Por onde anda a “purrinha”?
* Por
Mara Narciso
No clube tinha
futebol, sinuca, piscina, cerveja e purrinha (porrinha, para os puros). O fim
da manhã era no salão, em volta da mesa, na qual quatro ou cinco homens pais de
meninos vinham jogar purrinha. Os meninos menores passavam por debaixo da mesa,
e os maiores, curiosos, viam seus pais chegarem da piscina ou sauna,
pós-futebol, cabelos molhados, calção, escolher a mesma cadeira, pedir uma
rodada de cerveja, e começar o jogo. Os filhos mais velhos entendiam a lógica
da brincadeira, que em instantes elevava os níveis de adrenalina e álcool,
ainda que o prêmio ou pena fossem pequenos.
Corria dinheiro, mas
as apostas não iam além de rodadas de cerveja estupidamente gelada, dois pelos,
servida sem colarinho em copo americano, e três palitinhos nas mãos. Podia ser
palito de dente, mas geralmente eram palitos de fósforo quebrados ao meio. Os
homens estavam animados. Todos fumavam, e à medida que iam bebendo, a euforia
aumentava, e mais leves ficavam.
A meninada ficava por
ali, depois de ter explorado todo o clube, partes secas e molhadas. Sobre a
mesa as mãos dos homens com os palitinhos e por perto as crianças
“aporrinhando”. Já estavam lotados de sorvete, refrigerante, salgados,
espetinhos e depois do jogo iriam almoçar em casa e quem sabe, ir à matinê das
quatro. Os homens ficavam cada vez mais exaltados com a emoção de perder ou
ganhar. Não tinha briga. A possibilidade de adivinhação, em parte, era baseada em
cálculo matemático (rasteiro, pode-se dizer), e o clímax do passeio não os
deixava lembrar-se das esposas enfastiadas ou dos filhos cansados do lugar.
Naquele tempo não se
via mulheres jogando purrinha. Ficavam na varanda olhando as crianças e bebendo
em separado. Num grupo de quatro homens, por exemplo, cada um escolhia quantos
dos três palitos ou nenhum iriam apresentar para o jogo. O palpite poderia ir
de zero a 12. Ganhava a rodada aquele que adivinhasse o total de palitos de
todas as mãos, sobre a mesa, enquanto a outra costumava ficar atrás do corpo
com o restante. Combinando antes, podiam evitar “lona” ou zero palito, na
primeira rodada. Assim que cada um dos jogadores desse seu palpite, abria-se as
mãos, contavam-se os palitos e quem tivesse acertado, tirava um deles,
deixando-o sobre a mesa. Ganha o jogo quem primeiro ficar sem palitos. Não se
pode repetir um número que já tenha sido falado naquela rodada, assim, não há
empate.
O mundo masculino
ficava parcialmente exposto para a criançada. Alguns mandavam os filhos passear
lá fora. Costumavam obedecer. O não estava na boca dos pais, assim como o sim.
Altos no tamanho, força e autoridade, envoltos em cigarro, álcool e euforia,
levantam-se de vez em quando para fazer valer a sua opinião. Ficavam gigantes
quando venciam uma rodada difícil. Sentavam-se, na beirada da cadeira, punho
cerrado, apresentavam novamente a sua arma, bebiam outro gole e tudo
recomeçava. A tensão pulava da expectativa, no momento imediato que antecedia o
abrir das mãos, até a exaltação com o grito de ganhei, ou a aparência murcha de
quem tinha perdido. Cada rodada passava num segundo e assim a vibração e gritos
discretos se repetiam após cada acerto. Ou erro. O prêmio do vencedor era não
pagar a cerveja, enquanto o perdedor ia ao balcão buscar mais algumas para
molhar a palavra. Intermináveis contendas.
Segundo a Wikipédia, a
palavra “porrinha” vem de “morra”, um jogo praticado pelos romanos, contando os
dedos da mão. E entre as lendas, diz-se que confiança mesmo é jogar purrinha no
escuro, ou por telefone.
Há quem jogue bem a
purrinha, existindo campeões e incontáveis testemunhas. Raramente paga uma
cerveja, e ganha quase tudo que bebe, apelando para seus conhecimentos de
psicologia, raciocínio lógico, noções de estatística, lei das probabilidades,
matemática aplicada e sorte. Duas coisas boas, o convívio e o leve efeito
alcoólico. Havia um carro e uma família para levar para casa. Voltaremos!
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Interessante saber mais sobre esse jogo - do qual só conhecia o nome... Abraços, Mara.
ResponderExcluir