domingo, 9 de setembro de 2018

Artimanhas do acaso - Pedro J. Bondaczuk


Artimanhas do acaso


* Por Pedro J. Bondaczuk

O acaso é useiro e vezeiro em nos aprontar pequenas e grandes surpresas, boas e más, com variável frequência, algumas das quais tendem a mudar por completo os rumos das nossas vidas. Tanto pode nos jogar, sem nenhum aviso, na rua da amargura (ou até nos causar a morte), quanto nos alçar no cume da fortuna e da glória, ao Himalaia do sucesso. Há quem o chame de “destino”. Não gosto dessa expressão. Prefiro denominá-lo (e já expliquei inúmeras vezes porque) de acaso.

Na literatura também ele se faz presente, mesmo que raramente seja identificado e mencionado. Foram muitos, muitíssimos os livros que nasceram casualmente, praticamente sem querer, e que se tornaram best-sellers. Muitos outros, em contrapartida, planejados, estudados, “desenhados a régua e compasso”, por absoluta interferência do acaso, transformaram-se em rotundos, desastrosos e contundentes fracassos.

Raramente nos damos conta disso. Todavia, como tudo na vida, para obtermos êxito no complicado mundo das letras, apenas o talento não basta, embora eu não seja estúpido de negar que seja necessário. Claro que sem ele não iremos a lugar algum. Mas precisamos, sem dúvida, de uma pitadinha (ou pitadona) do imponderável para que tudo corra como planejamos e tanto desejamos.

Um exemplo dessa influência do fator casualidade, ou seja, do imponderável, para consagrar um escritor (no caso, escritora) é o da ganhadora do Pulitzer de 2011, na categoria ficção. Quem o conquistou foi uma relativamente jovem jornalista (então com 48 anos), nascidas em Chicago, mas criada na cidade californiana de São Fr54ancisco.

Ela sonhava em ser médica. Mas... esse sonho ficou pelo caminho. Optou pelo jornalismo onde, se não fracassou, também não se destacou. Todavia, se há uma coisa que nunca lhe passou pela cabeça, conforme ela revelou em entrevista antes de saber que havia ganho o Pulitzer, foi ser escritora. Contudo... foi isso que ela se tornou. E mais, conseguiu, no mundo das letras, o que tantos buscam obsessivamente, e não conseguem: credibilidade, sucesso e mais do que isso, a glória.

Refiro-me a Jennifer Egan, cujo livro “A visit from the goon squad” levou-a à conquista de um dos prêmios mais cobiçados e prestigiosos do mundo (alguns entendem que seja inferior, apenas, ao Nobel de Literatura, embora eu discorde). Superou, nessa disputa, escritores consagrados, muitos deles campeões de vendas e que podem se dar o luxo de viver exclusivamente de literatura. Surpreendeu a muitos (provavelmente a si mesma), mas confirmou as expectativas de tantos outros, renomados críticos literários, que viam nela uma estrela em ascensão. E acertaram.

Pois é, até para exemplificar minha tese, Jennifer confessou que seu premiado romance “nasceu por acaso”. Teve, como embrião, apenas uma crônica, abordando determinado fato verídico que testemunhou. A seguir, ela escreveu outra, até para reforçar e esclarecer a primeira. Viu que o resultado foi bom. Redigiu uma terceira, quarta etc. e não tardou a perceber que havia esboçado um livro. Faltava-lhe, claro, acrescentar e suprimir detalhes e burilá-lo, como convém aos escritores zelosos que respeitam seus leitores.

Quem leu o romance – que antes do Pulitzer, em 2010, já havia conquistado o não menos importante prêmio de crítica, o badaladíssimo National Book Critics Circle Award – revela que ele é formado por várias histórias, sem muita ligação umas com as outras, que vão e voltam no tempo e, portanto, formam um conjunto caótico, do ponto de vista cronológico.

Interessante, de acordo com a revista Época, foi a justificativa do júri para outorgar o Pulitzer a Jennifer Egan: “o livro é uma investigação original sobre o crescer e o envelhecer na era digital”. Ressalte-se que a autora esbanjou originalidade. O livro, por exemplo, tem um capítulo inteirinho em Power Point. Como se vê, é originalíssimo! E mais, é moderníssimo! Em resumo, aborda dois temas que me são muito caros: o tempo e a música. Mostra como ambos atuam para ligar pessoas ao longo de suas vidas.

Para os que não sabem, informo que Jennifer Egan não é inédita no Brasil. A Editora Record publicou, há já um bom tempo, seu livro “Uma história a três”. Aliás, os cinéfilos de carteirinha (que um dia também já fui), conhecem muito bem esse romance. Ele foi adaptado, com o mesmo nome no Brasil, para o cinema, filme este rodado em 2001, tendo como principal protagonista a atriz Cameron Diaz.

Quanto ao premiado “A visit from the goon squad”, o romance, já está à nossa disposição, traduzido para o português. É que a Editora Intrínseca foi mais ágil do que as concorrentes e adquiriu o direito de publicação da obra. Tudo leva a crer que tem potencial para ser um sucesso, como está sendo nos Estados Unidos, aqui no Brasil. Bem que o acaso poderia nos escolher e agir de forma idêntica em relação aos livros que escrevemos. Mas... quem sabe?!!!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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