Dinheiro, seu sumido
* Por
Marcelo Sguassábia
Acabou o dinheiro.
Talvez uma das frases mais ouvidas no mundo, provavelmente a mais falada por
aqui. Só que o assunto agora não é o caraminguá minguado, a escassez do saldo,
o orçamento no vermelho. É o fim do papel-moeda mesmo. Não tem mais coisa que você
entrega em troca de outra coisa. Aqueles papéis retangulares que o agiota
emprestava para quem estava com a corda no pescoço, em maços amarrados com
elástico e outrora feitos de átomos, hoje não passam de bytes.
O dinheiro que você
tem, se tiver a sorte de ter, é um atestado eletrônico de veracidade validado
pelo banco em que você tem conta. As notas mesmo, inexistem. Se você cismar de
querer levar o que tem, e se o que você tiver ultrapassar os dois ou três mil
reais, precisará avisar com 48 horas de antecedência para que o montante possa
ser provisionado.
Vamos rastrear, a
esmo, uma sequência qualquer de operações. Dutra & Póvoa Associados
Serviços Administrativos S/C Ltda. deposita no dia 30 o salário de Benedito
Orestes da Paixão. Benedito Orestes da Paixão deixa em conta o que em poucos
dias irá desaparecer a título de débito automático. Da miséria que sobrou ele
passa no crédito um maço de almeirão e outro de chicória, solicitados pela
patroa no caminho de volta do trabalho. O dono da quitanda repassa o caixa do
dia ao fornecedor de pescada, que lhe fiou um caminhão e meio na última Semana
Santa. Sete Barbas ME transfere o que nem bem acabou de entrar para BestWall
Pedras Decorativas, saldando serviço feito na casa do filho do dono da empresa.
E assim se multiplicam as transferências de titularidade. Onde aparece de tudo,
menos dinheiro de fato.
O sepultamento
definitivo das notas e moedas é previsto por especialistas para 2030, em nível
mundial. E não é preciso muita imaginação para adivinhar futuros
comportamentos, necessariamente exemplares. Usuários de motel estarão em maus
lençóis, pois serão imediatamente identificados, deixando registro do montante
gasto, data e hora do bem-bom. O crime organizado estará também com os dias
contados, assim como o tráfico de drogas. O "por fora" será
necessariamente por dentro, o "sem nota" e o "sem recibo"
definitivamente banidos. A Igreja Católica - com todo respeito - terá que
substituir a cestinha pela maquininha na hora do Ofertório. As declarações de
imposto de renda não farão o menor sentido, pois tudo será necessariamente
declarado ao fisco no momento em que ocorrer, e a cobrança dos impostos será
instantânea, assim que concluída a transação.
Cientes do que essa
revolução pode representar para suas contabilidades oficiais e paralelas, os
políticos se movimentam em dois sentidos opostos. De um lado, pela aprovação da
lei de extinção do dinheiro, que garantirá um aporte de recursos nunca antes
sonhado pela União, pelos Estados e pelos Municípios. De outro, para que o
dinheiro em espécie permaneça circulando exclusivamente em Brasília. E, mais
especificamente, nas dependências do Congresso, até que os parlamentares
cheguem à conclusão de que a medida realmente será benéfica à sociedade.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Parece ficção, mas é real. Lembro-me de quando aconteceu a primeira quebradeira em nível mundial e a então senadora do PT Heloísa Helena falou que a crise era devido à "nuvem monetária de capital volátil que paira sobre a terra". Fiz questão de decorar. Foi algo que se parece um pouco com o que você falou, Marcelo, coisa ainda mais atual.
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