Pessimismo versus
Alienação
Por Pedro J. Bondaczuk
O
mais profundo pessimismo permeia as relações humanas neste início
de terceiro milênio da Era Cristã. Raríssimos são aqueles que
creem em um mundo melhor, mais justo, equilibrado e humano, sem os
enormes contrastes e aberrações econômicos, sociais e
comportamentais da atualidade. As pessoas desconfiam umas das outras
e a hipocrisia predomina nos relacionamentos (sejam eles
profissionais, afetivos ou de qualquer outra espécie, até no seio
das famílias, onde a prepotência, a traição, os abusos sexuais e
o rancor se instalam com frequência assustadora).
Há
crescente desamor na humanidade, o que se transforma em estopim para
explosões (individuais e coletivas) de violência ou pelo menos atua
como uma espécie de bomba-relógio, pronta a explodir a qualquer
momento, face ao mais banal e inocente incidente. Em suma: o homem
desconfia do homem e odeia o seu semelhante, salvo raras e honrosas
exceções e, mesmo assim, muito difíceis (quase impossíveis) de
comprovar. Nem tudo o que parece é. Há indivíduos que são
peritos, verdadeiros ases, especialistas em dissimulação.
Tempos
atrás, vários leitores enviaram-me e-mails para expressar
estranheza quanto ao teor de uma crônica que publiquei naquela
oportunidade num determinado jornal de Campinas, intitulada "Segundo
Precioso". Queixaram-se que o referido texto era inusitadamente
pessimista e sombrio.
Há,
no entanto, um grande equívoco por parte dos que fizeram esse
reparo, com todo o respeito que as suas opiniões me merecem. Quem
não reconhece o que ocorre ao seu redor – a violência, as
injustiças, a perversidade, a corrupção, a crueldade e o cinismo –
não é "otimista", como muitos pensam, mas "alienado".
Estaríamos
descambando para a pior espécie de pessimismo caso não tivéssemos
a mínima esperança de reversão para melhor do atual estado dos
relacionamentos que se verificam em todas as partes do mundo: entre
pessoas, entre entidades e entre nações. Se escondesse a realidade,
eu não estaria confiando na capacidade de mudança dos nossos
leitores. Mas confio (e jamais deixei de confiar) na preponderância
da razão sobre os mais baixos instintos que nos governam.
No
entanto, para que essa desejável e urgente alteração de
comportamento ocorra, é necessário "agir" e não se
limitar a esperar que outros o façam por nós. O pior dos crimes que
alguém pode cometer é o da omissão, do "não estou nem aí",
o de "tirar o corpo fora".
O
"apóstolo da solidariedade", Dr. Albert Schweitzer, que
dedicou mais de meio século de sua vida a cuidar de leprosos nos
recantos mais inóspitos e miseráveis da África negra (o que lhe
valeu um justíssimo Prêmio Nobel da Paz, em 1952), observou, com a
sabedoria de que era dotado e a autoridade que as suas ações
solidárias lhe conferiram: "Nenhum outro destino aguarda a
humanidade senão aquele que ela mesma prepara, por meio da sua
dispensação mental e espiritual. Por conseguinte, eu não creio que
ela tenha que palmilhar até o fim o caminho da ruína; tendo, como
tenho, confiança no poder da verdade e do espírito, eu creio no
futuro da humanidade".
Minha
mais profunda crença também é essa. Caso contrário, sequer
estaría mais no exercício ativo do jornalismo (principalmente
depois das decepções que pessoas desse meio me proporcionaram),
movido apenas pelo idealismo, após décadas de frustrações e
desencantos, em que acabei prejudicado por indivíduos medíocres,
mesquinhos, "mercadores de notícias", que nem sempre (para
não dizer nunca) lançam mão de meios éticos para expressar
divergências conceituais e impor interesses que não são os da
coletividade.
Sou
"desesperadamente" otimista (com perdão do paradoxo usado
em sentido figurado, para dar ênfase a essa postura). Daí não
abrir mão de abordar, de maneira nua e crua, muitas vezes até de
forma demasiadamente enfática, a terrível realidade deste período
de tamanhas angústias e incertezas que estamos atravessando. Uma
doença, qualquer que seja a sua causa ou natureza, só poderá ser
curada se for corretamente diagnosticada. É o que venho tentando
fazer: um diagnóstico preciso do mal que ameaça destruir a espécie
humana.
Tempos
atrás, o então ministro José Gregori propôs aos meios de
comunicação uma espécie de "trégua" alienante. Pediu
aos responsáveis por jornais e emissoras de rádio e televisão que
passassem um dia, um único dia sem divulgar quaisquer notícias
abordando violência. Ou seja, sugeriu que se quebrasse o "espelho",
para que esse não refletisse as horrorosas imagens que vem
refletindo, em vez de melhorar a aparência de quem se utiliza desse
instrumento. Isto é alienação.
O
Dr. Schweitzer acentuou que "a renovação do pensamento, que é
essencial ao nosso tempo, só pode vir se muitos, meditando no
sentido da vida e do universo, derem nova forma aos seus sentimentos
e ideais". Convenhamos, não é o que a maioria vem fazendo.
Pelo contrário... Imperam o "aqui e agora", o egoísmo
exacerbado, a insana egolatria e o consumismo desbragado, como se não
houvesse amanhã, que contribui para o esgotamento dos já escassos e
não renováveis recursos do Planeta, cada vez mais maltratado e
depredado, à beira da exaustão.
Entre
os anseios da maioria, não consta nenhum dos ideais pelos quais
nossos antepassados tanto lutaram e deram suas vidas. E, com este
comportamento distorcido, esconder a realidade não é uma atitude
"otimista", ou sequer sensata. Não passa de estúpida e
perigosa alienação. O espelho não é culpado pelos horrores que
reflete. É quem se mira nele, portanto, que tem que melhorar a
imagem...
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Eu tenho um sentimento de revolta parecido, e de consciência da podridão na qual a humanidade está encharcada, mas chamo isso de pessimismo.
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