Papai
Noel nunca me enganou
*
Por Clóvis Campêlo
A
Viana Leal ficava na Rua da Palma, no centro do Recife. Uma das
primeiras lojas de departamentos criadas na cidade, nos anos 50,
diferenciava-se das outras por conta da bela escada rolante existente
e por onde nós subíamos para falar com Papai Noel, no primeiro
andar. Foi lá que o conheci pessoalmente e onde comecei a alimentar
a minha bronca natalina.
Primeiro, por conta dos presentes que nunca correspondiam aos que eu solicitava. Seria doido ou surdo o bom velhinho? Pedia-lhe uma bicicleta e vinha um avião de plástico. Pedia-lhe uma charmosa bola de couro e recebia uma outra de plástico chinfrim. Coisa chata aquilo. Não desconfiava que os meus pedidos esbarravam no salário parco de funcionário público do meu pai. Naquela época, para mim, o mundo era mágico e Papai Noel existia de verdade. Só não compreendia a sua capacidade de não me atender aos pedidos.
Numa das últimas vezes que lá estive, notei que a bela roupa vermelha de Papai Noel cheirava a suor. Aquilo me intrigou. Será que o bom velhinho não gostava de tomar banhos? Ou será que, morando sozinho no Polo Norte, não tinha quem lhe lavasse as roupas com as quais trabalhava?
Para
mim, naquela data, Papai Noel se humanizava e começava a perder a
sua aura mágica e poderosa. Sempre o imaginara como um anjo, um ser
divinal criado por Deus apenas para atender aos sonhos e desejos das
crianças do mundo todo. Em função dessa crença, esforçava-me o
ano inteiro para ser uma criança boa e estudiosa. Em muitos Natais
cujos presentes recebidos não correspondiam aos solicitados, atribui
a mim mesmo essa responsabilidade. Talvez, naquele ano, eu não
tivesse correspondido às expectativas na escola e no meu
comportamento em casa e por isso não merecesse ser atendido nas
minhas pretensões infantis. Papai Noel era justo e atencioso, um ser
divino, e não me faria uma falseta dessas. Mas, se assim era, como
podia suar e cheirar a suor. Ali
havia algo de errado e alguém teria que me explicar o que era. Sendo
Papai Noel humano e suador, a culpa não poderia ser só minha.
Minhas dúvidas acabaram-se de vez, logo depois do Natal, quando passei com o meu pai em frente ao Bar Savoy e vi nada mais nada menos do que o nosso Papai Noel, à paisana, tomando uma cerveja geladíssima ao lado de uma loira suspeita.
Ali, o sonho acabou de vez: Papai Noel era uma fantasia.
*
Poeta,
jornalista e radialista.
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