sábado, 24 de setembro de 2016

Manuel Bandeira tocando violão


* Por Clóvis Campêlo


Um dos poetas mais fotografados da literatura brasileira talvez tenha sido o pernambucano Manuel Bandeira. Entre as dezenas de imagens suas, porém, duas sempre me chamaram a atenção: são fotografias onde o bardo da Rua da União aparece tocando um violão.

De início, imaginei que Bandeira apenas se aproveitara do violão para fazer pose e firula, encarnando o poeta tocador que eu imaginava que nunca tivesse sido.

No entanto, em um texto escrito por seu conterrâneo João Condé, constante na 20ª edição do livro “Estrela da vida inteira”, lançado em 1993 pela Editora Nova Fronteira, está explícito: “Já tocou violão e sabe executar ao piano dois prelúdios de Chopin, um número de carnaval de Schumann e uma peçazinha de Mac-Dowell”. Ou seja, o poeta não era tão inocente assim!

Aliás, nesse pequeno texto de exaltação, Condé nos revela outros dados interessantes do poeta Bandeira: “Não gosta de abiu nem de caqui, nem de melancia... Gosta de jiló, cinema falado, rádio e de poetas de segunda ordem... Guarda pelo Recife a sua ternura de infância... Gosta de: tirar retratos, ver figuras, ler suplementos literários, bestar, etc”. Para mim, assim, também está explicado: o poeta exercitava uma cumplicidade criativa com os seus fotógrafos!

Nas fotografias citadas, cujos autores, infelizmente, não consegui identificar, percebemos que o poeta tinha dedos longos de violonista. Os dedos da mão esquerda parecem privilegiar as cordas mais agudas do instrumento, enquanto os dedos da mão direita sugerem um dedilhado competente e adequado.

Em um texto chamado “Literatura de violão”, escrito pelo próprio Bandeira, o poeta nos revela o quanto entendia do assunto: “Desgraçadamente entre nós o violão foi até aqui cultivado de uma maneira desleixada. É verdade que a sua técnica é ingratíssima e o tempo perdido em adquirir nele um mecanismo sofrível será bem mais compensador aplicado a outro instrumento de repertório mais rico e mais nobre. O desleixo em todo caso era excessivo. Desconhecia-se por completo o dedilhado da mão direita. Basta dizer que se reservava o polegar para os bordões, o índice para o sol, o médio para o si e o anular para a prima. E esse dedilhado de arpejo era pau para toda obra. Havia dedilhados mais extraordinários. Lembro-me de ter ouvido no sertão do Ceará a um cego que só se serviu do índex. Quando tocava, dava a impressão de estar escrevendo nas cordas do violão. Só com esse dedo Zé Cego pintava o bode... O que não faria ele se conhecesse a verdadeira técnica do instrumento?”

O violão para Bandeira era uma coisa séria, tão séria quanto a sua produção poética. Talvez por isso, por se achar um violonista menor, é que tenha dele desistido. Para nosso gáudio, perdemos um violonista mediano mas ganhamos um poeta de primeira grandeza, estrela de uma vida inteira.

Recife, outubro 2014

* Poeta, jornalista e radialista.


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