terça-feira, 13 de setembro de 2016

Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico.


* Por Evelyne Furtado


"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”. Nélson Rodrigues.


As palavras acima revelam o homem Nelson Rodrigues por ele mesmo. Anos depois Ruy Castro deu o título de Anjo Pornográfico à biografia do genial dramaturgo e delicioso cronista pernambucano.

A minha iniciação aos livros deu-se à margem de Nelson Rodrigues. Sabia que o dramaturgo era considerado maldito, louco por futebol e só.

Assisti a "Vestido de Noiva" na tv, ainda adolescente. Confesso que achei muito estranho os sentimentos entre as duas irmãs e a tentativa de assassinato de Alaide, a noiva. Na verdade achei um horror!

Nelson era isso. Ele tirava todos os sentimentos "feios" debaixo do tapete e os jogava na cara da sociedade hipócrita. Sendo ele próprio um moralista, o que só depois descobri.

Na década de 90, Ruy Castro reuniu e publicou as crônicas de Nelson Rodrigues em alguns volumes. Foi paixão à primeira vista: o primeiro que li, me atraiu e me levou a mergulhar no universo "rodrigueano".

Cronista ousado, falava do Rio de Janeiro e dos seus habitantes, de política, de futebol e de amor. Brincava com alguns protagonistas da cena nacional como José Dirceu, na época um lindo líder estudantil, Otto Lara Rezende, seu amigo a quem ofereceu a peça "Bonitinha mais Ordinária", com Chico Buarque e com o intelectual católico, Alceu Amoroso Lima.

De todos os volumes, o mais bonito na minha opinião é A Menina sem Estrelas, onde Nelson ternamente fala de sua filhinha, que nasceu cega.

Foi em "O Anjo Pornográfico", de Ruy Castro, todavia, que finalmente cheguei perto de entender Nelson Rodrigues, o menino que nasceu em Recife e veio com a família para o Rio, onde o seu pai lançou um jornal sensacionalista.

O homem Nelson Rodrigues foi visitado pela tragédia desde muito cedo. Quando tinha 17 anos perdeu um irmão assassinado e logo depois o pai. Teve tuberculose e viu outro irmão morrer dessa doença na época incurável.

Ainda perdeu Mário Filho, seu irmão que deu o nome ao Maracanã e toda a família de outro irmão, soterrada numa enchente no Rio de Janeiro.

Nelson reagiu à vida como pôde. Sua dor era vingada utilizando a hipocrisia da própria sociedade; chocando-a. Com lentes de aumento ele mostrava os desvios próprios dos seres humanos e matava a todos de constrangimento.

Eu conheci, amei e compreendi Nelson Rodrigues após a sua morte. No fundo um ressentido, um moralista, um menino assustado.

Ao mesmo tempo era um homem extremamente amoroso e romântico que dizia “que o verdadeiro amor não se assoa", exaltando a dor da cunhada, que chorava a perda do marido e não assoava o nariz.


* Poetisa e cronista de Natal/RN.

Um comentário:

  1. Eu ainda não compreendi Nelson Rodrigues. Li O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro e Véu de Noiva, a peça Teatral de Nelson. Vi todos os filmes que foram feitos, e também coisas da televisão. Ele sempre gerou Ibope e polêmica, ainda hoje. Deve ser por que foi bom e criou algo novo.

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