Apenas de
passagem
Influenciado pela magia da literatura de Jorge Luís Borges,
sou, desde criança, fascinado por labirintos. Aliás, esse é um tema recorrente
nos meus textos literários. Escrevi, por exemplo, há mais de quatro décadas, um
poema a respeito, que é, das minhas obras, a que mais me orgulha (em geral,
detesto o que escrevo, sempre achando que poderia escrever melhor). E por que
esse fascínio por labirintos? Somente por influência de Borges? Diria que
“também”, mas “não só” por isso. É que eles simbolizam a caráter nossa vida.
Quando vimos ao mundo, somos absolutamente indefesos. Não
conseguimos nos locomover, nos sentar e sequer erguer a cabeça. Temos que
aprender a engatinhar, a andar, a falar e até, a nos alimentar. Tudo nos é
estranho, hostil e misterioso. Ao longo da vida, percorremos inúmeras passagens
desse labirinto que adentramos ao nascer, buscando encontrar a saída. Em vão!
Ademais, temos a incômoda intuição de que uma feroz
assassina nos persegue, passagem após passagem, visando a nos eliminar tão logo
nos encontre. Escapamos dela por um certo tempo, mas nunca por “todo o tempo”.
Um dia ela nos alcança e... zás! Adeus aos sonhos e às ilusões. Refiro-me,
claro, à morte.
E qual a solução para usufruirmos a vida? Creio que é
gozá-la até onde nos for possível. Que é nos “presentearmos” com o máximo de
satisfações que pudermos conseguir, mas sem prejudicar a ninguém e nem “usar”
outras pessoas. Dessa forma, quando o “epílogo” da nossa aventura se desenhar,
não teremos que nos arrepender de termos sido excessivamente espartanos e
estupidamente rigorosos conosco mesmo.
Temos quatro maneiras de sair desse "labirinto" de
mediocridade em que nos metemos quando não temos um objetivo de vida coerente e
definido: fugir, lutar contra, esquecer ou agir. Ninguém irá decidir por nós. E
mesmo que delegássemos essa tarefa, nós é que arcaríamos com as conseqüências.
Haverá sempre, parodiando Carlos Drummond de Andrade, “uma pedra no
caminho". Elas existem em profusão na vida de todos...Alguns, descobrem
atalhos mais suaves e chegam ao objetivo que traçaram. A maioria recua e aceita
passivamente a derrota. Mesmo com chances (posto que remotas) de vencer...
A sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no
coletivo, sofre, constantemente, ameaças de toda a sorte. Estas vão desde os
aspectos orgânicos da mãe, para reter o óvulo fertilizado, até sua vontade de
gerar o novo ser que traz no ventre. Vão desde as decisões dos líderes
políticos no que se refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre
presente) de que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e
insólito planeta azul do Sistema Solar. E há uma infinidade de outros riscos
que seria redundante repetir, pois todos os conhecem.
Afinal, o que é a vida? É, sobretudo, um mistério. É muito
mais do que meros conjuntos de aminoácidos combinando para formar proteínas
componentes de células, tecidos, órgãos, estruturas completas. Há algo
impalpável que anatomista algum, nenhum cientista, por mais perito que seja,
conseguiu isolar, separar, dissecar, posto que é imaterial.
Os decifradores do genoma humano, por exemplo, concluíram,
entre outras coisas, que um homem tem apenas o dobro dos genes de uma minhoca.
E estes, tomados de forma isolada, são indistingüíveis nas duas espécies. O
que, pois, torna esses seres tão diferentes? E por que há a diferença?
A ciência não consegue explicar. Se a origem e a natureza da
vida são tão misteriosas, mais ainda é sua finalidade. Por que nascemos? Há um
fim predeterminado? Qual é? Quem o determina e por que? Podemos apenas especular
a respeito. Jamais conseguiremos chegar a uma conclusão absoluta, definitiva,
consensual e inquestionável.
Agimos, em geral, sem pensar em profundidade em nossos atos
e suas conseqüências. Não pensamos de maneira unitária. Nossas idéias são
dispersas, vagas, contraditórias. Temos que unificá-las...Mesmo que a
"marteladas"...
Os verdadeiros prazeres, aqueles que justificam uma
existência, são simples e gratuitos. Estão ao alcance das mãos de qualquer um
que os queira usufruir. No entanto, complicamos tanto a nossa vida! No entanto,
nos afligimos por tão pouco! No entanto, tentamos, na maior parte do nosso
tempo, agarrar sombras! Não agimos assim, é evidente, por masoquismo, pelo
prazer de sofrer ou então por maldade. Achamos, até mesmo, e com sinceridade, que
estamos agindo certo.
Nada há que se compare, em termos de genuíno prazer, à
sensação de havermos cumprido o que nos cabia fazer. Ou seja, de termos feito
nosso dever com diligência, dedicação e competência. Aliás, há outro, sim, e
único. É a certeza de havermos realizado um bem, qualquer que seja, a algum
semelhante – conhecido ou estranho, parente ou não –, que tenha qualquer
necessidade (material ou espiritual): uma dádiva, um auxílio, uma palavra de
apreço, uma orientação ou um exemplo.
Cumprirmos nosso dever e fazermos o bem são fontes
inesgotáveis de alegria. Quem duvidar, basta experimentar. São satisfações
“democráticas”, ao alcance de todos, e não nos exigem nada de excepcional. Em
contrapartida, nos dão compensação inigualável.
A propósito de prazeres, o poeta maranhense, Luís Augusto
Cassas, tem um poema intitulado “Epílogo” e que, de forma muito bem-humorada,
chega a idêntica conclusão a que cheguei de maneira bem mais sisuda e talvez
pedante. Diz:
“um dia lambendo as nuvens
erguidas em irmãs paisagens
a sabedoria e a loucura
trocando posters-figuras
verão que o gozo é viagem
ritos de humana passagem
e erguendo aos céus nova taça
concluirão tudo passa
saboreando com arte
sorvete de chocolate”.
Talvez a maneira melhor de caracterizar minha busca por uma
saída do labirinto e minha certeza de um dia ser alcançado pela sanguinária
assassina que me persegue seja este "Epitáfio", do inglês John Howard
(que reproduzi “n” vezes no Facebook, mas que não custa repetir por sua verdade
e beleza):
"Tímido demais para vender
honesto demais para ensinar
calado demais para escrever
céptico demais para pregar
altivo demais para subir
cordato demais para lutar
rasteiro demais para cair
e velho demais para mudar.
Como vêem, seria mesmo o cúmulo
eu reivindicar aqui um túmulo;
aquém do elogio, além do ultraje,
fui só o que estava de passagem".
Embora sem o talento de John Howard, há muito fiz idêntica
descoberta. E bem que poderia, um dia, que espero que esteja ainda muito
distante, ter esse enfático epitáfio, ao ser executado pela bestial assassina.
Principalmente a amarga constatação do verso final: “Fui só o que estava de
passagem”. Mas... de passagem para onde? Nem Borges, nem ninguém poderiam me
esclarecer, pois, certamente, não sabem..
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
..
Falar da morte com frequência, visitar cemitérios, faz tudo parecer menos doloroso. Eu creio, ainda que seja absolutamente cética.
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