. Somos rigorosos (e apressados) demais em julgar os outros e exigimos total complacência com nossas próprias violações. Vivemos de “aparências”.
Só nos importa o que aparentamos ser, não o que, de fato, somos. E é por esse parâmetro que julgamos os outros. Quantas pessoas já foram injustiçadas, falsamente acusadas de erros que não cometeram, apenas por que tinham “cara de bandidos”?! Conheço, sem nenhum exagero, pelo menos uma dezena de casos desse tipo. E quando são inocentadas (as raras que o são, claro), os que lhes atribuíram culpa que não tinham não têm, sequer, a grandeza moral de pedir desculpas. Arranjam, isso sim, esfarrapadas justificativas para suas acusações sem-fundamento.
Austregésilo de Athayde citou, em um artigo que publicou na coluna que assinava na extinta revista “O Cruzeiro” (intitulado “Aparência acima da realidade”), as seguintes palavras de Nicoló Maquiavel, que cabem, a caráter, nestas reflexões: “A quase todos os homens só aparências satisfazem tanto quanto a realidade, e muitas vezes os agitam mais as primeiras do que a segunda”.. Estava errado? Todos sabem que não!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor francês, Jacques Anatole François Thibault (mais conhecido como Anatole France), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1921, escreveu, em um de seus romances: “A justiça é a sanção das injustiças estabelecidas”. Exagero? Não diria tanto! Analisando o que ocorre, com demasiada freqüência, ao nosso redor, concluímos, até facilmente, que não se trata de mera frase de efeito, mas de assustadora realidade.
O aparato de Justiça tende a ser severo em demasia com os humildes, com os miseráveis, com os que não têm o suficiente, sequer, para prover a própria subsistência, enquanto se mostra leniente, complacente e frouxo com os que têm recursos materiais e podem custear uma boa defesa, mesmo que seus delitos sejam passivos das mais severas punições.
Foram vários os casos, por exemplo, em que pessoas em situação de extrema necessidade, foram severamente punidas por pequenos furtos, de valor absolutamente irrisório, enquanto notórios bandidos de colarinho-branco permanecem impunes, a zombarem da sociedade.
Ora é uma empregada doméstica desempregada que levou, sem pagar, de uma poderosa rede de supermercados, reles chupeta para o filho, que não podia comprar. Ora é outra mulher, que passou anos na cadeia, por causa do furto de um pote de margarina. Ora é um morador de rua, que furtou um vidro de picles e, por causa dele, apodreceu anos numa cela qualquer, à espera de julgamento, enquanto milhares de perigosos bandidos, de assassinos confessos, de traficantes de drogas, permanecem nas ruas, por falta de vagas nas abarrotadas instituições penais, País afora. E os casos se multiplicam, sem que venhamos sequer a nos dar conta deles. São tantos, que acabam noticiados apenas em meras notinhas de pé de página, nas editorias de polícia dos grandes jornais, que raramente nos damos o luxo de ler.
Essas prisões, no meu entender arbitrárias e até absurdas, todavia, significam a “morte social” de quem as sofre. Só se igualam, em termos de prejuízos para a imagem, aos que, por qualquer motivo, foram internados alguma vez em manicômios. Quem passa por essas experiências, embora continue vivo, é como se houvesse morrido. Ninguém mais os leva a sério. Não conseguem emprego, são desprezados pela família e perdem os “amigos” (se é que algum dia os tiveram). O pior é que todos estamos sujeitos (embora sequer nos demos conta) de passar por situações como estas.
No caso dos pequenos furtos (não raro de valores inferiores a R$ 1), custava o segurança que constatou o deslize, ou quem testemunhou essas violações das normas vigentes, ir até o caixa e ressarcir o estabelecimento do “prejuízo” (que grande prejuízo!)? Claro que não! A todo o instante gastamos importâncias dezenas, centenas, milhares de vezes superiores a estas em bobagens, quando não em coisas que nos prejudiquem a saúde e o fazemos com a maior satisfação.
A reação, nesses casos, via regra (jamais constatei uma exceção), é execrar o infeliz – quando não tentar agredi-lo –, dedo em riste, clamando por “justiça”, indiferentes aos motivos que o levaram a agir dessa maneira. Somos rigorosos (e apressados) demais em julgar os outros e exigimos total complacência com nossas próprias violações. Vivemos de “aparências”.
Só nos importa o que aparentamos ser, não o que, de fato, somos. E é por esse parâmetro que julgamos os outros. Quantas pessoas já foram injustiçadas, falsamente acusadas de erros que não cometeram, apenas por que tinham “cara de bandidos”?! Conheço, sem nenhum exagero, pelo menos uma dezena de casos desse tipo. E quando são inocentadas (as raras que o são, claro), os que lhes atribuíram culpa que não tinham não têm, sequer, a grandeza moral de pedir desculpas. Arranjam, isso sim, esfarrapadas justificativas para suas acusações sem-fundamento.
Austregésilo de Athayde citou, em um artigo que publicou na coluna que assinava na extinta revista “O Cruzeiro” (intitulado “Aparência acima da realidade”), as seguintes palavras de Nicoló Maquiavel, que cabem, a caráter, nestas reflexões: “A quase todos os homens só aparências satisfazem tanto quanto a realidade, e muitas vezes os agitam mais as primeiras do que a segunda”.. Estava errado? Todos sabem que não!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
É Pedro...complicado isso.
ResponderExcluirUma pessoa que passa por isso e recebe
um ridículo pedido de desculpas tem que ser muito
nobre para perdoar ou então estar completamente
anestesiado ou alienado.
Não é fácil caminhar com a cabeça erguida quando
tantos lhe apontam o dedo acusador.
Ótima reflexão.
Abraços
Li ontem, mas não pude comentar porque o Blogger não aceitava postagens.
ResponderExcluirEntão, nas eternas discussões sobre o ser, ter e parecer, melhor estar conjugando os três verbos. De preferência com autenticidade.