sábado, 9 de junho de 2018

O ET e o BBB - Marcos Alves


O ET e o BBB


* Por Marcos Alves



Estava na janela e olhava lá para fora. Um céu estrelado, como na maioria das noites entre o verão e o outono. Foi quando vi o clarão, o flash por trás dos galhos da árvore à minha frente, a copa tapava parte das luzes da cidade imensa. Cenário com o qual habituei-me nos últimos 15 meses.

De repente, salta dali um homenzinho verde, um ET que vai logo puxando papo.

- Diga lá, meu camarada! Não assusta não, sou de paz, assim como você. Como vão as coisas?

- Quem é você, de onde veio?

- Você já ouviu isso, mas vou repetir pela enésima vez: sou de um planeta distante, posso viajar a anos-luz por hora, falo a sua língua e posso ler seus pensamentos. Enfim, sou bem mais evoluído que você.

Gostei da franqueza do cara, apesar de pequenininho era abusado e parecia divertido.

- Você tá meio chateado... – ele disse.

O Etezinho chegou com a corda toda e já dando palpite. Pelo menos agora tinha alguém para conversar.

- Estou sim, meio solitário. O pessoal não está me dando muita bola.

- Cadê o pessoal? Sua mulher, as crianças...

- Olha Verdinho, os últimos dois meses não têm sido fáceis, ando num isolamento involuntário aqui em casa. Antes todos riam das besteiras que eu dizia ao entrar na sala. Agora, nem me notam. Ficam todos na frente da TV ou do computador ligados no Big Brother Brasil.

O ET se ajeitou na folhagem para me ouvir. Era mais ou menos do tamanho de um galo, usava uma roupa engraçada e botas de cano bem alto, tudo verde, inclusive ele. Ouvia minhas queixas com atenção.

- As crianças ainda consigo tirar dali, mas minha mulher não arreda o pé. O relacionamento está abalado, quase não nos falamos ou quando isso acontece é só para as coisas práticas da casa, o básico do dia a dia.

- Mas você não tenta uma aproximação?

- Tento, quando chego perto e faço um carinho ela até retribui, mas não é com aquela atenção que eu gostaria. É só um beijinho de raspão, rapidinho, desses que a gente nem sente direito. Nem bem viro o rosto e a vejo de novo com os olhos vidrados no tal de Alemão. Sinto que estou perdendo terreno.

- O caso é sério, tens um inimigo forte. Já ouvi falar dessa Globo.

- Já, ET?

- Já. Tem gente que vem de longe piratear o sinal para outras galáxias. Ninguém faz TV tão bem quanto o pessoal aqui na Terra. E a Globo é uma das melhores, brasileiro é bom em futebol e televisão.

- E carnaval. Música e outros esportes além do futebol. Mas é só. No quesito política somos uma negação.

Percebi o olhar de aprovação do ET. Estávamos ficando amigos.

- Posso sintonizar a Globo daqui.

- Dentro da nave tem TV?

-Não, sintonizo aqui mesmo – disse, apontando para a cabeça redonda. Ajeitava as duas anteninhas enquanto continuei minhas queixas.

- Armei barricadas, estratégias de guerra que pouco adiantaram. Faço barulho de propósito na cozinha e consigo pouco mais que um "O que foi?", dito assim de qualquer jeito – às vezes repetido depois com ênfase para corrigir o pouco caso, mas aí é tarde. Meu coração está irremediavelmente atingido. Não sou mais a atração noturna, o cara que chega da rua com as novidades, os chocolates ou a cervejinha para um papo de fim de noite. Sou o incômodo, o sujeito que vai mudar de canal ou então ficar ouvindo música em outro lugar da casa. E o pior é que a coisa não fica restrita ao horário do programa. É um tal de Siri no Faustão, Flávia no Vídeo-Show, Fani no Caldeirão... As mulheres são bacanas e tudo, mas não consigo ficar o tempo todo vendo e ouvindo aquilo. Daqui a pouco vão colocar ex-BBB ao lado do Galvão Bueno. Nem Copa do Mundo deixa as pessoas assim! Até o Bial ficou nervoso no dia que o cowboy foi eliminado. Acho desproporcional e meio forçado, artificial.

- Olha, é artificial mesmo, mas o mote não é a simulação da realidade? É típico dos tempos que você vive aí, quer dizer aqui na Terra, cara! Mas daí a você se indispor em casa, é um pouco demais, não? É só lembrar aquela lei elementar: gosto não se discute.

O ET me ouvia, mas ficava a maior parte do tempo com os olhos fechados. Percebi que ele estava "assistindo TV" e gritei:

- Ô Etezinho, sacanagem pô, eu aqui me queixando justamente desse negócio e você aí, vidrado? Tá parecendo o pessoal aqui de casa!

O ET fez um sinal com a mãozinha, para eu falar mais baixo.

- A Analy e o Diego estão conversando. Acho que no próximo paredão eles vão votar na....

- Peraí, ET, pode parar! Até você vai ficar nessa de Big Brother??

Ele dá um passo no ar, flutua em minha direção para dizer no meu ouvido:

- Fica frio, daqui a duas semanas acaba. É só um programa de TV, não tem importância. Agora me dá licença.

E sumiu no meio da folhagem, com a mesma rapidez com que apareceu do nada. Assim como as celebridades do Big Brother, com exceção da Grazi. Putz.

  • Marcos Alves é jornalista e diretor de vídeos.



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