O
ministro da Marinha e as convenções fluviais
* Por
José Maria da Silva Paranhos – Barão de Rio Branco
Por decreto de 15 de
dezembro de 1853 foi Paranhos nomeado Ministro da Marinha e no mesmo dia entrou
no exercício desse cargo. Os outros membros do gabinete de 6 de setembro eram:
Paraná, Fazenda e presidência do Conselho; Pedreira, Visconde de Bom Retiro,
Império; Nabuco, Justiça; Limpo de Abreu (Abaeté), Negócios Estrangeiros;
Bellegarde, Guerra.
Ministro e Secretário
dos Negócios da Marinha (Galeria dos brasileiros ilustres) foi honrado pelos
eleitores fluminenses com uma brilhante reeleição, e ele, por sua parte, na
Câmara e no gabinete ministerial, confirmou o seu bem estabelecido crédito de
homem laborioso, e revelou aptidões próprias do alto posto em que o havia
colocado a confiança da Coroa, a justiça e estima de seu ilustre amigo, o
Marquês de Paraná.
Como Ministro da
Marinha desde 15 de dezembro de 1853 até aos primeiros dias de junho de 1855,
os seus relatórios, que foram louvados até pelos mais extremos adversários do
gabinete a que pertencia, atestam os conhecimentos profissionais, que adquirira
em sua primeira carreira, um profundo estudo das necessidades desse ramo da
publica administração e um tato raro em descobrir-lhes o verdadeiro remédio.
O projeto de
promoções, que apresentou na Câmara dos Deputados, as medidas que solicitou e
obteve do corpo legislativo, os vários regulamentos que promulgou, e não poucos
projetos, que passou já muito adiantados ao seu sucessor, comprovam a figura
proeminente que representou na direção do Ministério da Marinha.
Entre os regulamentos
a que acima aludimos, citaremos os que criaram companhias de aprendizes
marinheiros no Pará e na Bahia; os que marcam os prazos de serviço, acessos,
soldos e outras vantagens das classes dos imperiais marinheiros e marinheiros
avulsos; finalmente aquele porque hoje são feitos os alistamentos de
voluntários e recrutas para as equipagens da guerra.
Em 14 de junho de 1855
retiraram-se do gabinete o Visconde de Abaeté, para ir ao Rio da Prata em
missão especial, e o General Bellegarde. O Visconde do Rio Branco passou da
repartição da Marinha para a dos Negócios Estrangeiros, sendo nomeados o Duque
de Caxias e o Barão de Cotegipe, ministros da Guerra e da Marinha.
“As circunstâncias em
que essa mudança teve lugar (diz a mesma biografia) tornaram a posição do novo
Ministro dos Negócios Estrangeiros sumamente difícil. O Sr. Paranhos, porém,
soube sair triunfante dessa nova experiência, e desde então, dentro e fora do
Império, é considerado como um verdadeiro homem de Estado.
Aquele que, como
ministro da Marinha, havia sem o menor estrépito, e com o maior zelo e acerto
possível, preparado uma luzida expedição naval para apoiar a Missão Diplomática
enviada em 1854 a República do Paraguai, como ministro dos Negócios
Estrangeiros teve de procurar uma solução pacífica e honrosa das questões
pendentes com esse Estado, e logrou seu empenho por modo muito distinto. O
Tratado de amizade, navegação e comércio de 6 de abril de 1856, e os Protocolos
dessa longa e porfiada negociação serão, a todo tempo, um título de glória para
o Plenipotenciário brasileiro, que destarte evitou a guerra que se mostrava
iminente, e abriu as portas do rio Paraguai à rica e infeliz Província do Mato
Grosso.”
Desde 1852 o Governo
Imperial se esforçava por chegar a um acordo com o Paraguai sobre a questão da
navegação fluvial, que tanto interessava a nossa Província de Mato Grosso.
O Paraguai, por cuja
independência tanto fizera o Governo Imperial, devendo à aliança e aos esforços
do Brasil, sem o menor sacrifício de sua parte, o poder navegar o Paraná ate ao
Rio da Prata, julgou-se com o direito a negar-nos a navegação até Mato Grosso,
e obstinava-se em tornar inseparáveis essa questão e a de limites. Como um
acordo sobre a última era impossível, atentos às exageradas pretensões que, nos
últimos tempos, manifestava o Ditador Carlos Antônio Lopez, continuávamos
privados do exercício do direito ao trânsito fluvial, implícita e virtualmente
estipulado no artigo 3º do Tratado de 25 de dezembro de 1850. Nenhum dos
plenipotenciários que mandamos a Assunção pôde chegar a resultado satisfatório.
Carlos Lopez, depois
que o Governo Imperial deixou de ratificar as convenções celebradas em 27 de
abril de 1855 pelo nosso Plenipotenciário brasileiro, Almirante Pedro Ferreira,
enviou ao Rio de Janeiro seu ministro dos Negócios Estrangeiros, José Berges,
destinado a ser, anos depois, em 1868, uma das vítimas da bárbara tirania que
ensanguentou o Paraguai. Em a nota de 8 de julho de 1855 o Conselheiro Paranhos
declarou os motivos que levaram o Governo Imperial a não aprovar aquelas convenções,
mostrando as razões por que exigia desde logo o reconhecimento do direito
derivado do art. 3º do Tratado de 1850.
As conferências com o Ministro Berges
começaram no dia 9 de março e terminaram em 6 de abril de 1856. A questão
fluvial foi separada da de limites, sendo aquela resolvida como o desejava o
Governo Imperial, e esta discutida, mas adida para ter solução definitiva
dentro do prazo fixado no novo Tratado.
Os célebres protocolos dessa negociação foram
publicados em um volume, que acompanha em avulso o relatório do Ministério de
Estrangeiros de 1857. O modo por que Paranhos se houve nessa laboriosa e
enredada discussão mereceu o elogio dos próprios adversários.
O Senador D. Manuel de
Assis Mascarenhas, que fazia oposição desabrida ao gabinete, teve a lealdade de
confessar, fazendo justiça ao seu adversário, que o direito do Brasil na
questão de limites saíra vencedor, e ficara plenamente provado à luz dos debates
havidos nas conferências que precederam à celebração do Tratado de Navegação.
Pedro de Angelis, cuja autoridade nesses assuntos era das mais competentes
escreveu o seguinte ao ler os protocolos: “...O direito do Brasil ficou
plenamente provado, graças à habilidade e ilustração do Sr. Paranhos. Todas as
citações históricas que fez são rigorosamente exatas, e na discussão mostrou
profundo estudo e conhecimento da matéria.”
Mais tarde, porém, foi
o ilustre estadista censurado por não ter resolvido então a questão de limites.
Interpelado pelo
senador Visconde de Jequitinhonha, que parecia não estar lembrado das
circunstâncias que se deram na discussão do Tratado de 6 de abril de 1856,
disse ele no Senado, em a sessão de 28 de junho de 1865:
“Do que se tratava em
1856 com a República do Paraguai? Tratava-se de resolver a questão de limites?
Não. V. Exa., Sr. Presidente (Visconde de Abaeté), sabe que não fiz mais do que
continuar a política que V. Exa. tinha seguido. A questão de limites não estava
então na ordem do dia: desertos nos separavam e separam do Paraguai. A questão
vital era a navegação, e não podíamos pedir o exercício da navegação a
República do Paraguai senão nos termos do nosso direito: não podíamos exigir a
liberdade de trânsito senão sob condições mais, ou menos, favoráveis,
dependentes do assentimento do Paraguai, porquanto pelo Governo Imperial tinha
sido sempre sustentado o princípio de que o ribeirinho inferior pode negar o
trânsito ao ribeirinho superior, desde que este se não conforme às cláusulas
que o primeiro julgue necessárias à sua segurança. O Paraguai possui a
soberania da embocadura daquele rio: não podíamos deixar de negociar com ele as
condições do livre trânsito; e estas condições dependiam do seu espontâneo
assentimento, porque, assim como não queríamos que os Estados Unidos ou
qualquer outra nação nos desse a lei no Amazonas, assim também não queríamos
dar a lei no rio Paraguai. Eis a explicação do Tratado de 6 de abril.”
Uma divisão brasileira
de 4.000 homens ocupava Montevidéu desde 1854, para apoiar o governo legal da
República. Paranhos tratou de apressar a retirada dessa força, sendo este um
dos fins da Missão confiada ao Visconde de Abaeté. No dia 14 de novembro de
1885 a divisão pôs-se em marcha, e a 19 de dezembro estava recolhida ao nosso
território.
Em 7 de março de 1856
o mesmo Plenipotenciário celebrou na Cidade do Paraná um Tratado, que assentou
em novas e sólidas bases as relações entre o Brasil e a Confederação Argentina.
Nesse gabinete teve
Paranhos de sustentar uma porfiada discussão com a legação de Sua Majestade
Britânica sobre apresamentos feitos pelos cruzadores ingleses nas costas do
Império. O seu protesto de 6 de abril de 1856 mereceu louvores na própria
imprensa de Londres e no Parlamento Britânico. Entre outros, Lord Malmesbury
referiu-se ao nosso protocolo em termos honrosíssimos. Alvarenga Peixoto resume
do seguinte modo o protesto de que se trata:
“Depois de manifestar
a surpresa com que recebeu a nota do Sr. William Jerningham, Encarregado de Negócios
de Sua Majestade Britânica, o Conselheiro Paranhos ocupou-se com a tentativa de
desembarque de africanos em Serinhaém e passando às ameaças da Legação
Britânica demonstrou que a abolição do tráfico no Brasil não se devia atribuir
à vigilância dos cruzadores ingleses, insuficientes para o extenso perímetro
das nossas costas, e muito menos ao ato do Parlamento Britânico de 1845, que
apenas autorizou violências executadas no litoral, nos portos e rios do
Império; que a consolidação da paz e ordem constitucional no Império e a lei de
4 de setembro de 1850, que ampliou e deu nova força à de 7 de novembro de 1831,
imprimiram à repressão do tráfico uma eficácia que, dentro e fora do país, se
julgava impossível.
Hoje, porém,
acrescentou Paranhos, que a paz da Europa se figura como possível, o honrado
Sr. Jerningham julga conveniente contestar os esforços do Governo Imperial,
exprobar-lhe frouxidão, e ameaçá-la em nome do Governo de Sua Majestade
Britânica com a execução do bill de 8 de agosto de 1845.
"A ameaça que tão
injusta e acremente se faz ao Governo Imperial poderá servir para despertar a
lembrança de que a Grã-Bretanha é uma nação mais forte do que o Brasil, e para
significar que não duvidara usar ainda, sem legítimo motivo, do seu grande
poder material: mas não poderá nem encobrir a sem-razão de um semelhante
procedimento, nem abalar a tranquilidade que ao Governo Imperial inspira a
consciência de sua dignidade e da inteireza de seus atos.”
Entre outras questões
que tiveram de ocupar nessa época a atenção de Paranhos só mencionaremos a de
limites com a Guiana Francesa, questão que não pôde ficar resolvida, apesar da
habilidade com que se houve o nosso plenipotenciário Visconde de Uruguai.
(O Visconde do Rio
Branco, s./d.)
*
Diplomata e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras.
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