Alerta:
Ricardão à frente
*
Por Marcelo Sguassábia
Pois
então, veja como são as coisas. Eu era um daqueles sujeitos com
colete refletivo e bandeira de advertência em mãos, à beira da
rodovia, sinalizando desvio, obra ou acidente à frente.
Para
quem gosta de trabalho metódico e 100% previsível, ganhar a vida
fazendo o que eu fazia era estar no paraíso. Ou, pelo menos, na
estrada que leva a ele.
Mas
nem tudo é perfeito. O movimento ininterrupto do braço direito
chacoalhando a bandeirinha para cima e para baixo me presenteou com
uma LER, depois de um ano e meio de serviço. Foram quatro meses de
licença médica, e voltei à labuta com a recomendação do
fisioterapeuta de não movimentar o braço, apenas deixá-lo
esticado, pois o vento batendo na bandeirinha já bastava para a
sinalização.
Um
dia tentei variar o braço, empunhando a bandeira com o esquerdo.
Mas aí me dei conta de que ficava de costas para os motoristas, o
que me valeu uma senhora raspança do meu supervisor imediato.
Disse na ocasião que a minha falta era dupla – de educação,
por não ficar de frente para o usuário, e de amor à vida, já
que não poderia enxergar e desviar a tempo de um carro que viesse
em minha direção.
Quinze
dias depois, descobri o quanto aquela minha iniciativa de
revezamento braçal tinha sido desastrosa. Era uma sexta à tarde,
quando fui chamado ao RH.
Engrossando
as estatísticas de 14 milhões de desempregados, me vi sem eira
nem beira e muito menos acostamento. Desorientado, batendo perna a
esmo atrás de colocação ou trabalho temporário, dei com uma
placa de “Contratamos” na fachada de um velho galpão, onde
antigamente funcionava uma fábrica de espoletas.
Ironia
do destino: o barracão tinha virado uma indústria de “ricardões”,
aqueles bonecos que substituem os sujeitos que fazem o que eu
fazia. Alguns empunhando binóculos, outros com bloquinhos de multa
e boa parte deles com a maldita bandeirinha cor de abóbora, que ao
ser despedido jurei nunca mais querer ver na frente.
Não
sei dizer se minha experiência anterior à beira da estrada
colaborou para que conseguisse a vaga, mas o fato é que no dia
seguinte estava a postos na linha de montagem de ricardões
rodoviários, réplicas mal-acabadas de mim mesmo.
Até
que ontem me apareceu para produzir um ricardão-supervisor, com
roupa idêntica e fisionomia parecida com o carrasco que me colocou
na rua.
Não
pude disfarçar um esgarzinho de satisfação no canto da boca.
Tentei despedi-lo da minha cara, mas ele se recusa a ir embora.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Tal original, tal cópia.
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