quinta-feira, 28 de junho de 2018

Preciso de uma psicóloga - Gustavo do Carmo


Preciso de uma psicóloga

* Por Gustavo do Carmo

Não estou louco. Mas preciso de um psicólogo para desabafar todas as minhas angústias, antes que eu realmente enlouqueça. Estou com dificuldades para dormir. Sou cobrado e criticado por dormir fora do horário em que todos dormem. Não quero desabafar com amigos e seguir religião. Minha mãe já está muito idosa (aliás, ela está até doente, um dos motivos da minha ansiedade), meu pai é hipertenso (outra preocupação) e minha irmã só me põe para baixo.

Quero um profissional, pois este tem código de ética e se contar para os outros (a não ser para o seu próprio terapeuta, porque ele também precisa descarregar) vai preso, segundo ouvi uma vez da Narcisa Tamborideguy. Ou melhor, uma profissional, porque prefiro me consultar com mulheres. De preferência, bem boazinha. E bonita. Claro que senhoras também servem. Mas com mulheres bonitas, me sinto mais à vontade para desabafar.

Tenho medo de encontrar aqueles psicólogos sinceros, que adoram dar bronca e me culpar pelos meus próprios problemas. Como aconteceu uma vez em Cabo Frio. Estava com este mesmo problema de agora. Fui procurar uma em frente ao meu prédio. E ela me disse que eu sou fracassado porque sou indisciplinado. Me deu vontade de ir embora imediatamente e jogar o dinheiro no chão para ela catar. Saí mais para baixo do que já estava. 

Tentei me consultar com uma amiga de uma vizinha de lá. Mas não a encontrei mais. E também não queria deixar minha mãe sozinha em casa, em Cabo Frio. Cheguei a perguntar por WhatsApp o preço de uma lá também, mas não tive coragem de marcar consulta. Tive medo de gastar dinheiro.

Eu não quero homem porque tenho medo de sair na porrada caso encontre algum com o mesmo método da psicóloga sincera que eu citei acima. A não ser que seja um antigo colega de faculdade que tinha largado o curso de comunicação logo no primeiro período para fazer psicologia. Nem sei se ele fez. Nem sei se ele se formou e atende.  

Depois da psicóloga sincera de Cabo Frio não me consultei com mais ninguém até conversar com a amiga da vizinha. As duas com quem eu mais me consultei foram indicadas pelos meus pais. A primeira, por um primo do meu pai, atendia em sua residência em Copacabana. Passava uma hora mais conversando sobre banalidades do que sobre os meus problemas. E ainda era interrompido pelo cachorro de estimação dela e a filha que se despedia para sair da faculdade. Cansado do pouco resultado (ela tinha prometido umas atividades, inclusive regressão, que nunca cumpriu), descarreguei minha raiva nela, ameaçando processá-la e denunciá-la ao Conselho de Psicologia. Depois, vi que eu estava errado. Pedi desculpas depois, mas ela fingiu que perdoou (aí entra aquela história da minha crônica A Farsa do Perdão: mandam você perdoar, mas os outros não perdoam). Aliás, faz vinte dias que a procurei, reforçando o meu pedido de desculpas, e ela não respondeu. 

A segunda era psicóloga do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e atendia minha tia que sofria de câncer e acabou morrendo na época. Foi a minha mãe, que cuidava dela (minha tia), quem me indicou. Doutora Sílvia, esta sim, faço questão de citar o nome, foi a melhor delas. Foi a que diagnosticou que eu estava com depressão após alguns testes de formulário que fez comigo. Ela me atendia num prédio comercial no Flamengo. Mas, no ano seguinte, a Dra. Sílvia decidiu não me atender mais. Alegou cansaço em sair de Niterói, onde morava, até o Flamengo. Ela já era uma senhora. Isso foi há uns dez anos atrás. 

Fiz uma nova tentativa (aí fui eu mesmo que procurei) na clínica do meu plano de saúde. Me atendeu uma senhora muito fria que me desmontou quando perguntou porque eu não quero (falo no presente, mesmo) fazer concurso público, que o meu pai me cobrava na época. Fiquei sem resposta. Me senti culpado, mesmo tendo razão e talvez ela pudesse compreender minha recusa. Nunca mais voltei.

Pelo mesmo motivo, também parei de ir a uma segunda, só que psiquiatra, em Copacabana. Sei lá, senti que estas duas me condenaram por eu não querer fazer concurso público. Não quero fazer porque não sou inteligente o suficiente para fazer sem estudar, não quero alimentar indústria de cursinho, não quero dar dinheiro para a Folha Dirigida, nem Degrau Cultural e quero trabalhar numa coisa que eu entenda. Ah, e também não quero ser motivo de chacota por ser honesto e muito menos ser obrigado a aderir a alguma greve ou fazer piquete.

Voltando ao assunto da psicologia: antes desta psiquiatra de Copacabana, já tinha me consultado com outras duas. Uma atendia pelo meu plano de saúde, na Tijuca. Mas parecia popular e burocrática demais. Ela tinha marcado a consulta para as duas da tarde e só foi me atender às sete da noite, quando já tinha muita gente impaciente na fila atrás de mim. Até a vendedora de laboratório ficou impaciente: virou os olhos e ficou fazendo careta. A doutora só me passou um Rivotril em gotas. Nunca mais fui lá.

Depois fui à clínica da famosa psiquiatra escritora. Por já ser famosa, ela já não atendia mais novos pacientes. Fui atendido por uma morena bonita, na faixa dos 40 anos, mas muito arrogante. Ela me passou um exame de cintilografia após eu dizer que tinha déficit de atenção. No exame não deu nada. Disse que eu não tinha nada. Me senti um malandro querendo um atestado para não trabalhar.  Depois que eu falei que não tinha nada para fazer ali, ela admitiu que eu tenho o distúrbio e me deu o atestado. Parece até que eu plantei o diagnóstico. Detalhe: a consulta custava 300 reais (muito caro na época, hoje uma consulta médica já custa quase isso).

Depois, ela me indicou uma psicóloga da mesma clínica e com o mesmo nome seu. Sem resultado depois de pagar 600 reais por quatro semanas que eu fui, parei de ir. 

Eu tento respeitar a psicologia, mas não consigo. Acho que não adianta nada. Ninguém vai conseguir mudar o meu jeito de ser. Mas preciso de uma psicóloga para desabafar todas as minhas angústias que eu não posso contar nesta crônica. Só que eu não tenho coragem. Tenho medo de reencontrar os mesmos aborrecimentos que eu citei aqui. 

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310

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