A primeira viagem
* Por
Adonias Filho
A partir do primeiro
momento em que meu pai disse ter que ir ao arruado e minha mãe pediu: leve o
menino, Adonias, que ele precisa ver o mundo", esqueci os brinquedos e
perdi o sono. Comecei a me julgar um rei e fui, durante dois dias, a própria
inquietação naquele menino de dez anos de idade. No sábado, dia da viagem e
antes que alguém acordasse no casarão da Baluarte, já estava de pé, a aguardar
que a claridade se fizesse.
- Boa viagem, filho - a mãe disse na
despedida e, a brincar, - Tome conta de seu pai.
Agora montado, ao lado
do seu pai e do seu tio José de Góes, já descendo a ladeira para ganharmos a
estrada real, eu era o mais feliz dos viventes. A mula ruana, tão pequena
quanto minha amiga, avançava com tamanha disposição que achei se alegrasse por
levar-me na primeira viagem. Achei mesmo que as árvores, por não serem gente,
se maldiziam por estarem presas ao chão pelas raízes.
Dúvida não tinha que
elas, as árvores me invejavam.
Manhã enxuta de muita
claridade, como sol nascendo a mostrar o céu azul e sem nuvens. Margeavam o ribeirão, o São
José, que do santo parecia ter herdado a
tranquilidade e a paz. Casas e barcaças de secagem de cacau, por onde
passávamos, cachorros que latiam, vacas e ovelhas, cavalos e burros nos
gramados que morriam nas cancelas. Estrada estreita, de pó que já foi lama, com
borboletas de todas as cores a voltarem como bailarinas.
- Não é preciso correr
- o pai disse - que Itajuípe não fica longe.
Meus olhos se
escancararam com surpresa e espanto, quando viram Barra de São José, as
casinhas como num presépio, a igreja pintadinha de branco a contrastar com o
verde tão verde dos coqueiros, das jaqueiras e dos cacaueiros. A surpresa
cresceu e o espanto aumentou, quando, no rio surgiu a balsa que ia e vinha
conduzida por braços que a puxavam entre as cordas de aço, gigantesca
embarcação que nos levou a todos de uma só vez sem que precisássemos desmontar.
- Aqui é Sequeiro de
Espinho - foi a vez do tio José de Góes dizer - e aqui houve muita guerra antes
que chegasse a estrada de ferro.
Passamos rapidamente
e, se ouvia os apitos a penetrarem nas matas, não vi o trem de que o povo tanto
falava. O ribeirão, e porque o rio Almada o pegou em suas águas, já ficou
atrás. A estrada, agora aberta na direção de Itajuípe, muito se alargava. E
quanto mais nos aproximávamos do arruado, as margens mais se humanizavam com
gente e vozes. As lavadeiras e suas canções como que, aquecidas pelo calor do
vento.
E de repente, na curva
da estrada, Itajuípe apareceu.
O arruado novo,
cinquenta casas que me pareciam azuladas na distância, então sobreveio a ideia
de que ele possuía, mais do que qualquer outro a alma do lugar. Apurei a vista
para ver melhor. E vi o casario, como a temer o rio, subir a encosta em busca
da igreja ainda em esqueleto. Protegia-o o centro dos arvoredos, que afastando
o sol e o mormaço tudo sombreava. O arruado, assim de longe, era de fato muito
belo. E foi com o braço distendido que o pai disse:
- Grave para não
esquecer, filho, que aí está Itajuípe.
*
Jornalista, crítico, ensaísta e romancista, membro da Academia Brasileira de
Letras.
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