Quando
a diplomacia fracassa
As
relações internacionais, num mundo ideal (que não é, óbvio, o
nosso caso) deveriam basear-se, sempre, sem nenhuma exceção, no
respeito mútuo, no direito e nas leis e jamais na força. A
diplomacia deveria prevalecer sempre. As controvérsias, naturais
entre pessoas e igualmente entre países, deveriam ser resolvidas
apenas nas mesas de negociações, entre diplomatas treinados para
negociar, sem coações e nem ameaças, mesmo que apenas veladas. Não
é assim, todavia, que as coisas funcionam e não de hoje. Esta é a
realidade desde quando os homens se organizaram em cidades, em
Estados e em impérios, ou seja, ao longo de toda a história da
humanidade.
Quando
há o uso de força militar para tentar resolver alguma controvérsia
(e esse expediente nunca resolve de fato), essa ação – legítima
muito raramente ou não, na maioria dos casos – significa o
fracasso total e inquestionável da diplomacia. Muitas vezes as
controvérsias entre países, ditadas na maioria dos casos por
antagonismos ideológicos, mas “sempre”, de uma forma ou de
outra, envolvendo interesses econômicos, sequer chegam às mesas de
negociações. Os diplomatas nem chegam a ser convocados. E nem todas
as guerras são abertas, declaradas, de forma convencional. Não raro
essas hostilidades se desenvolvem com o apoio de terceiros ou
mediante operações “encobertas”, ilegais à luz do direito
internacional, mas legitimadas pela falta de provas.
O
livro do jornalista Bob Woodward, lançado em 1987, intitulado “Veil:
as guerras secretas da CIA”, narra e detalha muitas dessas
ilegalidades que, ao fim e ao cabo, nunca resultam em punição para
os que as engendram e executam. Nos casos citados, também não
resultaram, embora as operações encobertas denunciadas houvessem
sido objetos de investigação por parte do Congresso dos Estados
Unidos. O autor colheu suas informações diretamente na fonte,
entrevistando ex-agentes e, principalmente, o então diretor da
agência, William Casey.
Na
ocasião do lançamento, tratei, em uma página inteira de jornal,
num longo ensaio intitulado “Livro de Woodward revela os
‘subterrâneos’ da CIA” (publicado no “Correio Popular” de
Campinas, em 15 de novembro de 1987), do seu teor. Baseei-me nos
fragmentos dessa obra, publicados pelo próprio jornalista, no “The
Washington Post”. Essa publicação se deu nas últimas semanas de
setembro de 1987 (antes, portanto, do lançamento do livro) e tive
acesso à matéria graças à providencial
intervenção de um amigo residente nos Estados Unidos que ma enviou.
Uma
das denúncias de Woodward – a que mais me chamou a atenção –
foi a referente a um atentado terrorista que “teria” sido
planejado pela CIA. A ação teria se destinado a matar o xeque
libanês Mohammad Hussein Fadlallkh, chefe da radical milícia
muçulmana xiita “Hezbollah”, ou “Partido de Deus”, que
seguia as orientações ideológicas do Irã. A Agência Central de
Inteligência dos Estados Unidos teria recorrido, para esse fim, a
agentes secretos sauditas, custeados pelo governo desse país árabe,
fiel aliado de Washington na região.
Verdadeiro
ou não, o fato é que, em 8 de março de 1985, um carro-bomba
explodiu em frente a um prédio no setor muçulmano de Beirute. O
objetivo seria o de matar Fadlallah, supostamente escondido naquele
local. O edifício foi arrasado com a explosão. Oitenta pessoas
morreram nesse atentado e outras 200 ficaram feridas, algumas com
gravidade. Na oportunidade, esse foi um dos piores ataques
terroristas até então ocorridos nesse setor da capital libanesa. O
xeque, que de acordo com ex-agentes da CIA seria o alvo de fato do
ataque – e ele era considerado o Khomeini do Líbano, tamanha sua
identificação com a causa iraniana – escapou ileso. Pessoas
inocentes acabaram pagando com a vida por essa suposta ação
encoberta patrocinada pela agência de inteligência norte-americana
que pode, sim, ser considerada um “fracasso”.
Ao
fracassar o atentado para eliminar Fadlallah, a CIA teria recorrido a
outra estratégia, esta não violenta. Teria subornado alguns xiitas,
com a suposta anuência do próprio xeque, para que o Hezbollah não
atacasse mais alvos norte-americanos e de seus aliados. Teria
intermediado ajuda financeira ao grupo, além do fornecimento de
bolsas de estudo a vários de seus membros, no valor total de US$ 2
milhões. A condição imposta seria, reitero, a de que a organização
extremista parasse de atacar objetivos ocidentais.
Como
seria de se esperar, claro, o xeque xiita negou a versão. Afinal, se
comprovada, ela o deixaria em péssima situação diante de seus
partidários e de outras facções pró-iranianas. Fadlallah
argumentou que, se de fato houvesse aceitado suborno, seus liderados
não teriam atacado o anexo da embaixada norte-americana no setor
cristão de Beirute, conhecido como Awkar, ataque esse ocorrido em
setembro de 1985, que causou a morte de 12 pessoas e ferimentos em
outras 80. Ocorre que esse atentado foi assumido, na ocasião, não
pelo “Hezbollah”, mas por membros do grupo Jihad Islâmica.
Woodward
revelou que William Casey lhe confessou, antes de morrer, que
acreditava no que estava fazendo, mesmo que aos olhos da opinião
pública e da justiça parecessem ações ilegais. Justificou-se
dizendo que, a despeito da amizade que tinha com o presidente Ronald
Reagan, achava que ele era um tanto fraco no que se referia à
política externa e que por isso resolveu agir, para resguardar
interesses de segurança dos Estados Unidos.
Caso
as relações internacionais fossem baseadas, sempre e
exclusivamente, no irrestrito respeito ao direito e à justiça, caso
as controvérsias fossem todas, e sempre, resolvidas nas mesas de
negociação, em conversações em pé de igualdade, sem coações e
nem ameaças (mesmo que veladas), seriam prescindíveis, por serem
inúteis, organizações como a CIA, a KGB, o Mossad e tantas e
tantas outras pelo mundo afora. Contudo, face à inoperância e ao
fracasso da diplomacia (e não importa por quais razões), sua
existência e ação, não raro de forma ilegal e imoral, muitos
entendem, talvez a maioria, que este seja um “mal necessário”.
Será?! Reservo-me o direito de discordar, de forma veemente, dos que
esposam essa opinião.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Li com atenção, mas nem sei se tenho opinião.
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