domingo, 2 de setembro de 2018

Você, o centro do mundo - Rosana Hermann


Você, o centro do mundo


* Por Rosana Hermann


Se eu não detestasse tanto essa ladainha de ‘guerra dos sexos’ eu diria que os homens são muito mais vaidosos do que as mulheres em todos os sentidos e que são eles que mais praticam este esporte, o da projeção do próprio ego em tempo integral. Mas vou deixar a competição do mundo feminino contra o masculino para os programas infantilóides de tv e fazer uma análise assexuada destas ocorrências. Não é específico do mundo dos machos, é uma característica das personalidades egocêntricas em geral. Fato é que tem gente que não pode ver, ler, ouvir uma única notícia no rádio, na tv, jornal ou Internet sem imediatamente fazer a conjectura-chavão: “se fosse eu...!”.

Acompanhar um telejornal ao lado dessas pessoas é praticamente uma tortura. Tudo orbita em torno delas. Se ela fosse o Lula mandaria tal ministro pra rua, se fosse o juiz condenaria o réu, se fosse a cantora não teria ido buscar o prêmio. Se fosse a apresentadora jamais iria à festa sem calcinha e, claro, se fosse o namorado dela, teria terminado tudo. Se fosse o diretor do filme teria mudado o final. Se fosse o editor do jornal não permitiria tantos anúncios. Se ela fosse o prefeito daria um jeito nas inundações. Aliás, se ela fosse São Pedro nem estaria mandando chuva agora.

Esse tipo de personalidade é mais comum do que imaginamos e tem também suas nuances. Quando a pessoa que se projeta em tudo percebe que todos numa sala já notaram que se ela fosse qualquer outro ser, faria tudo muito melhor, ela dá um passo atrás e altera um pouco o método. E deixa de conjecturar sobre o que faria se fosse a outra para contar de fato tudo o que de melhor ela já fez. E aí começa a cantilena de auto-elogios e auto-enaltecimento. No tempo da faculdade ele era o mais bacana, o melhor do quarteirão, o chefe mais sensato, o funcionário mais eficiente. Enfim, ele sempre foi o melhor no passado e, claro, teria sido melhor no lugar de qualquer outra pessoa.

O que acontece com esses seres humanos? Eles acreditam mesmo que são melhores do que todos? Não, eles sabem que não são. E na verdade, sentem-se inferiores a todos os outros, idéia que os apavora. São medrosos, inseguros e tudo o que dizem tem por objetivo aplacar ou disfarçar esta insegurança. Esses reis do blá blá blá, teóricos da vida, falam muito mais do que realizam, imaginam muito mais do que agem e vestem-se com o manto da perfeição apenas para que não desnudemos suas fraquezas. São pessoas carentes, que se sentem injustiçadas, inferiorizadas e em cada oportunidade vêem uma chance de chamar a atenção para si.

Quando você perceber alguém assim a sua volta, não o odeie, não o trate mal. Veja nele apenas alguém lutando contra seu pavor pela mediocridade. E se algum dia você descobrir em si próprio uma tendência a fazer o mesmo, não sinta auto-piedade. Somos todos inseguros, vaidosos, tentando ser mais do que somos, lutando contra a dolorosa consciência da nossa própria finitude, sofrendo de mansinho por saber que o mundo vai continuar exatamente como sempre foi depois que a gente se for, exatamente como sempre existiu antes de chegarmos aqui.

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.




Nenhum comentário:

Postar um comentário