terça-feira, 20 de setembro de 2016

Constante reconstrução

Você já notou como nossa vida é uma constante reconstrução? É um tal de fazer, refazer, construir, demolir, voltar a construir no local em que a construção anterior foi demolida, e assim vamos, nessa toada, até o momento de nos despedirmos do mundo e encerrarmos essa aventura que nos é proporcionada pelo fato de termos nascido. E não me refiro apenas a obras palpáveis, a casas e edifícios, por exemplo, mas também a carreiras, a relacionamentos, a amizades, inimizades, ódios e amores. Nada tem o caráter da permanência, da perpetuidade e da eternidade.

Galáxias, estrelas e planetas nascem a todo o momento, enquanto outros tantos explodem, ou se alteram, ou simplesmente desaparecem em algum lugar da imensidão sem-fim do espaço vazio. Essa permanente reconstrução, digamos, física, concreta, pode ser observada melhor, por exemplo, nas zonas urbanas.

Num determinado instante, em decorrência da crescente expansão das povoações (hoje, mais da metade da humanidade reside em pequenas, médias e, sobretudo, grandes cidades), uma área qualquer é loteada e dividida em vários terrenos. São feitas campanhas publicitárias, os lotes são vendidos um a um, e não tarda para que alguém edifique uma moradia no espaço que adquiriu, há pouco tempo absolutamente baldio, que é logo cercado pelo proprietário.

Digamos que nesse lugar seja erguida uma luxuosa mansão, embora a área seja ainda um tanto erma. Os anos passam. As coisas mudam. O poder público promove a urbanização da gleba, proporcionando serviços essenciais ao homem moderno, sem os quais não sobrevive com dignidade, como água, luz, esgoto, asfalto etc. E o novo bairro, que se formou lentamente, se expande com rapidez. Centenas de outras moradias são construídas, várias das quais mais suntuosas, modernas e confortáveis do que a residência original do nosso personagem pioneiro. Claro que nos referimos ao processo, digamos, “normal” de urbanização. Nas favelas, ele é mais ou menos parecido, porém desordenado e caótico. Ninguém compra terreno de ninguém. Invade a área e pronto. Ela passa a ser sua.

Voltemos ao nosso povoador pioneiro. O passar dos anos traz natural desgaste à mansão que construiu, apesar de constante e cuidadosa manutenção (e até de várias reformas) que faz. Novos (e melhores) materiais de construção são desenvolvidos. A arquitetura evolui. Os acabamentos se tornam mais sofisticados e duráveis. E a mansão, que na época em que foi construída era moderna e, não raro, revolucionária, não tarda a se tornar feia, cinzenta, envelhecida e decadente, destoando das demais moradias ao redor.

Um dia, o proprietário original morre. A propriedade, após muita disputa, é assumida pelos herdeiros. Estes, claro, têm conceitos estéticos muito diferentes do nosso pioneiro. Ademais, acham mais fácil dividir dinheiro do que uma edificação velha e decadente. Põem, portanto, o imóvel à venda. Não raro, alguma imobiliária o adquire, mas de olho, apenas, no terreno.

A mansão original acaba demolida, para dar lugar a um prédio, que ao cabo de certo tempo, também passará por idêntico processo de decadência da mansão original e será, por seu turno, posto abaixo, para ceder lugar a um edifício mais moderno e racional ainda e assim por diante, num ciclo virtualmente sem fim. Foi, por exemplo, mais ou menos o que aconteceu com a Avenida Paulista, em São Paulo. Onde estão os suntuosos casarões dos barões do café dos anos 20? Ou os de seus “sucessores” dos anos 30, 40, 50 ou 60? Há tempos não existem mais!

Com nossas carreiras, com nossos sonhos, com nossos relacionamentos etc. ocorrem processos semelhantes, guardadas as devidas proporções. São construídos, reformados, demolidos e reconstruídos continuamente. Peço licença ao paciente leitor para citar palavras de um escritor, que concorda com minhas colocações (ou, para ser exato, eu é que concordo com as dele), e que expressa tudo isso que eu quis dizer com muito mais perícia do que eu.

Trata-se do baiano Ariovaldo Matos, que constatou, num de seus contos, publicado na antologia “Histórias da Bahia”: “Um homem constrói toda a sua vida acreditando numa certeza, a ela se sacrificando, matando sentimentos profundos, sufocando desejos, justificando erros. E, de repente, todo o mundo que construía, no plano ideal, explode. A certeza era uma farsa. Talvez um cínico, diante de tal problema, dissesse: bem, amanhã é outro dia... Talvez um calculista frio, mestre na análise de sentimentos e imune a paixões, pesasse, um a um, todos os aspectos do problema, considerasse suas causas e suas conseqüências, permitindo-se uma autocrítica percucentíssima, no fim do que se consideraria disposto a outra, repetindo Camões: muda-se o ser, mudam-se as substâncias...”

Mas o que fazer, de verdade, quando nosso castelo de sonhos desmorona de maneira tão fragorosa e definitiva? Lamentar? Para quê? Lamentos não levam a lugar algum. Culpar os outros? Qual o sentido prático de agir assim? Largar mão de tudo e se entregar a um covarde desalento? Nada disso! Para as pessoas práticas e, sobretudo, corajosas, só resta um caminho a seguir. Reconstruir (se ainda houver tempo, claro) o que ruiu, seja lá o que for: casa, carreira, relacionamento, amizade ou amor...Não há outra saída.

Boa leitura!


O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Um comentário:

  1. O tempo longo desmorona tudo, ou quase. Só nos resta reformar ou demolir, e se tiver forças, reconstruir.

    ResponderExcluir