Ecos ao longo dos passos
O poeta Guilherme de Almeida é
outro dos tantos escritores incorporados à minha vida por uma série de razões.
Algumas delas são indiretas, puramente subjetivas. A principal, todavia, é
objetivíssima: sua visão de mundo, sua genialidade e sua magistral maneira de
poetar. Tenho, em meu acervo, entre livros e textos esparsos, pelo menos um
milhar de poemas seus. É certo que nunca fiz um levantamento para apurar, com
exatidão, quantos são. Mas é preciso? Pelo “olhômetro”, faço essa estimativa
que, se estiver incorreta, será por subestimação.
Entre as razões subjetivas
dessa presença constante de Guilherme de Almeida em minha vida, posso citar um
punhado delas. Primeiro, ele nasceu na cidade que tanto amo, na que elegi,
espontaneamente, entre milhares que há no mundo, para viver, batalhar pelos
meus sonhos, constituir família e ser feliz, no limite de felicidade a que nós,
efêmeros humanos, podemos não só aspirar, como conquistar. Claro que me refiro
a Campinas, que adotei como minha e que generosamente me acolheu e também me
adotou. Essa culta e progressista metrópole interiorana promove, todos os anos,
no início de julho, a “Semana Guilherme de Almeida”, para cultuar a memória
desse que é um de seus filhos mais ilustres. A de 2016 está em pleno andamento,
desde segunda-feira (dia 4) estendendo-se até o dia 11.
A segunda razão subjetiva para
essa incorporação é ainda mais indireta. Um dos primeiros prêmios literários
que conquistei (e, mesmo tendo um pé atrás em relação a concursos, foram,
relativamente, muitos), foi um promovido pela Biblioteca Municipal Guilherme de
Almeida, localizada no distrito campineiro de Sousas. O leitor pode até
estranhar, mas foi de poesia, e em 1976. Qiatro anos depois, fui premiado de
novo, pela mesma instituição. Desta vez foi pelo meu conto “Lance fatal”,
título de um dos meus mais recentes livros lançado pela Editora Barauna e que
sonho que conste algum dia da biblioteca de todos os que gostem de mim ou que
eventualmente apreciem o que escrevo.
Mas o fator subjetivo maior,
que me tornou Guilherme de Almeida tão familiar a ponto de considerá-lo membro
da minha família, ou seja, um parente muito próximo – embora nunca tenha falado
com ele e o tenha visto pessoalmente uma única vez, em um evento bastante
concorrido de que participou – é mais remoto e mais profundo. Tem a ver
diretamente com a pessoa que mais amei no mundo (amei outras de forma até
semelhante, mas nenhuma maior), que foi meu saudoso pai. Claro que ele jamais
se apagará da minha memória e da minha pessoa, inclusive fisicamente, pois
herdei seus genes, do que muito me orgulho, (pois ele me gerou), além de ter
sempre comigo os princípios morais e afetivos, os ensinamentos e os exemplos de
conduta que ele me legou.
Explico. Meu pai sempre foi um
homem super-informado. No tempo todo em que convivemos, não me lembro de um
único dia em que voltasse do trabalho sem trazer consigo pelo menos dois
jornais (em geral, “O Estado de São Paulo” e a “Gazeta”). Muitas vezes trazia
até quatro (além dos citados, o “Diário da Noite” e a “Última Hora”). Seguindo
seu exemplo, eu também os lia avidamente. E adquiri o hábito de colecionar
recortes, que hoje se constituem em inestimável material de consulta no
jornalismo. Aliás, tornei-me jornalista por influência direta do meu pai,
embora ele nunca me tenha sugerido esse caminho, ou sequer insinuado, isso.
Precisava?
E onde entra Guilherme de
Almeida nessa história? O magnífico escritor (foi eleito, a exemplo do que já
havia ocorrido com Olavo Bilac, décadas antes, “Príncipe dos Poetas Brasileiros),
mantinha uma coluna no “O Estado de São Paulo”, intitulada “Eco ao longo dos
meus passos”. Atraído por esse nome, por si só um poema sintético, li-a, a
primeira vez, se não me falha a memória em 1954, e, a partir de então,
tornei-me “viciado” em sua leitura.
Seu conteúdo (guardadas as
devidas proporções) era o mesmo que tento dar (sem o mesmo talento e
criatividade, óbvio) a estas minhas reflexões diárias. E suas colunas eram
sumamente mais objetivas do que meus textos, posto que tinham a extensão de apenas
um terço das que escrevo. Em poucas palavras, portanto, dizia milhares de
coisas mais do que eu consigo dizer com minha verborragia. Da leitura das
colunas de Guilherme de Almeida no “O Estado de São Paulo”, para a dos seus
livros, foi questão de tempo (pouco) e de oportunidade, que não tardou a
aparecer.
São inúmeros os poemas sobre a
primavera que o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” – arauto da Revolução
Constitucionalista de 1932 e autor da letra do Hino dos Expedicionários que
representaram o Brasil na Segunda Guerra Mundial – legou à posteridade. Nos
últimos dias, reli vários deles e não consegui eleger um único como sendo o
melhor. Todos são memoráveis, originais e belos. Como fiz anteriormente com
outros escritores, escolhi, na base de “sorteio”, este que tenho a satisfação
de partilhar com vocês:
Primavera
“Chegas
tão primavera, que os caminhos
correm
pedindo flores aos teus pés,
e o
amor das asas improvisa ninhos
na
árvore cheia de segredo que és.
E és
também a paisagem toda: açudes
mansos
de sol e azul nos olhos sós;
no
pensamento, rios de inquietudes,
e
perspectivas de canções na voz.
Vais. E
a luz beija a sombra que desfolhas.
Descem
plumas dos céus da tarde.
E tu,
colhendo à boca de uma estrela, molhas
na água
da noite o gesto branco e nu.
Somes.
E do teu rastro despovoado
--- sem
flores, ninhos, águas e canções,
nem
sombra, pluma e estrela do passado ---
brotam
florestas e constelações.”
É bom, é gratificante, é
excelente poder escrever sobre um personagem literário que me suscita tantas
reminiscências, mesmo correndo o risco desse meu texto ser considerado por
alguns (os tais “idiotas da objetividade” citados amiúde por Nelson Rodrigues e
imortalizados num poema por Affonso Romano de San’Anna”) como vago e piegas. À
medida que as letras vão se alinhando na telinha do computador, ouço, á minha
revelia, o “eco” das lembranças de um passado já tão remoto, gritando, de tanta
saudade, “ao longo dos meus passos”, cada vez mais trôpegos e incertos, por
conta do desgaste do tempo.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Eu não me importo com texto piegas de sua autoria (caso este seja, que nem achei). Além do mais, não acho importante considerar que alguém ache este texto piegas, ou mesmo ruim. Se leu, despertou interesse. Já está bom!
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