Sem meias verdades
* Por
Marcelo Sguassábia
Lá se vão mais de
quatrocentos e oitenta invernos desde que McElysteen e Richards travaram duro
embate pelo reconhecimento da invenção das meias. Embora muitos questionem a
legitimidade de direitos autorais tanto de um quanto de outro, afirmando que os
primeiros exemplares remontam ao ano 600 a.C. e teriam sido usados por mulheres
gregas, o fato é que esses dois ingleses parecem ser os mais sérios candidatos
à patente.
É bem verdade que
McElysteen jamais contestou a invenção dessa indispensável peça de vestuário
como sendo atribuída a Richards; mas sustentava que Richards havia inventado a
MEIA, no singular, sendo ele, McElysteen, o inventor das MEIAS, no plural -
concebidas para cobrir e proteger ambos os pés. Dessa forma, a Richards caberia
MEIA patente, por ser o pai de meia invenção. Já o PAR, conforme atestam os
croquis e o primeiro protótipo apresentado a alguns empresários ingleses do
ramo têxtil, seria de fato ideia de McElysteen. E foi essa, incontestavelmente,
a forma de uso consagrada em todo o mundo - exceção aos sacis e pernetas, que
muito bem poderiam se virar a contento com uma meia só.
Centenas de anos mais
tarde, já em meados da década de 80, um cabo-verdiano de nome Imeldo Angelyn
entrou na disputa com uma ação judicial de reparação à memória de seu finado
tio-avô, argumentando ser dele a concepção da chamada meia-luva. A exemplo da
luva comumente utilizada nas mãos, a revolucionária meia envolvia separadamente
cada um dos dedos dos pés. Argumentava o defunto inventor que o agasalhamento dedo
a dedo favorecia um maior conforto térmico nos dias frios, além de prevenir que
micoses presentes no dedão contaminassem também os dedinhos, e vice-versa.
Ainda segundo ele, esse aprimoramento trazia à meia a sua forma evolutiva
final, cabendo ao avô de Imeldo, portanto, o crédito da invenção em todos os
almanaques e enciclopédias a serem impressos doravante. Pelo menos, era isso o
que pleiteava. Não se conhece, até o momento, em qual instância de julgamento
se encontra o seu pedido.
Na falta de elementos
comprobatórios que encerrem de vez essa discussão, os processos, sentenças e
recursos judiciais seguem tramitando por tribunais mundo afora. Ora favorecendo
a família de Richards, outras vezes dando ganho de causa aos herdeiros de
McAlysteen, e eventualmente admitindo a possibilidade de autoria a nenhum
deles. Enquanto assistimos a essa secular queda de braço, a meia vai se
transformando em objeto de fetiche. Virou moda, nos últimos anos, a realização
de leilões disputadíssimos para arremate de meias usadas por celebridades do
futebol, da Fórmula 1, da política internacional e do mundo artístico.
Comenta-se que o par de meias utilizado por Usain Bolt na prova olímpica dos
100 metros rasos será leiloado em breve, no salão de festas do Jockey Club do
Rio de Janeiro.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Uma meia, ou melhor dizendo, um par de meias que dá uma crônica inteira.
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