Passado para corrigir o
presente
Convido-os
a uma breve reflexão, mesmo que um tanto caótica e, para tanto,
peço licença para, vez ou outra, fazer alguma citação que entenda
pertinente. Não se trata, como muitos poderão (maliciosamente)
interpretar, de manifestação de pedantismo ou de ostentação
vaidosa de conhecimento, mas de humilde reconhecimento de que outros
raciocinam com mais clareza e pertinência do que eu sobre temas de
tamanha relevância.
Em
recentes considerações, sobre porque considero mais vantajoso, como
intelectual, ser escritor, em vez de historiador ou cientista,
afirmei que “a tradição esotérica diz que a humanidade já
atingiu, dez ou doze vezes ao longo do tempo, o ápice da civilização
e retroagiu às cavernas, em consequência de catástrofes provocadas
pela ganância e insensatez do homem”. Creiam-me, isso faz sentido.
Está
provado, até cientificamente, (e aqui a ciência vem em socorro à
literatura), que as grandes hecatombes aterrorizam de tal forma as
pessoas, que ocorre uma espécie de amnésia coletiva entre os que
conseguem sobreviver a elas. O instinto de sobrevivência sobrepõe-se
a todos os valores, notadamente os éticos. E a parte animal do ser
humano prevalece sobre a razão.
Basta
ver o que aconteceu no Haiti, por exemplo, após a ocorrência do
fortíssimo terremoto do início de 2010. Saques tornaram-se
corriqueiros nas devastadas cidades haitianas, em especial em Porto
Príncipe, até por parte de cidadãos corretos e respeitadores das
leis e, vou mais longe, inclusive por alguns encarregados de
assegurar seu cumprimento. Nessas horas, o instinto de sobrevivência
fala mais alto. A fome sobrepuja em muito a moral e a ética. E os
tais “princípios de cidadania e civilização” vão todos pras
cucuias. Prevalecem os instintos (afinal, o homem é, antes de tudo,
um animal), dos quais o de sobrevivência é não só principal, mas
absoluto.
Esses
“ápices de civilização” e essas retroações à barbárie, da
tradição esotérica, seriam meros mitos? Não passariam de lendas
ou de fantasias? Pode ser. Mas o mais provável é que descrições
de algumas dessas civilizações, feitas por poetas, escritores ou
místicos, (como a da Atlântida, por exemplo), sejam resquícios de
memória coletiva adormecidos, que emergem, vez por outra, na mente
de indivíduos superiormente dotados. Tenho plena convicção disso
embora, reitero, não possa comprovar. E, como escritor de ficção
que sou, dispenso tal comprovação. Deixo-a para o historiador, ou
para o cientista, ou a ambos.
Mais
do que o futuro, que não passa de abstração, por se tratar de mera
possibilidade, tenho fascínio pelo passado, que foi um dia concreto
e deixou consequências e vestígios. E quanto mais remoto, tanto
melhor. Nele estão nossas origens. Embora tendo de fato ocorrido,
está encoberto por um manto indevassável de mistério, já que seus
personagens e testemunhas estão todos mortos, os cenários estão
alterados e as circunstâncias nos são tão incompreensíveis como
eram os hieróglifos egípcios, antes que Champolion descobrisse a
“Pedra de Roseta”, chave da sua decifração.
O
passado tem importância para todos nós, já que nossa vida é uma
continuidade, um todo, uma somatória de tempos. Mas onde a origem?
Quando, como e por que tudo começou? Este é um enigma cuja
decifração não foi, até aqui, sequer esboçada. Algum dia será?
Não sei! O cientista e o historiador é que têm que responder. O
escritor tem a vantagem de não precisar provar coisa alguma para
criar suas histórias situando-as nesse tempo remotíssimo. Só se
exigem dele clareza, correção no uso do seu instrumento de
comunicação (a palavra), lógica e certa verossimilhança.
O
passado tem e sempre terá utilidade se o utilizarmos como parâmetro,
como medida, como termo de comparação, para evitar que venhamos a
tropeçar nos mesmos obstáculos que nos derrubaram um dia. Ou para
impedir que cometamos os mesmos erros que nos tornaram infelizes ou
frustraram algum dos nossos projetos. Ou para prevenir-nos de
decepções que sejam evitáveis. Aliás, poderia desfiar dezenas,
centenas, milhares de utilidades.
É
certo que devemos ter um projeto de vida, para ordenar nossa conduta.
Mas não pode ser nada muito rígido. E nem muito de longo prazo. Ou
sequer de médio. Para sermos práticos, não convém projetarmos um
futuro além do dia seguinte que, mesmo assim, não temos certeza de
que estaremos vivos. E para tais projetos, o passado tende a ser
essencial. Por que? Reitero, para corrigirmos os erros que cometemos
um dia e não tornar a cometer nenhum deles de novo. E para evitar
que tornemos a tropeçar na mesma pedra em que já tropeçamos ou no
mesmo buraco que nos derrubou.
A sobrevivência humana,
quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre, constantemente,
ameaças de toda a sorte. Somos frágeis seres mortais e começamos a
morrer no exato instante em que nascemos. Praticamente tudo o que nos
cerca, nos ameaça. E estas ameaças começam antes da nossa
concepção. Vão desde os aspectos orgânicos da mãe, para reter o
óvulo fertilizado, até sua vontade de gerar o novo ser que traz no
ventre. Vão desde as decisões dos líderes políticos no que se
refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre presente) de
que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e insólito
planeta azul do Sistema Solar. No dia 8 de setembro de 2010, por
exemplo, dois pequenos asteroides passaram muito próximos da Terra.
Embora não tivessem tamanho suficiente para pôr fim à civilização,
e muito menos à nossa espécie, só Deus sabe quantos e quais
estragos poderiam ter causado e onde.
O historiador britânico,
Arnold Toynbee, fez uma previsão extremamente pessimista em relação
ao nosso futuro. Disse: “Se tivermos uma guerra nuclear,
sobreviverão tão poucos, que a civilização não se poderá
manter. Se não tivermos uma guerra nuclear, haverá tantos
habitantes sobre a Terra que a vida se fará intolerável”. Qual,
então, é a opção para as gerações futuras? É valorizar e
proteger a vida e tudo aquilo que a preserva e perpetua! Estamos
fazendo isso? Claro que não!
O
"apóstolo da solidariedade", Dr. Albert Schweitzer, que
dedicou mais de meio século de sua vida a cuidar de leprosos nos
recantos mais inóspitos e miseráveis da África negra, no hospital
de Lambarene, que construiu e comandou por décadas (o que lhe valeu
um justíssimo Prêmio Nobel da Paz, em 1952), observou, com a
sabedoria de que era dotado e a autoridade que as suas ações
solidárias lhe conferiram: "Nenhum outro destino aguarda a
humanidade senão aquele que ela mesma prepara, por meio da sua
dispensação mental e espiritual. Por conseguinte, eu não creio que
ela tenha que palmilhar até o fim o caminho da ruína; tendo, como
tenho, confiança no poder da verdade e do espírito, eu creio no
futuro da humanidade". Minha mais profunda crença também é
essa. Caso contrário... sequer estaria mais no exercício ativo do
jornalismo. E nem seria escritor. Para quê, se tudo seria vão?!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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