Percepção
aguçada
O
amor, salvo engano, aguça nossas percepções, apura nossos
sentidos, torna-nos bem mais atentos à beleza que nos cerca e que,
quando não estamos apaixonados, ou não percebemos, ou não
valorizamos devidamente, ou encaramos até com indiferença, como
coisa trivial e de somenos, preocupados com os problemas do
cotidiano. Esta, pelo menos, é a conclusão que pude tirar de
experiências pessoais. Eu me senti dessa forma! E observei várias
pessoas que pelo menos agiam dessa mesma maneira peculiar nessas
circunstâncias. Tanto isso é verdadeiro que, se formos bons
observadores, dificilmente deixaremos de perceber quando alguém
estiver apaixonado. Suas atitudes, palavras e posturas denunciam esse
especial estado de espírito.
Enamorados,
valorizamos, muito mais, com maior intensidade e prazer, por exemplo,
frescas e luminosas alvoradas, calmos e serenos entardeceres, noites
enluaradas de verão, enfim, tudo o que de agradável e de bom a
natureza nos proporciona. Os sentidos ficam mais aguçados.
Percebemos e nos deliciamos – ou para usar expressão tão do
agrado dos poetas, “nos inebriamos” – com o odor suave das
flores. É verdade que vivemos em permanente estado de ansiedade.
Quando
distantes da pessoa amada, o tempo nos parece parar e não vemos a
hora de encontrá-la para então nos extasiarmos com sua presença.
Quando juntos, pelo contrário, o relógio parece disparar. Uma hora
nos dá a impressão de ser apenas um minuto (quiçá segundo). Não
raro perdemos o apetite e temos dificuldade de concentração, de
pensar em outra coisa que não seja o objeto de nossa veneração.
Não considero, todavia, essas sensações desagradáveis, a despeito
dessa recorrente e constante ansiedade. Alguns mantêm para si, com
exclusividade, essas percepções, emoções e sensações, até por
temor de serem ridicularizados e chamados de piegas. Tolice.
Muitos
dos que agem assim, dissimulando o que sentem e até se tornando
sarcásticos, quando não agressivos, sempre que se toca no assunto,
o fazem movidos por equivocada postura “machista”. Entendem que
sentimentos suaves não são para homens e bla-bla-blá, bla-bla-bla,
bla-bla-blá. Vão por aí afora. Outra imensa e monumental tolice.
Amar não diminui e nem suprime a masculinidade de ninguém. Aliás,
muito pelo contrário. O curioso e irônico é que, quanto mais
duronas essas pessoas são, ou procuram mostrar que sejam, mais
descambam para a pieguice quando finalmente se rendem ao amor.
O
escritor baiano Ariovaldo Matos, em um conto publicado na antologia
“Histórias da Bahia”, observou: “Belo é o mundo do silêncio
quando se ama. Os olhos libertam toda a sua riqueza de expressão, as
mãos valorizam ao máximo os seus movimentos, um simples gesto
substitui todo um poema. E depois, a calma invade tudo, o mundo
desaparece – apenas ficam os amantes, as águas, a noite, a
natureza”.
“Ridículo”,
dirão os sisudos e em geral mal-humorados, que confundem seriedade
com mau humor, e que argumentam que há coisas “mais sérias e
importantes” em que pensar que não essa “poesia barata e
melosa”. Claro que dizem isso (e nem sei se de fato pensam assim),
enquanto não se apaixonam. Depois que isso acontece... Observem como
se transformam. Ademais, como observou o escritor austríaco, Thomar
Bernhard: “Tudo é ridículo quando se pensa na morte”. E pensar
no amor, é o oposto disso. É apostar na vida.
Raciocinemos.
Nada do que fazemos de concreto está destinado a durar. Mais cedo ou
mais tarde, nossas melhores obras, as que chamamos de obras-primas,
envelhecem, se decompõem e desaparecem. Veja o leitor, por exemplo,
o destino dos primores de arquitetura e de escultura legados por
geniais artistas da Grécia Antiga. Hoje não passam de montões de
ruínas, mal identificáveis, apreciados, apenas, por alguns curiosos
(e, logicamente, por historiadores e arqueólogos). Foram obras
feitas para durar para sempre. Não resistiram, no entanto, a dois ou
três milênios, se tanto.
Todavia
o que é fruto do intelecto e da sensibilidade dura, pelo menos mais,
embora também corra riscos de desaparecer. Muitas, de fato,
desapareceram. Sabe-se lá quantas! Mas as chances de se perpetuarem
são maiores. Instalam-se nos corações e mentes das pessoas, que as
transmitem aos descendentes através de gerações. Desafiam o tempo,
cataclismos que extinguem civilizações inteiras, guerras que varrem
países do mapa e até apagam seus nomes da história e tendem a
permanecer vivas, mesmo que não intactas, só em fragmentos, através
de anos, séculos e milênios.
Quanto
irá durar a magnífica história de amor, criada por William
Shakespeare, de Romeu e Julieta, escrita há cerca de cinco séculos?
E a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, inspirada por sua
profunda paixão por uma certa Beatriz? E as “Odes” de Petrarca,
compostas para a amada Laura? Ou os sonetos de amor, do épico gênio
lusitano, Luís Vaz de Camões, inspirados por uma eternizada
Natércia?
Eu
poderia desfiar uma infinidade de obras literárias marcantes e
consagradas, de poesia ou não, tendo por tema o amor. Paixões
célebres (como as de Dante por Beatriz, de Petrarca por Laura, de
Camões por Natércia) houve muitas. Entre elas, tem que ser lembrada
a de Abelardo por Heloísa.
Por causa dela, esse monge foi emasculado pelos parentes de sua amada
e, mesmo mutilado de sua virilidade, nunca deixou de amar sua musa e
foi sempre correspondido por ela. Aliás, pelo contrário, amou-a
tanto, ou mais do que antes de sofrer tamanha violência.
O
rei de Portugal, Dom Pedro, amou Inês de Castro com tamanha
intensidade que, mesmo depois de morta, fez com que seu corpo inerte
fosse coroado como rainha. A sua rainha!!!. Há histórias e mais
histórias, como estas, em profusão, registradas ou não em livros,
célebres ou obscuras, bem sucedidas ou infelizes, mas todas
grandiosas, exemplares, maiúsculas, posto que frutos do soberano dos
sentimentos: o amor.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Mesmo quem nunca amor sabe a força que o amor tem.
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