segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Do tamanho dos nossos desejos

O mundo da fantasia, aquele do faz-de-conta, o dos nossos sonhos, tem as dimensões exatas dos nossos desejos. Difere em muito do real, onde temos que lutar pela sobrevivência, sem muito espaço para correr atrás de abstrações. Preocupações imediatas nos desafiam: como conseguir um teto para nos cobrir a cabeça, o alimento que nos mantenha as forças, o acesso à educação e à cultura para que conservemos nosso tênue verniz de "civilização", o usufruto das conquistas da medicina para manter nossa saúde e prolongar nossa vida etc.? O que desejamos pode ser tanto a mola que nos impulsione às grandes realizações, quanto a fonte de toda a nossa infelicidade. E é muito difícil, senão impossível, filtrar o factível, o concretizável e o realizável do somente desejável.

Alguns desejos exigem cumplicidade para que se realizem. Jamais uma única pessoa, de forma isolada, teria condições de realizá-los, dadas sua abrangência e complexidade.  Devem ser ideais permanentes tanto do indivíduo, quanto da comunidade em que ele está inserido. São os casos da solidariedade, da fraternidade e da justiça, entre outros, conceitos que, se bem entendidos e, sobretudo, aplicados, transformam por si sós o Planeta em um lugar aprazível para se viver.

O austríaco Peter Handke escreveu: "Existe como que uma falta que se instala (em nossa vida). Mas é preciso ter o desejo. É só isso, é preciso ter o desejo. O desejo de redenção, de libertação. Se a gente não tem isso, acho que não se pode escrever". Eu estenderia um pouco além esta conclusão. Diria que não se pode viver. Mas de nada vale se limitar a desejar. É preciso agir, de maneira ordenada e coletiva.

É necessário ter-se em mente a possibilidade de não conseguirmos alcançar o que tanto desejamos e saber como lidar com essa frustração. Temos que entender que não passamos de pequeno elo de uma imensa corrente surgida quando do aparecimento do primeiro indivíduo inteligente, da nossa espécie, sobre a Terra e cujo final é impossível de vislumbrar na sucessão de gerações. Mas nossa vaidade impede-nos de admitir o quanto é ínfima a nossa importância individual. Carecemos de uma visão de médio e longo prazo. Queremos a realização dos nossos desejos, por mais fantasiosos ou egoísticos que sejam, de imediato. E, claro, nos frustramos. Ocorre o choque inevitável entre a realidade e a fantasia.

O físico Albert Einstein escreveu, em seu livro "Como vejo o mundo": "A perfeição dos meios e a confusão dos objetivos parece caracterizar a nossa época. Se desejamos sinceramente e com ardor a segurança, o bem-estar e o desenvolvimento livre dos talentos de todos os homens, não nos faltarão meios para atingir tal estado. Ainda que só uma pequena parte da humanidade se esforce para tais objetivos, sua superioridade ficará comprovada a longo prazo". Nunca os recursos para a instauração do sonhado Paraíso na Terra estiveram mais ao alcance de todas as pessoas. No entanto, em época alguma houve maiores divisionismos e injustiças do que agora.

Basta atentar para o fato de que dois terços da humanidade trabalham, ou procuram trabalhar, para que o um terço restante fique com os frutos deste labor em seu próprio proveito. Por que? É a pergunta que os idealistas fazem há séculos! E muitos morrem por essa igualdade de oportunidades! Um bilhão e quatrocentos milhões de pessoas situam-se, hoje, abaixo da linha da miséria, sem casa para morar, sem comida, sem acesso à saúde, sem poder obter o preciosíssimo bem da educação que lhes permitiria uma evolução em sua condição pessoal. E essa contundente cifra cresce em progressão geométrica. Enquanto isso, os recursos preciosos e esgotáveis do Planeta concentram-se, mais e mais, proporcionalmente, em menos mãos. Por que?

Somente entre os anos de 1998 e 2002, de acordo com estatísticas do Banco Mundial, 400 milhões de indivíduos caíram na absoluta miserabilidade. Não me conta que essa dolorosa realidade tenha mudado para melhor. Pelo contrário. Estes milhões, quiçá bilhões de miseráveis certamente, também têm desejos, posto que meramente instintivos. É possível que sonhem com a fortuna e com os prazeres sensoriais. Mas nos seus delírios desejam, antes de tudo, o que têm o direito natural de obter e não lhes permitem. Querem comida que os mantenha vivos, roupa, para estarem aquecidos, um teto, para estarem abrigados. Ambições primitivas, como as dos homens das cavernas. Direitos naturais que devem ser garantidos. E é lamentável que em 13 milênios de civilização, após tantas guerras, discussões e movimentos, somente os instintos egoísticos, animais, prevaleçam: os da lei das selvas, da prevalência do forte sobre o mais fraco.

Boa leitura!

O Editor.

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