quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Mais civilidade, por favor!


* Por Mara Narciso


A revista Veja decapitou Lula. É plágio, mas não é metáfora. Seguindo a incitação ao crime, as pessoas estão esquartejando seus desafetos em rede social. Um retrocesso aos tempos da Santa Inquisição. A fúria dos comuns atemoriza, e esse ódio não é sentimento cristão. Desavença entre amigos, rupturas de relacionamentos, brigas ideológicas ou escolha diferente de candidatos é suficiente para se rasgar a carne do outro. Em termos políticos você pensa diferente de mim, então eu vou matá-lo. Este comportamento domina a internet. Talvez a psiquiatria possa explicá-lo.

Em todos os níveis, tropeços são levados ao nível de crimes. Indícios não são provas, e o que se vê? O desdobramento das ideias se faz em segundos, num imaginário que parece inspirado em novelas. As pessoas, baseadas em suas paixões não economizam insultos, argumentando de forma vil, e, usando palavras cortantes, são estúpidas e jogam no colo do outro seus temores e defeitos.

Nas redes, muito se fala em Deus, amor, amizade, solidariedade, mas no campo das ideias, as pessoas perdem a compostura, apelam, agem de forma explosiva e a argumentação racional some. Acabam por mostrar o quanto o ser humano pode ser vil, irresponsável, cego, apaixonado e interesseiro. Não hesitam em fazer um linchamento, dando pancadas, desmoralizando, ofendendo pesado aos seus inimigos. Após o desnudamento e a execração, querem a execução. Seguindo o enforcamento moral é fácil condenar à morte.

Inconsequentes, numa frase humilham, quebram ossos, sangram, tiram o escalpe, pelam e esquartejam. Vive-se o tempo em que ser cruel não tem limite, mostrando o lado fera irracional, que muitos têm dentro de si. Agem de forma semelhante a um faroeste à mexicana, no qual, figurativamente enterram indivíduos até o pescoço para terem a cabeça pisoteada pelos cavalos.

Quanto menor a pessoa em estatura moral, mais quer se superar em xingamentos.  É preciso desmoralizar o oponente, roubar-lhe as forças, dar-lhe facadas pelas costas, ou na cara. Em meio ao turbilhão de insultos, caso apareça uma voz contrária, um solitário defensor, este é devidamente massacrado pelas balas de canhão que mudam de rumo e acertam o oponente. Como ousa discordar de mim?

Anônimos bem intencionados e outros nem tanto, continuam entrando no mundo da política, um lugar para profissionais que são despidos em praça pública e têm as suas vidas esmiuçadas diariamente. A bem-vinda liberdade de expressão deu voz a todos, porém muitos se deixam levar por instintos primitivos, giram a metralhadora e destroem. Não param, mesmo quando o inimigo é derrubado. Tripudiam sobre o cachorro morto, dando-lhes chutes. Agem de forma desumana, sentem-se heróis, por esmagar o adversário.

Uma palavra mal ouvida, uma injustiça cometida, já dói tanto, individualmente, quanto mais uma legião caindo de pancada em cima de alguém para lhe triturar, arrancando-lhe a dignidade e até a vida?

Pessoas comuns, sem preparo para julgar, e sob efeito da paixão, erram tanto quanto os que querem condenar. Difícil aceitar como normal a morte pública por crucificação. Ou por degola. Não se trata de ser contra a lei, mas exatamente seu oposto, fazendo valer o que ela diz. Espera-se que a Justiça faça o que lhe cabe: ser justa de forma isenta, supra-ideológica e apartidária. E que isso aconteça às claras, à vista de todos e em relação a qualquer um. Administrar conflitos é uma maneira de ser civilizado.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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