Sombra duma sombra
O
escritor, filósofo, filólogo e historiador Joseph Ernest Renan, que
viveu, na França, no século XIX, analisando os acontecimentos do
seu tempo, escreveu, certa feita: “Estamos vivendo à sombra duma
sombra. Em que viverão os povos que nos sucederem?” Boa pergunta.
Se estivesse vivo, o que acharia do tipo de vida que se leva hoje, em
pleno século XXI? Certamente, estaria decepcionado. A maioria de nós
está!
A
maneira de encarar o futuro, tanto do otimista, quanto do pessimista,
é bastante parecida, variando, apenas, de intensidade. O primeiro,
por exemplo, tem “certeza” de que ele será brilhante e feliz,
muito melhor que o presente. Já o segundo, manifesta, apenas,
“esperança” que venha a ser assim.
É
verdade que via de regra ele afirme, em conversas, (mesmo que não
sinta isso), achar que o futuro será pior do que o presente. Está
em sua natureza apostar no negativo. Mas no íntimo, não espera pelo
pior. Pelo contrário. Como se vê, em ambos os casos, tanto o
otimista, quanto o pessimista, não se baseiam em fatos. Afinal, o
futuro é imprevisível e não passa de abstração. É o que ainda
não aconteceu e pode jamais acontecer.
Estranhamente,
nessa questão, os opostos, se não se tocam, pelo menos se
aproximam. Diferem, apenas, na intensidade dos seus anseios. Um
“afirma” que aquilo que está por vir será melhor. Outro
“espera” que assim o seja. Por maior que seja a soma de
conhecimentos ao dispor da humanidade, ela é ínfima diante dos
segredos e mistérios da natureza que nos cerca e, sobretudo, do
universo, ainda por serem desvendados. E olhem que o acervo de
informações atual não é de se desprezar. Muito pelo contrário. É
impossível de ser assimilado por uma única pessoa, ou por pequenos
grupos delas, tamanha é a sua vastidão.
O
advento da informática, por exemplo, possibilitou ao homem reunir,
num só dia, conhecimentos e informações equivalentes aos gerados
em vários séculos pela humanidade. Como se vê, não é a ciência
que fracassou na tarefa de esclarecimento humano. Com todas suas
carências, naturais na obra de um animal ainda em evolução, ela
cumpre, até que razoavelmente, seu papel. Ocorre que a extensão dos
conhecimentos é, virtualmente, infinita.
Há
quem afirme, sem nenhuma base científica ou mesmo fundamentação
lógica, que o universo, com sua dimensão infinita, foi feito à
medida do ser humano. Não foi. É muita arrogância de quem pensa
dessa maneira. Somos, apenas, partes ínfimas, irrisórias,
totalmente descartáveis desse fenomenal conjunto.
É
certo que somos dotados de razão, o que nos torna especiais, por
possibilitar a compreensão, posto que ainda primária e rudimentar,
do que somos e onde estamos. Mas se o universo não foi feito à
nossa medida, também não nos é, particularmente, hostil. Somos uma
espécie bastante adaptável e eclética e temos, ainda, muito a
aprender e a superar.
Não
tenho dúvidas de que, um dia, o homem haverá de conquistar outros
mundos, embora sua principal conquista deva ser a de si próprio, a
dos seus instintos. Por isso, não posso deixar de dar razão ao
físico e astrônomo Carl Sagan, quando afirma: “O universo não
foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe
indiferente”.
Por
que o futuro sempre nos parece tão promissor, mesmo que nosso
presente seja sombrio e repleto de dificuldades? Afinal, trata-se de
uma contradição. Objetivamente, vivemos, a conta-gotas, cada hoje,
que é o tempo em que temos condições de agir. O ontem é somente
lembrança e não pode ser modificado e o amanhã, queiram ou não, é
imensa incógnita.
Ocorre
que o futuro é sempre movido a esperança. Contamos que, nele, as
circunstâncias eventualmente desfavoráveis atuais, haverão de se
modificar para melhor, mesmo que pareça (e seja) improvável. O que
fazemos, na verdade, é dar asas à fantasia que, como sabemos, tudo
pode, mas (infelizmente) apenas no plano abstrato. No terreno do
concreto...
O
futuro é sempre enorme incógnita. Sabemos, apenas, com certeza, que
nele iremos envelhecer e que, um dia, que desconhecemos quando,
morreremos. É verdade que o passado não pode ser alterado. Devemos,
pois, desprezá-lo, liminarmente, e fazer de conta que sequer
aconteceu? Depende.
Caso
os erros que cometemos nele possam ser reparados, é importante que o
façamos o mais rápido possível. Afinal, essa é a única forma de
interferência naquilo que já passou com que contamos. Todavia, as
mágoas, tristezas, tropeços e dores que eventualmente tivemos, em
alguma fase da vida, devem ser esquecidos e, se possível, apagados
da memória, já que sua lembrança não nos servirá para nada, se
não para perpetuar sofrimentos desnecessários e evitáveis.
Temos
que substituir – em nome da nossa sanidade mental e até física –
esses sentimentos negativos por gratidão, alegrias, projetos e
satisfações, na tarefa de construção de um presente feliz. O
passado, portanto, importa sim. Mas apenas como origem, como alicerce
do que estivermos construindo agora, no tão volátil hoje.
Porquanto, como afirmou Ernest Renan, “vivemos à sombra duma
sombra”. Aliás, não apenas de uma, mas de múltiplas.
Boa
leitura!
O
Editor.
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