Arte de viver
* Por Pedro J. Bondaczuk
Os
bons artistas são peritos na detecção da fonte da beleza, e de
criar, por consequência, obras maravilhosas, que nos embevecem e
admiram. Observam tudo e todos e dessa acurada observação nascem
sinfonias sublimes, como se fossem antífonas dos anjos; poemas
encantadores de amor e de esperança; quadros que reproduzem à
perfeição a natureza e vai por aí afora. São, pois, admiráveis,
e admirados, no que fazem.
Todavia,
salvo raríssimas exceções, esses artistas são uns desastrados na
mais importante das artes, na que lhes traria a perene (ou quase)
felicidade: na de viver. De poucos deles se pode afirmar que tenham
vivido sequer razoavelmente, quanto mais bem.
No
século XIX, por exemplo, nossos melhores poetas, os que marcaram
indelevelmente suas passagens na literatura brasileira, morreram
jovens, mal saídos da adolescência, antes dos 30 anos, como foram
os casos de Castro Alves, Álvares de Azevedo e tantos outros. Claro
que isso não aconteceu só no Brasil e nem apenas no período
citado. Mencionamos esses casos somente a mero título de
exemplificação.
Analisem
as biografias dos grandes artistas, dos que hoje são considerados
modelos em suas respectivas artes. Dessa análise, certamente,
concluirão o que está mais do que evidente: que a imensa maioria
(se não a totalidade) apresenta uma característica comum: a
infelicidade. Inúmeros deles recorreram ao álcool e às drogas para
aplacar os demônios interiores. Vários cometeram suicídio,
abreviando trajetórias que tinham tudo para serem até mais
brilhantes do que foram. Muitos morreram em hospícios, como foi o
caso de Vincent Van Gogh. Infelizes. Foram sumamente infelizes.
Querem
exemplos de alguns artistas suicidas? Aí vai uma relação, bastante
incompleta, de alguns deles: Alexander Fadeyev, Antero de Quental,
Antonin Artaud, Camilo Castelo Branco, Cesare Pavese, Emilio Salgari,
Ernest Hemmingway, Florbela Espanca, Guy de Maupassant, Horácio
Quiroga, Ingeborg Bachmann, Jack London, John Kennedy Toole, Marcel
Schwob, Mário de Sá Carneiro, Paul Celan, Pedro Nava, Sandor Marai,
Serguei Iessenin, Stefan Zweig, Sylvia Plath, Torquato Neto, Virginia
Woolf, Wladimir Mayakowski e Yukio Mishima.
Alguns
abreviaram a vida para se livrar de terríveis, quase insuportáveis
sofrimentos físicos, vítimas de doenças incuráveis. Outros o
fizeram para fugir de tormentos emocionais e/ou psicológicos.
Outros, ainda, perderam o encanto de viver. Todos conheciam o “céu”,
criaram beleza dos reflexos do Paraíso que vislumbraram, mas não
souberam entrar nele e gozar de suas delícias. Foram incompetentes
para praticar a maior de todas as artes: a de viver.
Há
quem jure que para gozar plenamente das delícias que a vida pode
proporcionar, há que se ter dinheiro, muito dinheiro, em
interminável profusão. Discordo. Recursos financeiros podem, de
fato, ajudar a obter o que há de melhor e de mais prazeroso (e de
fato ajudam), mas não são essenciais. Claro que o outro extremo, o
da miséria absoluta, não possibilita a mínima felicidade a quem
quer que seja.
O
indispensável é saber “gastar” (não esbanjar) o que se tem,
seja pouco ou seja muito. A maioria dos milionários que conheço não
tem essa ciência. Tem asas, mas não sabe voar. E nessas
circunstâncias, esse recurso, que deveria lhes ser benéfico, apenas
os atrapalha de caminhar.
Muitos
sujeitos desses, por maior que seja sua fortuna, apenas se preocupam
em aumentá-la. Lá um belo dia, porém... zás, vem o enfarte e tudo
o que amealharam (ou herdaram, sabe-se lá) fica para os outros.
Eles, que foram detentores dessa riqueza, deixam a vida da mesmíssima
forma que o mais indigente dos indigentes. Tiveram asas, mas não
souberam voar.
Escrevo
estas palavras não com a postura de perito na arte de viver, longe
disso. É certo que não tenho muito do que me queixar. Tenho lá
meus repentes de felicidade, sucedidos, aqui e ali, por chateações
(muitas) e dores (algumas), mas nada muito sério que me leve a
desejar abreviar esta aventura fascinante, que é a vida. Minhas
conclusões, pois, não são propriamente as de “personagem”, mas
as de mero “observador”.
Aprendi
que a fonte do prazer está na moderação. Que nosso maior
patrimônio é a saúde, e de um ponto de vista holístico, ou seja,
de corpo e de mente. Que a felicidade está no usufruto de coisas
aparentemente pequenas e triviais, mas que são as que importam, ou
seja de uma boa comida, simples, mas saudável e saborosa; de boa
bebida, que nos relaxe, mas não nos embriague; de bom sexo, feito
com amor e entrega e tudo, tudo, tudo em pequenas porções. Ou seja,
que não nos satisfaçam por completo (e muito menos nos enfarem) e
nem nos faltem por completo. E, sobretudo, de paz de espírito.
Concordo,
pois, com a “receita”, recomendada pelo poeta Luís Augusto
Cassas, nestes versos do seu poema “O prazer”:
“Queres
ser mestre
na
arte de viver?
igual
Moisés no deserto
que
ergueu a serpente ao alto
às
regiões celestes
dirige
o prazer
(não
sucumbas à tentação
de
entrevar o coração)”.
E
aduzo: tudo com moderação. Ou seja, “dirigindo o prazer”, sem
“entrevar o coração”.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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