Brasil,
Campeão do Mundo!
*
Por Mara Narciso
Nada
e nem coisa alguma poderiam ser mais importantes do que a Copa do
Mundo de Futebol, a atual, as passadas e as futuras. Falo de todas as
Copas, dos seus pontos de dor e picos de felicidade. Com antecedência
eu me preparava para acompanhá-las, estando a postos nos jogos do
Brasil. Assisti-los, em qualquer hora que fosse (três da manhã na
Copa do Japão/Coréia), era prioridade, e qualquer afazer, de vida
ou de morte tinha de esperar.
Colecionava
num álbum figurinhas dos jogadores, enquanto o comércio distribuía
tabelas, que, preenchidas, levavam a novos cálculos a cada rodada.
Os jornais, revistas e filmes mostravam a trajetória dos jogadores,
que, nos tempos idos moravam no Brasil. Lia a revista Placar e sua
“Camisa Doze”, e o jornal Folha de São Paulo, que trazia seus
gráficos e a Matemática dos jogos, cruzamentos de dados e
probabilidades. Livros sobre o esporte eram publicados em fascículos,
durante semanas antes do mundial, contando sobre as remotas e as mais
recentes Copas, com seus mitos, fatos curiosos e as manhas do
“Esporte Bretão”. As regras futebolísticas com discussões e
explicações estavam nas mesas esportivas. Desde os jogos no rádio,
aos videotapes passados no dia seguinte aos jogos, até a 1ª
transmissão “ao vivo e a cores” de uma Copa do Mundo de Futebol
em 1970, tudo era revivido.
A
bandeira do Brasil era colocada na janela do carro. Dias antes
desfilávamos orgulhosos pela cidade, ostentando a certeza de que o
melhor futebol do mundo nos pertencia. O brasileiro comum ia se
impregnando de futebol, o nível de excitabilidade aumentando, assim
como a agonia e a aflição. No clima de fanatismo já instalado, era
natural uma espécie de adoração aos ídolos e a convicção de que
eram o máximo, independente do resultado, que sabíamos de antemão,
seria positivo. O paredão da defesa e a habilidade do ataque nos
davam a certeza de que venceríamos. Não criticávamos nossos
heróis, aqueles jovens que faziam obras de arte com os pés,
correndo, driblando, fazendo firulas, dando chapéu, fazendo gol de
placa, gol olímpico, de pênalti, de bicuda, de canela, de cabeça,
de trivela. Muitos gols eram marcados de cabeça, mesmo por
brasileiros menores que os estrangeiros. Que maravilha essa ilusão
de superioridade! Não hesitávamos em consagrá-los de antemão.
Outros poderiam ser iguais, nunca superiores, já que o Brasil é o
único país a estar presente em todas as copas.
Ouvi
na internet o jogo dramático de 1950, final Brasil e Uruguai, e em
discos as narrativas dos gols da Copa de 1958 e 1962. Eis o hino do
primeiro campeonato: “Chegou a hora do Brasil ser campeão/ de
futebol do mundo inteiro/ o que que há?/ Brasil Campeão do
Mundo//”. E do segundo: “A Taça do Mundo é nossa/ com
brasileiro não há quem possa/ Hê, eta Esquadrão de Ouro/ é bom
no samba/ é bom no couro/ O brasileiro lá no estrangeiro/ mostrou o
futebol como é que é/ Ganhou a Taça do Mundo/ Sambando com a bola
no pé/ Goool//”.
Em
frente à televisão, minutos antes, a nossa família se postava
calada, atenta para sofrer cada lance, cada minuto, cada explosão. O
choro vinha, lágrimas escorriam pelo rosto de Alcides, o meu pai,
que soluçava ouvindo o Hino Nacional. Isso em menina, e, anos
depois, víamos os jogos nos magníficos churrascos na casa de
Milena, a minha mãe, grande torcedora de futebol. A comemoração
dos muitos gols era contida. Meu pai não permitia conversa durante
os jogos. Tínhamos de engolir a apreensão, calar nos momentos de
suspense, não dar nenhum suspiro e engolir o grito de gol. E foram
muitas Copas, tantos gols, tantas vitórias, muitos sufocos, e várias
derrotas. Turbilhões de emoção passam velozes. As dores rasgadas
das nossas comoções foram: Itália 3 a 2, Paolo Rossi fez 2 em
1982; França 3 a 0, Zinedine Zidane fez 1 em 1998. E a mãe de todas
as ruínas, em 2014, Alemanha 7 a 1. Vergonha!
Acreditava
que o sonho não terminaria, ainda que, segundo soube, o Brasil tenha
dado vexame em 1966. Em 1970, a Ditadura de Emílio Garrastazu Médici
usou a Copa politicamente, e o Brasil foi Tricampeão. A Europa
criticava: o Brasil vive do passado. Mas, em 1994 veio o
Tetracampeonato e em 2002 o Pentacampeonato. Como não acreditar que
éramos e seríamos imbatíveis? Para quem gosta de futebol persiste
a ideia de que os adversários tremem diante da Camisa Amarela.
Dentro de mim, gostaria que o sonho voltasse. Diante da televisão,
torço com esperança, mas sem a perda de lucidez de outrora. A
mudança se deu em 1982, após a derrota para a Itália. Morando em
Belo Horizonte, saí para trabalhar e encontrei um homem sentado no
meio fio da Avenida Nossa Senhora do Carmo, que, enrolado na Bandeira
Brasileira, chorava convulsivamente. Meu coração despedaçado
decidiu largar a paixão.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Não sou fanático, mas confesso que acompanho com interesse - mesmo não ligando para futebol. Abraços, Mara.
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