quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Pétreos e pútridos

* Por Urda Alice Klueger


Escrevo a 03.05.2016 – 16 dias se passaram desde aquela horrorosa noite, mil vezes pior do que aquele 7 x 1 de final da Copa, quando perdemos para a Alemanha – quando a grande maioria dos nossos deputados mostrou sua verdadeira cara, e faltam uns poucos dias para que também os senadores votem, e sequer suporto olhar para suas caras pétreas e pútridas, outra grande maioria vendida para o poder do grande capitalismo internacional. Votarão a favor do golpe, claro. Toda a encenação que se faz no senado, de acusação e defesa, não passa de uma comédia nojenta – cada senador já decidiu, desde o começo, como vai votar, e prevejo a mesma baixaria que rolou quando dos deputados, e eles estão lá, com suas caras pétreas e pútridas, inatingíveis por qualquer argumento, pensando antes de tudo no que suas atitudes trará para os seus bolsos – porque haverá lucros, é claro, e não sei todos os caminhos que o capital usa para comprar consciências, mas posso imaginar: uma nova maravilhosa amante, uma conta num paraíso fiscal, sei lá o que mais. Penso que se Jesus Cristo em pessoa descesse de repente lá dentro do senado não conseguiria alterar a ganância com que os pútridos senadores alimentam sua ganância – com as raras exceções, as de sempre, é claro.

Pensei em tantas coisas para escrever, nestes dias todos, mas a cada vem que abro a Internet lá está um texto de análise nacional ou internacional, ou textos didáticos tentando melhorar a opinião de alguém, dizendo exatamente o que eu gostaria de dizer, e sei que a força da mídia golpista e a violência do capital já formaram as opiniões, que estão pétreas, e nem o melhor analista e nem o melhor pedagogo consegue diminuir essa distância que está acontecendo, que separa o Brasil em dois e cria inimizades e ódios, e então penso: o que resta para eu escrever?

Há uma coisa que não vi ninguém escrever, ainda, e que é dura mas que me parece muito real: os pútridos parlamentares que estão praticando o golpe representam exatamente a nossa sociedade. Olho no meu entorno e vejo amigos, parentes, vizinhos a dar-lhes razão, a querer o golpe, a querer a divisão do país, a insuflar ódio, a sonhar com um neoliberalismo que nem compreendem o que é, a dizerem tal sorte de besteiras que não dá nem para argumentar e nem discutir, tão pétreos, ocos e bobos que não se pode imaginar quanto, e se posso desculpar um jovem que não viveu os tempos em que se tinha 84% de inflação ao mês ou a um semianalfabeto que me para para conversar e me diz da sua revolta porque a Globo está vendida para a Dilma (Oh! Céus, como argumentar qualquer coisa com alguém assim?), não posso desculpar aos que tiveram a oportunidade da escola e do ensino, já viveram o neoliberalismo no país e não conseguiram aprender nada e ainda ajudam a insuflar o ódio que pode, talvez, nos levar a uma guerra civil, em pouco tempo.

Então olho para aquele congresso pútrido, com as suas opiniões pétreas, e vejo como ele representa um povo com muita, muita ignorância, despolitizado, avesso a aprender, batendo no peito com orgulho para dizer grandes heresias políticas, e então penso no que será deste país que como que se vai afundando num lodaçal de ignorância, e de como a ignorância pode ser tão facilmente manejada pela imprensa golpista e pelo grande capital internacional.

A diferença entre o povo e o congresso é que, se um é ignorante por falta de oportunidade ou por burrice mesmo, no congresso não há ignorância – há lá um mercado, um grande mercado de comprar consciências e de fazer o povo de bobo, e são muito poucos os que lá estão que pensam realmente nas gentes do país e não no seu próprio bolso. Daí que não dá para perdoar um congresso assim. Pútrido, nojentamente pútrido.



Blumenau, 03 de maio de 2016.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e quatro livros (o 24º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).



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