quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Aceite o seu destino!

* Por Mara Narciso


Entrando cabisbaixa no elevador, aquela senhora tem a imagem da preocupação, pois mostra bochechas caídas, semblante murcho, desolação. Outra mulher chega em seguida, para juntas descerem aqueles onze andares. Ainda jovem, magra, alta e de pele clara, cabelos pretos de meio tamanho, anelados em franja e luzes, está de blusa amarela, calça jeans descorada. Tem um celular desmontado em três pedaços, olha a companheira de descida e faz uma pergunta quase ríspida, em tom de censura: mas o que foi? A outra: Espero o resultado de uma biópsia! É? Deixa disso. Olha, eu enfrento a quimioterapia para câncer de mama avançado, com metástase para o fígado e ossos. A Oncologia formal desistiu de mim. Ouvi de voz suave, quase adocicada, com alto grau de religiosidade, que eu aceitasse o meu destino.

Entram quatro adultos e uma criança. O elevador desce, parando inutilmente em vários andares. No térreo, as mulheres saem lado a lado e a conversa continua: tenho 40 anos, um filho de 15 (uma idade tão difícil!) e uma filha de seis. Tem dia em que eu choro por um tempo. Depois lavo a cara e vou viver. Não quero que eles me vejam assim. Quem pode saber como será amanhã? Verdade, a outra concordou, completando, a Medicina é burra quando se põe a marcar prazo para alguém morrer. Erra fragorosamente. Muitos desenganados, como se dizia antigamente, viveram algum tempo.

Na calçada, sob a sombra do prédio de consultórios médicos, a mais moça fala: A oncologista é humana, respeitosa, tem muita fé, eu tenho fé, mas, no meu caso, será preciso sair do tradicional, ter coragem para ousar. O câncer de mama, onde ele estiver como metástase, continua sendo câncer de mama, e, no momento, tem novos tratamentos científicos, não liberados. Procurei um médico que me pediu outra imunocitoquímica do material de biópsia. Há um remédio em fase adiantada de testes, que tem ação hormonal e poderá ter efeito em mim. Você também vai passar por tudo isso. Ou não! Também não me operaram. Agora está programada a cirurgia para retirar toda a mama, e colocar um extensor, de imediato, para não ficar um buraco. O fígado não tem como operar, porque está todo comprometido.

Tenho uma amiga em tratamento de câncer, agora, disse a que espera a biópsia. Está em quimioterapia, com resultado satisfatório. Conheci uma mulher que teve diagnóstico de câncer inoperável no colo do útero, e, após tratamento interno com agulhas de rádio, viveu 30 anos. O tratamento funciona, e confiar nele ajuda. O medo desencadeia um processo que pode antecipar a morte, eu sei, portanto deve ser evitado. E a outra: a emoção, o estado de espírito, a fé alteram a evolução das doenças. Pergunto se mereço isso. Penso que ninguém merece isso, que vivo um pesadelo e que a qualquer hora poderei acordar. Mas é verdade. Não tenho parentes com câncer de mama. De repente, eu estou com essa doença. Meu cabelo caiu todinho. Isso aqui é uma peruca. Não fiz as unhas, que estão quebradiças, resultado da quimioterapia. Preciso buscar recursos mentais para não desabar, luto e acabo encontrando algo para me levantar. Agora, com essa nova proposta de tratamento, ainda que seja uma ilusão, enchi-me de coragem. Sinto uma força grande dentro de mim e com a ajuda de Deus e do novo medicamento, espero poder ficar mais um pouco com meus filhos. Não sei quanto tempo, mas, pelo menos algum tempo. Parece loucura dizer isso, mas meu destino e a maneira como vou me sentir e me comportar dependem de mim, e não totalmente da Medicina e das crenças dessa ou daquela pessoa. É sexta-feira, estou bem, e se isso não é suficiente nem duradouro, pouco importa. É o que eu tenho para hoje.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   




Um comentário:

  1. Deus, como é angustiante isso tudo. E como somos nada diante de certas "sentenças orgânicas"...

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