O ET e o BBB
*
Por Marcos Alves
Estava na janela e olhava lá
para fora. Um céu estrelado, como na maioria das noites entre o
verão e o outono. Foi quando vi o clarão, o flash por trás dos
galhos da árvore à minha frente, a copa tapava parte das luzes da
cidade imensa. Cenário com o qual habituei-me nos últimos 15 meses.
De repente, salta dali um
homenzinho verde, um ET que vai logo puxando papo.
- Diga lá,
meu camarada! Não assusta não, sou de paz, assim como você. Como
vão as coisas?
- Quem é você, de onde veio?
- Você já
ouviu isso, mas vou repetir pela enésima vez: sou de um planeta
distante, posso viajar a anos-luz por hora, falo a sua língua e
posso ler seus pensamentos. Enfim, sou bem mais evoluído que você.
Gostei da franqueza do cara,
apesar de pequenininho era abusado e parecia divertido.
- Você tá
meio chateado... – ele disse.
O Etezinho chegou com a corda
toda e já dando palpite. Pelo menos agora tinha alguém para
conversar.
- Estou
sim, meio solitário. O pessoal não está me dando muita bola.
- Cadê o
pessoal? Sua mulher, as crianças...
- Olha
Verdinho, os últimos dois meses não têm sido fáceis, ando num
isolamento involuntário aqui em casa. Antes todos riam das besteiras
que eu dizia ao entrar na sala. Agora, nem me notam. Ficam todos na
frente da TV ou do computador ligados no Big Brother Brasil.
O ET se ajeitou na folhagem
para me ouvir. Era mais ou menos do tamanho de um galo, usava uma
roupa engraçada e botas de cano bem alto, tudo verde, inclusive ele.
Ouvia minhas queixas com atenção.
- As
crianças ainda consigo tirar dali, mas minha mulher não arreda o
pé. O relacionamento está abalado, quase não nos falamos ou quando
isso acontece é só para as coisas práticas da casa, o básico do
dia a dia.
- Mas você
não tenta uma aproximação?
- Tento,
quando chego perto e faço um carinho ela até retribui, mas não é
com aquela atenção que eu gostaria. É só um beijinho de raspão,
rapidinho, desses que a gente nem sente direito. Nem bem viro o rosto
e a vejo de novo com os olhos vidrados no tal de Alemão. Sinto que
estou perdendo terreno.
- O caso é sério, tens um
inimigo forte. Já ouvi falar dessa Globo.
- Já, ET?
- Já. Tem gente que vem de
longe piratear o sinal para outras galáxias. Ninguém faz TV tão
bem quanto o pessoal aqui na Terra. E a Globo é uma das melhores,
brasileiro é bom em futebol e televisão.
- E
carnaval. Música e outros esportes além do futebol. Mas é só. No
quesito política somos uma negação.
Percebi o olhar de aprovação
do ET. Estávamos ficando amigos.
- Posso
sintonizar a Globo daqui.
- Dentro
da nave tem TV?
-Não, sintonizo aqui mesmo –
disse, apontando para a cabeça redonda. Ajeitava as duas anteninhas
enquanto continuei minhas queixas.
- Armei barricadas,
estratégias de guerra que pouco adiantaram. Faço barulho de
propósito na cozinha e consigo pouco mais que um "O que foi?",
dito assim de qualquer jeito – às vezes repetido depois com ênfase
para corrigir o pouco caso, mas aí é tarde. Meu coração está
irremediavelmente atingido. Não sou mais a atração noturna, o cara
que chega da rua com as novidades, os chocolates ou a cervejinha para
um papo de fim de noite. Sou o incômodo, o sujeito que vai mudar de
canal ou então ficar ouvindo música em outro lugar da casa. E o
pior é que a coisa não fica restrita ao horário do programa. É um
tal de Siri no Faustão, Flávia no Vídeo-Show, Fani no
Caldeirão... As mulheres são bacanas e tudo, mas não consigo ficar
o tempo todo vendo e ouvindo aquilo. Daqui a pouco vão colocar
ex-BBB ao lado do Galvão Bueno. Nem Copa do Mundo deixa as pessoas
assim! Até o Bial ficou nervoso no dia que o cowboy foi eliminado.
Acho desproporcional e meio forçado, artificial.
- Olha, é
artificial mesmo, mas o mote não é a simulação da realidade? É
típico dos tempos que você vive aí, quer dizer aqui na Terra,
cara! Mas daí a você se indispor em casa, é um pouco demais, não?
É só lembrar aquela lei elementar: gosto não se discute.
O ET me ouvia, mas ficava a
maior parte do tempo com os olhos fechados. Percebi que ele estava
"assistindo TV" e gritei:
- Ô
Etezinho, sacanagem pô, eu aqui me queixando justamente desse
negócio e você aí, vidrado? Tá parecendo o pessoal aqui de casa!
O ET fez um sinal com a
mãozinha, para eu falar mais baixo.
- A Analy
e o Diego estão conversando. Acho que no próximo paredão eles vão
votar na....
- Peraí,
ET, pode parar! Até você vai ficar nessa de Big Brother??
Ele dá um passo no ar, flutua
em minha direção para dizer no meu ouvido:
- Fica
frio, daqui a duas semanas acaba. É só um programa de TV, não tem
importância. Agora me dá licença.
E sumiu no meio da folhagem,
com a mesma rapidez com que apareceu do nada. Assim como as
celebridades do Big Brother, com exceção da Grazi. Putz.
-
Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.
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