Lembranças
*
Por Keli Vasconcelos
Sinceramente,
não estava confiante em que iria ser voluntária nos Jogos
Olímpicos. Recusara duas propostas, ambas para o Rio, sede das
competições, e o sonho de atuar no Itaquerão (como o pessoal da
zê-ele chama a Arena Corinthians) não fora realizado na Copa do
Mundo de 2014 (o local foi outro, como relatei). “Em 2016, sem
chances”, pensei.
Engano
meu. Viva o imprevisível!
De
última hora, fui selecionada para atuar na Arena, em uma área bem
complexa, porém cercada de voluntários bem divertidos, o que
amenizava a operação. Bom, poderia aqui falar da função e
atividades, mas prefiro mesmo é contar que, em anos, jamais fui tão
fotografada em meros quinze dias.
O
uniforme, cuja camisa era em tons amarelos, não passava despercebido
e era praticamente impossível recusar sair em selfies com
torcedores, passageiros e transeuntes. Isso mesmo, era abordada na
rua e… “Moça, posso tirar uma foto com você?”. Nem dava para
ajeitar as madeixas: quando percebia, lá estava eu sorrindo para a
telinha do celular.
Um
dia, saí um pouco mais cedo e coloquei tudo que tinha, os pertences,
o squeeze e
a camisa, dentro da bolsa com a logomarca da Rio-2016.
A
van para Itaquera estava lotada para o meio-dia de uma segunda-feira,
não dava para se mexer. Passei a catraca e fiquei ao lado do assento
destinado aos idosos. Lá estava um senhor de setenta anos, que pediu
a bolsa a tiracolo para segurar. Entreguei e ele observara
atentamente o que estava escrito no bolso frontal: “Rio-2016”.
“É
voluntária?”, perguntou-me. “Sim, sim”, exclamei, vendo o
sorriso e olhar de menino daquele homem, mesmo com o semblante
enterrado nos óculos de graus fortes.
“Trabalhou
na Copa?”, replicou-me. “Sim, mas não no Itaquerão, fiquei em
um hotel, no credenciamento”, respondi enquanto me segurava e
evitava o sacolejo do veículo, que se desviava do trânsito intenso.
“Puxa,
que interessante, filha! Eu fui ao Itaquerão na Copa em 2014 e agora
consegui comprar ingressos para um dos jogos e com descontão, viu?
Afinal, ‘sou estudante’!”, brincou e rimos juntos.
Depois
de mais algumas palavras e de o senhor apresentar o filho, que tinha
uma deficiência motora, mais novo de quatro, todos homens, houve um
silêncio.
Ao
longe, avistamos o estádio e peguei a bolsa com o homem. “Ô,
moço, obrigada pela conversa e por segurar a bolsa. Não se molhou,
não é?”, questionei-o, pois não confio muito nessas garrafinhas
para líquidos.
Ele
mostrou que não estava molhado e, curioso, me perguntou: “Ô,
minha filha, será que essa Olimpíada vai dar certo?”.
Fiquei
boba na hora, sem palavras mesmo.
Como
não gosto de deixar nenhuma questão em branco, abri um sorriso
largo e, em minha firme esperança, respondi: “Já deu certo, a
Olimpíada está aí, não tem como freá-la, não é mesmo?”.
Demos risada novamente e ele me desejou boa sorte e boa semana,
enquanto descíamos da van.
Passados
os jogos, aquela pergunta pairou na minha mente.
Para
mim, a Olimpíada foi-se como os fogos de artifício de sua abertura
e encerramento. Apresentou-se mesmo com os defeitos, mesmo com as
alegrias.
Afinal,
é isso que fica em mais uma página de nossa vivência:
experiências, pessoas, histórias, bastidores, trabalhos, erros,
acertos e – com o boom tecnológico
– um sem-fim de imagens.
Lembranças.
Como a vida deve ser, enfim.
*Keli Vasconcelos é jornalista de São Paulo. Atuou em rádio, assessoria de imprensa, editora e revistas. Hoje realiza trabalhos como freelancer.
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