John
in the sky
*
Por Marcelo Sguassábia
Que
me perdoem a demora, mas só agora, depois de tantos anos, me
autorizaram uma comunicação. Tenho pouco tempo e terei que ser
breve e incisivo, como as letras das minhas canções após o fim do
conjunto.
Sabe
Yoko, Deus é testemunha do quanto eu queria encontrar alguém
cabeça feita, com os olhos puxados e cabelos caindo pela cintura,
que me lembrasse seu layout nos sixties e me fizesse companhia
enquanto você não chega. Mas os japoneses são longevos e os
mortos vêm pra cá com a aparência que tinham no desencarne. Então
torço para que você bata as botas o quanto antes,de forma a chegar
aqui em condições desfrutáveis. O que me deixa apreensivo é que
você já passou dos 80 e eu continuo com meus quarentinha
recém-completados, you know?
Eu
queria dizer algo a respeito daquele mosaico que fizeram em minha
homenagem no Central Park, com a palavra “Imagine”. Acho que a
intenção foi boa mas o resultado estético ficou aquém da
intenção. Por favor, destruam aquilo a picaretas e peçam a Yoko
para que crie algo ao seu estilo, como nos velhos tempos. Ela
conhece meu gosto e sabe o que quero dizer. Sou crítico e
perfeccionista, sempre fui. Perguntem ao George Martin e ele
confirmará que, por mim, regravaria a obra inteira dos Beatles,
desde “Love me do”. Inclusive “Love me do”. Principalmente
“Love me do”. Aliás, onde estávamos com a cabeça quando
fizemos “Love me do”?
Há
muita lenda envolvendo meu nome, e elas só cresceram de 1980 para
cá. A história de que o comercial de cereal na TV inspirou “Good
Morning” tem fundamento, mas quanto à balela de que “Lucy in
the Sky with Diamonds” não queria dizer LSD, de que foi só uma
coincidência, ora vamos, come on... Eu precisaria estar muito
drogado para inventar aquela história do desenho que o Julian fez
na escola, e devo admitir que estava! Ah, e como estava.
Para
dar um basta definitivo aos boatos que persistem até hoje, o Paul
não está morto coisa nenhuma. Caso contrário ele já teria
incorporado não só um médium, mas toda uma assessoria de imprensa
mediúnica para um ghost-pronunciamento em rede mundial, com
posterior lançamento em CD, DVD e Blu-Ray. E Elvis, acreditem,
também não está morto, a menos que tenha ido para o inferno e
esteja por lá devorando seus sanduíches de pasta de amendoim.
Parem
de peregrinar por Abbey Road e cruzar a faixa de pedestres. Outro
dia um sujeito ficou olhando demais para a câmera na hora de tirar
a foto e meia hora depois estava me pedindo autógrafo aqui em cima.
Sério, guys. Procurem pela massa de tomate ainda fresca debaixo do
ônibus Route 139. O nome da vítima é Thomas Allen Silverstone,
veio de Denver para uns dias de turismo em Londres e mexia com
seguros.
Também
aproveito para fazer, desta vez além-túmulo, o mea culpa sobre
aquela declaração que dei em 66, dizendo que éramos mais
populares que Jesus Cristo. Tenho por aqui uma legião razoável de
fãs, mas uma disputa com o filho do Homem seria ridícula. Mesmo na
época em que eu tinha aquela barba comprida.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Uma declaração do além, boa que chega.
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