segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O contador de histórias


* Por Núbia Araújo Nonato do Amaral


Passando em frente a uma livraria, me deparei com uma raridade, pois se tratava de uma obra que já havia se esgotado há tempos. Um livro recheado de histórias diferentes, sobre contos de fadas, de bruxas e de heróis, chuvas, sol, gotas de água e girassóis. Não precisava abri-lo, pois suas palavras as conhecia de cor.

Eu tinha cinco anos e apressava a minha irmã para levar-me à pracinha.
- Tá na hora Deta! Tá na hora!

Quase chorando, implorei que saíssemos logo. Finalmente na rua, sentia-me em júbilo e bem mais calma, constatei que ele ainda não havia chegado. Nos sentamos  nos primeiros degraus da escadaria com os saquinhos de jujuba nas mãos; Deta também gostava dele.

De repente a criançada começou a gritar e eu batia palmas de puro contentamento.
- Tio Leopoldo chegou! Tio  Leopoldo chegou!

Ele abriu um sorriso tranquilo e com seu ar de anjo, sentado num banquinho desconfortável, começou a contar a história de uma pequena gota de água que vivia no fundo de uma caverna.

Solitária, a gotinha via os seus dias passarem sem cor e sem luz e, assim chorosa, pingava sem parar. Um dia, ela ouviu um barulho ensurdecedor, parecia que o céu havia desabado e a gruta tão tranquila se viu invadida por um turbilhão de águas violentas que a arrancaram do teto, engolindo-a sem pena.

Um silêncio reinava agora e a gotinha achou que estivesse no céu. Demorou para ela perceber a luz do sol e o reflexo de seus raios na água grande. A gotinha se deu conta de que agora ela era um rio!
- Meu Deus! Um rio...

Que suas águas inquietas sempre corriam e levavam; mais do que isso, descobriu que a vida reinava perene em seu leito.

Deta, disfarçadamente limpou uma lágrima teimosa que insistia em cair. Eu, fiquei séria. Tio Leopoldo sorrindo com os olhos disse:
- Tudo o que há na Terra ou no Universo, faz parte de algo muito maior do que os vossos olhinhos possam ver, mas, se você prestar atenção o seu coração poderá sentir e então jamais vai se sentir pequeno. Somos parte de tudo  isso.

Durante anos essa criatura mágica povoou o imaginário de todos os que o cercavam nas escadas da pracinha. Anos mais tarde, sua filha o convenceu a publicar seus contos e ele reinou além mar. Hoje, com seu livro nas mãos e os olhos cheios de luz e lágrimas, sigo feliz, conduzindo mais um que vai aprender a viajar com  um velho contador de histórias.


* Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário





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