O vazio impossível
* Por
Rubens da Cunha
E lá vem o vazio de
novo. Poço sem água. Melhor, lá vem a aparência do vazio, pois ele é sempre uma
decepção, um vácuo ilusório, porque nunca se está vazio completamente. Há
sempre um preenchimento, mesmo que invisível, mesmo que intangível. Pode ser
uma saudade, uma tristeza, uma lembrança remota, uma alegriazinha que
permaneceu incrustada na pele. Pode ser um som da infância, um cheiro, um
desejo, uma promessa que ainda não se cumpriu, pode ser qualquer agente motivador
do passado, presente ou futuro.
De maneira geral somos
sempre preenchedores de vazio: a desilusão amorosa é ocupada por um novo amor,
a derrota é ocupada pela esperança, a decepção é ocupada pelo ódio ou pelo
perdão, a morte é ocupada pela dor, depois luto, depois saudade, depois
esquecimento. E os vazios vão sempre surgindo, pululando, vão sempre minando
nossa sensação de completude, no entanto é esse trabalho de preencher os vazios
que nos faz permanecer vivos.
Na verdade, somos
impossíveis ao vazio. Ele é uma presença, por certo, mas jamais consegue ser
uma presença total. E os suicidas? me perguntarão, não seriam eles os que
encontraram o vazio completo? Talvez. Mas acredito mais na ideia de que para
eles não se tratou exatamente de vazio, mas de preenchimento, de não haver mais
espaço de respiro, de vazão.
Suicidas não me
parecem vazios, mas cheios, repletos. É como se fossemos um vaso e que
colocamos pedras, parece estar cheio, mas ainda pode-se colocar areia entre as
pedras, parece estar mais cheio ainda, mas ainda é possível colocar água, tudo
na tentativa de preencher os vazios que resistem. Suicidas quebraram o vaso.
Talvez quem encontre o
vazio total sejam as vítimas do mal de Alzheimer. O olhar perdido, no lugar da
memória um buraco, a falta de percepção de si e dos outros. É o esquecimento
como uma solidez, uma pedra que se disfarça de oquidão. Mas isso é uma doença,
um acontecimento biológico.
Se não formos
atingidos por esse acontecimento e também se não quebrarmos o vaso que somos, o
vazio será sempre uma ilusão de vazio. Por isso é preciso aprender a conviver
com ele, jogar seu jogo e, à medida do possível, desrespeitar suas regras,
desmascará-lo como a farsa que é.
*
Poeta e escritor.
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