Repertório
vasto e qualificado
A
Bossa Nova, passados mais de 60
anos do seu surgimento, é cercada ainda de muita desinformação, de
muito equívoco e de muito preconceito por parte de pessoas que não
entendem que a arte é intemporal. E quanto mais o tempo passa, mais
isso tudo se acentua, daí a necessidade de frequentes
esclarecimentos a propósito, até por questão de justiça com
músicos excepcionais, poetas de primeira linha e intérpretes
maravilhosos que embalaram e encantaram toda uma geração.
Tanto
as obras produzidas nesse período são de qualidade artística
superior, que agradam e conquistam admiradores ainda hoje,
notadamente jovens que sequer eram nascidos quando do seu surgimento
e auge, tão logo estes ouvem sua batida característica e suas
letras, magníficos poemas musicados.
Muito
adolescente, entre 13 e 18 anos (ou seja, netos de pessoas que, como
eu, eram adolescentes naquele período), confessa, até mesmo,
“sentir saudades” de uma época que (óbvio) não viveu, vivida,
na verdade, por seus avós, que são os tais dos “anos dourados”,
quando a Bossa Nova nasceu e atingiu o apogeu. Ao contrário do que
muitos pensam, ela não se limita a explorar temas triviais, tipo “O
barquinho” (que, aliás, considero uma das coisas mais lindas já
compostas em todos os tempos, a despeito do preconceito que cerca
essa composição). Há muita canção, que embalou o namoro de muito
vovô atual, que é característica dessa tendência musical e que
essas pessoas sequer se dão conta.
Ao
serem enumerados os expoentes da Bossa Nova, o risco que se corre é
o de se cometer injustiças com muitos, ao omitir seus nomes, tantos
que eles foram. Os compositores mais conhecidos, no Brasil e além
fronteiras, são, sem dúvida, Antonio Brasileiro de Almeida Jobim
(que faria aniversário em 25 de janeiro, mesma data da fundação de
São Paulo) e seu notabilíssimo parceiro (um deles) Vinícius de
Moraes, o saudoso e reverenciado “Poetinha” (no sentido
carinhoso, jamais pejorativo do termo).
Claro
que ninguém pode esquecer de João Gilberto. Por vários e todos os
motivos, ele é inesquecível. A melhor maneira de homenagear esses
artistas competentes e talentosos, de uma geração difícil de se
repetir (se é que essa façanha seja possível), é preservar sua
obra e lembrá-la com frequência, para que um acervo magnífico não
venha a se perder por omissão. Trata-se de preciosíssimo patrimônio
da cultura brasileira, que precisa ser conservado e devidamente
valorizado.
É
mister que se lembre, por exemplo, de composições como o tão
incompreendido, e por isso mal afamado “O barquinho”, de Roberto
Menescal e Ronaldo Bôscoli, gravado por João Gilberto e conjunto de
Walter Wanderley, em janeiro de 1961. Ou como “Maria do Maranhão”,
de Carlos Lyra e Nelson Lins e Silva, com Elis Regina, em maio de
1962; “Influência do Jazz”, de Carlos Lyra, com o próprio, em
maio de 1962; “Marcha da quarta-feira de Cinzas”, de Carlos Lyra
e Vinícius de Moraes, com o conjunto Os Bossais, maio de 1962;
“Naná”, de Moacyr Santos e Mário Telles, com Moacyr Santos
(saxofone), setembro de 1963 e “Onde está você”, de Oscar
Castro Neves e Luvercy Fiorini, com Alaíde Costa, em 25 de maio de
1964.
Claro
que essa é apenas ínfima amostra de um repertório de milhares e
milhares de marcantes composições. Como “Primavera”, de Carlos
Lyra e Vinícius de Moraes, na voz de Carlos Lyra e Dulce Nunes, de
julho de 1964; “Preciso aprender a ser só”, de Marcos e Sérgio
Valle, com Elis Regina, de janeiro de 1965; “Batida diferente”,
de Durval Ferreira e Maurício Einhorz, com Tamba Trio de setembro de
1961; “Berimbau”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com
Baden Powell,de 1963; “Samba em prelúdio”, de Baden Powell e
Vinícius de Moraes, com Geraldo Vandré e Ana Lúcia, de fevereiro
de 1963; “Razão de viver”, de Emir Deodato e Paulo Sérgio
Valle, com Nana Caymmi, de 1963; “Por um amor maior”, de Francis
Hime e Ruy Guerra (o cineasta), com Elis Regina, de fevereiro de 1965
e “Canto de Ossanha”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com
Elis Regina, de 26 de abril de 1966.
Qualquer
pessoa, com mediano conhecimento musical e, sobretudo, bom gosto, há
de convir que estas são composições de primeiríssima linha.
Citaria, de memória, mais algumas, como “Sá Maina”, de Antonio
Adolfo e Tibério Gaspar, com Wilson Simonal, de agosto de 1968;
“Violão vadio”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, com
Baden Powell, de novembro de 1970; “Samba de uma nota só”, de
Tom e Newton Mendonça, com João Gilberto, de março de 1958;
“Desafinado”, da mesma dupla com o mesmo intérprete, de 10 de
novembro de 1958; “Dindi”, de Aloysio de Oliveira, com Silvinha
Telles, do segundo semestre de 1959 e, claro, sem a menor dúvida,
esse ícone da Bossa Nova que é “Garota de Ipanema”, de Tom e
Vinícius de Moraes, com João e Astrud Gilberto, de agosto de 1964 e
outras dezenas de intérpretes que gravaram esta canção em épocas
diferentes, inclusive recentes.
Comparando
essas primorosas composições com as que estão em evidência
atualmente (embora haja muita coisa boa “escondida” por falta de
divulgação), até dá para compreender o motivo da nostalgia de
muitos e muitos adolescentes, com saudades de um tempo que não
viveram. O escritor Augusto Frederico Schmidt observou, certa feita:
“Estranha coisa é o mundo. Dentro de alguns anos, tudo estará
esquecido e perdido”.
Mas,
enquanto existirem pessoas esclarecidas, informadas e de bom gosto,
nem tudo o que é bom irá se perder. Até as esperanças, que hoje
parecem estar em baixa, serão resgatadas e revigoradas. Porquanto,
como afirmou o poeta Carlos Nejar, nestes versos basilares:
“É
preciso esperar contra a esperança,
esperar,
amar, criar,
contra
a esperança
e
depois desesperar a esperança,
mas
esperar...”
É
certo que o passado deve ser visto com olhar crítico, para que se
corrijam os erros e se multipliquem os acertos. Como não pode ser
modificado, devemos extrair dele todas as lições que forem
possíveis para construirmos um futuro melhor. Este é um óbvio
princípio de sabedoria. O escritor norte-americano Charles M.
Dwelley observou, a propósito: “Um homem realmente satisfeito tem
seus ontens todos arquivados, seu presente em ordem e seu amanhã
sujeito a uma revisão instantânea”. Isso chama-se, sobretudo,
arte. A difícil, mas sempre compensadora, arte de viver.
Boa
leitura!
O
Editor.
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Eu faço parte dos que têm preconceito contra a música "O Barquinho". Vou ouvi-la sem esse olhar. Quem sabe eu mude de ideia?
ResponderExcluir''Maria do Maranhão'' foi gravada pela Elis em 1965.
ResponderExcluirA maioria das músicas citadas estão mais pra MPB que bossa-nova,sei lá,rs.
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