Mistérios
mortíferos
*
Por Leonardo Marona
acho
que na época eu nascia,
o
que sempre me pareceu
um
privilégio antecedido
por
uma desgraça coletiva.
posso
dizer que, pela minha lembrança,
eram
os amigos dos meus pais que morriam.
todos
me pareciam muito velhos,
mas
sei hoje que eram jovens
e
que isso era basicamente algo
que
acontecia aos que eram jovens
na
época em que eu nascia.
naquela
época eram as grandes viagens,
amigos
queridos, sempre os mais carinhosos,
os
que me levavam a comer coxinha com guaraná
e
contavam histórias hilárias e estavam sempre
com
os olhos vermelhos – acho que de tanto rir.
eles
viajavam sem perspectiva muito clara
– não
para uma criança – de que voltariam,
o
que me deixava com raiva de todos eles,
com
vontade de que todos eles morressem.
mas
agora tudo isso
que
poderia ser bonito
soa
triste e venerável.
uma
coisa que acontecia aos jovens,
matava
os novos e os desbravadores.
não
era isso que meus pais me diziam,
eles
falavam de primatas e selvas africanas.
é
o que eu imagino agora: jovens mortos,
mas,
como eu era criança, eram velhos,
mas
eram velhos que dançavam muito.
nasci
na década dos mistérios mortíferos
e
hoje penso nisso como uma camisa
rasgada
que se gosta de usar porque
é
a que deixa nosso corpo mais bonito.
*
Poeta
e escritor.
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