domingo, 25 de setembro de 2016

Não se levando a sério


* Por Pedro J. Bondaczuk


As pessoas que lidam com idéias (e me incluo entre elas), escritores, jornalistas, filósofos etc., a pretexto de serem “realistas”, não raro perdem o pé da realidade e, sem que sequer se dêem conta, se sentem infalíveis e donas da verdade. “De qual?”, pergunto. Afinal, existem várias delas e na única que é absoluta, muitos insensatos não acreditam: Deus. Com essa atitude, os que agem dessa maneira (a imensa maioria) tornam-se pedantes e chatos. Em determinados instantes das suas vidas, são até dogmáticos e, não raro, descambam para uma arrogância e presunção contundentes, beirando à megalomania.

Estas pessoas (melhor diria, nós) deveriam, isto sim, fazer constante autocrítica, se possível, diariamente. Precisariam refletir com profundidade sobre seus valores, para determinar se são adequados;  reciclar os seus conceitos e dar menos importância (o melhor é que não dessem nenhuma) a si próprios. Se possível, o ideal seria que rissem, ao menos de vez em quando, dos próprios defeitos. Não, claro, sem tentar remediá-los. 

Há escritores que fazem isso – citaria, entre estes, o norte-americano Kurt Vonnegut –
mas que caem em um outro extremo: o auto-linchamento. Isso é desnecessário. Afinal, como diz a sabedoria popular, “a virtude está no meio”. O escritor e teatrólogo Vaclav Havel – que se tornou o primeiro presidente da República Checa depois que esta se separou da Eslováquia e deixou de ser comunista – advertiu, num dos seus textos: “Quem se leva a sério demais corre o risco de parecer ridículo; quem sempre consegue rir de si mesmo, não”. E você, paciente leitor, consegue? Ou se julga invulnerável a críticas e digno de reverência? Pense nisso.

“Descobri” Kurt Vonnegut há doze anos. Fiquei fascinado pelo seu estilo, de um humor cáustico e um senso crítico aguçado, e por sua habilidade em criar personagens marcantes e enredos insólitos. Antes de mergulhar na sua obra, procurei saber um pouco da sua vida. O escritor nasceu em Indianápolis, no Estado de Indiana, nos Estados Unidos, em 11 de novembro de 1922, em uma família de descendência germânica.

Engajou-se, como voluntário, nas forças aliadas, como combatente na Segunda Guerra Mundial. Terminou prisioneiro dos nazistas, conhecendo, de perto, por senti-los na própria carne, os horrores de um campo de concentração. Ao voltar para casa, formou-se em Antropologia e começou a escrever. É, hoje, um dos escritores mais prolíficos da sua geração, a mesma que produziu, entre outros, nomes como Norman Mailer, Gore Vidal, Jean-Paul Sartre e Albert Camus, entre tantos e tantos outros. Escreveu 30 romances (como “Matadouro Cinco”, “Wocus Pocus”, “Player Piano”, “Cat’s craddle”, “Galápagos”, “Um homem sem pátria” etc.), além de peças de teatro e vários ensaios, nos quais, sem dó e nem piedade, achincalha a própria obra. Dos seus livros de não-ficção, destacam-se “Welcome to the Mopnkey House”, “Wampeters, Forma & Granfallons” e “Palm Sunday”.

Vários dos seus personagens (diria a maioria) são desequilibrados, infelizes, feixes de conflitos psicológicos, sentimentais e morais; alcoólatras (como ele) e viciados em drogas. Em 1984, o escritor tomou uma overdose de pílulas e de álcool e quase morreu. Foi socorrido a tempo e logo se recuperou. Mas não se sabe, até hoje, se exagerou, acidentalmente, na dose ou se, de fato, tentou o suicídio. A segunda hipótese é a mais provável.          

Um dos seus textos mais instigantes, que tive o capricho de anotar, pelo tanto de verdade que contém, não é em prosa, mas em versos. Vonnegut escreve:

“O tigre tem que caçar,
o pássaro tem que voar;
o homem tem que sentar e pensar: “Por que, por que, por que?
O tigre tem que dormir,
o pássaro tem que aterrissar;
o homem tem que se dizer que entende alguma coisa”.

Mas será que entende? Creio que muito pouco ou quase nada!

Todavia, não é a esse “riso” escrachado e doentio que me refiro. Defendo, apenas, que não devemos nos levar muito a sério. Que admitamos a possibilidade de estarmos errados no que cremos e defendemos com tanta ênfase e paixão. Que saibamos da possibilidade de não sermos exatamente aquilo que acreditamos e não tenhamos pudor em expor nossa incoerência, nossa imperfeição e nossas vulnerabilidades. E que tenhamos a coragem não somente de admitir essas fraquezas, mas até de rir delas. Quem sabe, dessa maneira, consigamos nos aproximar, um pouquinho que seja, da sonhada perfeição.

O filósofo estóico Epicteto – que nasceu na Frigia (em 55 da nossa era), mas que até 94 ensinou na Roma antiga (primeiro como escravo e depois como homem livre, que, inclusive, foi mestre de Marco Aurélio, o autor das “Meditações” e que morreu no ano 135) – constatou: “Para que o homem fosse perfeito, seria bastante lhe tirar duas coisas: a presunção e a desconfiança”.  Suprimir estes dois comportamentos, porém, é que são elas. Mesmo que não nos apercebamos, somos profunda, doentia e patologicamente presunçosos e desconfiados! E perfeição, dessa forma... nem pensar!!!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
   


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