domingo, 17 de junho de 2018

Editorial - Passado para corrigir o presente


Passado para corrigir o presente


Convido-os a uma breve reflexão, mesmo que um tanto caótica e, para tanto, peço licença para, vez ou outra, fazer alguma citação que entenda pertinente. Não se trata, como muitos poderão (maliciosamente) interpretar, de manifestação de pedantismo ou de ostentação vaidosa de conhecimento, mas de humilde reconhecimento de que outros raciocinam com mais clareza e pertinência do que eu sobre temas de tamanha relevância.

Em recentes considerações, sobre porque considero mais vantajoso, como intelectual, ser escritor, em vez de historiador ou cientista, afirmei que “a tradição esotérica diz que a humanidade já atingiu, dez ou doze vezes ao longo do tempo, o ápice da civilização e retroagiu às cavernas, em consequência de catástrofes provocadas pela ganância e insensatez do homem”. Creiam-me, isso faz sentido.

Está provado, até cientificamente, (e aqui a ciência vem em socorro à literatura), que as grandes hecatombes aterrorizam de tal forma as pessoas, que ocorre uma espécie de amnésia coletiva entre os que conseguem sobreviver a elas. O instinto de sobrevivência sobrepõe-se a todos os valores, notadamente os éticos. E a parte animal do ser humano prevalece sobre a razão.

Basta ver o que aconteceu no Haiti, por exemplo, após a ocorrência do fortíssimo terremoto do início de 2010. Saques tornaram-se corriqueiros nas devastadas cidades haitianas, em especial em Porto Príncipe, até por parte de cidadãos corretos e respeitadores das leis e, vou mais longe, inclusive por alguns encarregados de assegurar seu cumprimento. Nessas horas, o instinto de sobrevivência fala mais alto. A fome sobrepuja em muito a moral e a ética. E os tais “princípios de cidadania e civilização” vão todos pras cucuias. Prevalecem os instintos (afinal, o homem é, antes de tudo, um animal), dos quais o de sobrevivência é não só principal, mas absoluto.

Esses “ápices de civilização” e essas retroações à barbárie, da tradição esotérica, seriam meros mitos? Não passariam de lendas ou de fantasias? Pode ser. Mas o mais provável é que descrições de algumas dessas civilizações, feitas por poetas, escritores ou místicos, (como a da Atlântida, por exemplo), sejam resquícios de memória coletiva adormecidos, que emergem, vez por outra, na mente de indivíduos superiormente dotados. Tenho plena convicção disso embora, reitero, não possa comprovar. E, como escritor de ficção que sou, dispenso tal comprovação. Deixo-a para o historiador, ou para o cientista, ou a ambos.

Mais do que o futuro, que não passa de abstração, por se tratar de mera possibilidade, tenho fascínio pelo passado, que foi um dia concreto e deixou consequências e vestígios. E quanto mais remoto, tanto melhor. Nele estão nossas origens. Embora tendo de fato ocorrido, está encoberto por um manto indevassável de mistério, já que seus personagens e testemunhas estão todos mortos, os cenários estão alterados e as circunstâncias nos são tão incompreensíveis como eram os hieróglifos egípcios, antes que Champolion descobrisse a “Pedra de Roseta”, chave da sua decifração.

O passado tem importância para todos nós, já que nossa vida é uma continuidade, um todo, uma somatória de tempos. Mas onde a origem? Quando, como e por que tudo começou? Este é um enigma cuja decifração não foi, até aqui, sequer esboçada. Algum dia será? Não sei! O cientista e o historiador é que têm que responder. O escritor tem a vantagem de não precisar provar coisa alguma para criar suas histórias situando-as nesse tempo remotíssimo. Só se exigem dele clareza, correção no uso do seu instrumento de comunicação (a palavra), lógica e certa verossimilhança.

O passado tem e sempre terá utilidade se o utilizarmos como parâmetro, como medida, como termo de comparação, para evitar que venhamos a tropeçar nos mesmos obstáculos que nos derrubaram um dia. Ou para impedir que cometamos os mesmos erros que nos tornaram infelizes ou frustraram algum dos nossos projetos. Ou para prevenir-nos de decepções que sejam evitáveis. Aliás, poderia desfiar dezenas, centenas, milhares de utilidades.

É certo que devemos ter um projeto de vida, para ordenar nossa conduta. Mas não pode ser nada muito rígido. E nem muito de longo prazo. Ou sequer de médio. Para sermos práticos, não convém projetarmos um futuro além do dia seguinte que, mesmo assim, não temos certeza de que estaremos vivos. E para tais projetos, o passado tende a ser essencial. Por que? Reitero, para corrigirmos os erros que cometemos um dia e não tornar a cometer nenhum deles de novo. E para evitar que tornemos a tropeçar na mesma pedra em que já tropeçamos ou no mesmo buraco que nos derrubou.

A sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre, constantemente, ameaças de toda a sorte. Somos frágeis seres mortais e começamos a morrer no exato instante em que nascemos. Praticamente tudo o que nos cerca, nos ameaça. E estas ameaças começam antes da nossa concepção. Vão desde os aspectos orgânicos da mãe, para reter o óvulo fertilizado, até sua vontade de gerar o novo ser que traz no ventre. Vão desde as decisões dos líderes políticos no que se refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre presente) de que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e insólito planeta azul do Sistema Solar. No dia 8 de setembro de 2010, por exemplo, dois pequenos asteroides passaram muito próximos da Terra. Embora não tivessem tamanho suficiente para pôr fim à civilização, e muito menos à nossa espécie, só Deus sabe quantos e quais estragos poderiam ter causado e onde.

O historiador britânico, Arnold Toynbee, fez uma previsão extremamente pessimista em relação ao nosso futuro. Disse: “Se tivermos uma guerra nuclear, sobreviverão tão poucos, que a civilização não se poderá manter. Se não tivermos uma guerra nuclear, haverá tantos habitantes sobre a Terra que a vida se fará intolerável”. Qual, então, é a opção para as gerações futuras? É valorizar e proteger a vida e tudo aquilo que a preserva e perpetua! Estamos fazendo isso? Claro que não!

O "apóstolo da solidariedade", Dr. Albert Schweitzer, que dedicou mais de meio século de sua vida a cuidar de leprosos nos recantos mais inóspitos e miseráveis da África negra, no hospital de Lambarene, que construiu e comandou por décadas (o que lhe valeu um justíssimo Prêmio Nobel da Paz, em 1952), observou, com a sabedoria de que era dotado e a autoridade que as suas ações solidárias lhe conferiram: "Nenhum outro destino aguarda a humanidade senão aquele que ela mesma prepara, por meio da sua dispensação mental e espiritual. Por conseguinte, eu não creio que ela tenha que palmilhar até o fim o caminho da ruína; tendo, como tenho, confiança no poder da verdade e do espírito, eu creio no futuro da humanidade". Minha mais profunda crença também é essa. Caso contrário... sequer estaria mais no exercício ativo do jornalismo. E nem seria escritor. Para quê, se tudo seria vão?!


Boa leitura!

O Editor.

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