A
Vila
*
Por Urda Alice Klueger
A
Vila estava ali – foi-se desenvolvendo ao longo do tempo, uma casa
hoje, outra ano que vem, pastos com vacas, carreiros para carroças,
morros com velhos brabos, a pedreira
do seu Thomé (A pedreira
do seu Thomé ficava na hoje Escola Agrícola) de
onde se tiraram os paralelepípedos para a Rua
XV, menino
brincando com caminhões de madeira, a casa de comércio, sonhos e
energias que circulavam, sílfides e outras crianças que nasciam...
A Vila
crescia,
se esparramava, mandava energias para o entorno, trocava as carroças
por automóveis antigos, trocava velhos acordeons por músicas de
Roberto Carlos, a descendência do homem da pedreira crescia e se
multiplicava como em alguns episódios bíblicos, na casa de comércio
se tomava Laranjinha com pão e linguiça nas tardes de preguiça,
quando meninas douradas ajudavam a arrumar as prateleiras…
A
partir de certo momento, estrangeira que era, vi-me tão envolvida
com a Vila como
se tivesse sido presa lá por cadeados de tão resistente aço que
nunca mais se abriram. Disse: era estrangeira, nunca poderia fazer
parte da Vila. Então havia que estar lá do jeito que dava: no
silêncio das noites, parada, silenciosa, nos aceiros que ligavam as
roças simples aos jardins que tinham as mais magníficas flores,
tentando aspirar, na aragem, alguma molécula de perfume que as
flores espalhavam sem
saber, ou simplesmente sentindo o vibrar da Vila, quieta, imóvel
dentro da velha carruagem puxada à lua, sentindo a intensidade
daquele lugar que tanto podia, que tudo podia na minha emoção,
sentindo o vibrar das energias da Vila, energias que pulsavam na
mesma velocidade do meu coração que amava àquela Vila porque lá
era o lugar sagrado onde, na caverna sagrada, sílfides de luz
existiam e davam sentido ao fato de eu existir.
Também
havia outro jeito de estar lá, e era quando dormia e saía vagando
dentro dos sonhos. Os sonhos eram mais complexos – na verdade, eram
atrozes, porque neles a minha nacionalidade estrangeira não
importava, e eu andava pela Vila toda procurando, procurando, porque
houvera alguém dentro do meu sono que dissera que o tesouro maior
estava lá e eu poderia achá-lo. Noites terríveis eram aquelas,
tantas vezes repetidas – afundei os caminhos da Vila com meus pés
descalços de sonâmbula, e de todas elas despertei em profundo
pranto, por causa da realidade da ausência – a Vila continuava
sendo um mistério e um escrínio pejado de coisas maravilhosas, e
nada daquilo estava ao meu alcance.
Penso,
agora, como pude suportar a alegria do outro dia, tão imensa e
maravilhosa era! Até agora custo a entender que aquilo aconteceu
mesmo! De repente, eu estava na Vila, no Templo da Vila, lugar
sagrado, impunemente sentada ali ao lado de uma das sílfides, e
havia um halo dourado contornando tudo e ninguém parecia se importar
com a minha condição de estrangeira nem que estivesse sendo
recebida por um daqueles seres mágicos que exalavam aromas, como as
flores. Mantive-me atenta ao que dizia o sacerdote, mas dentro de mim
era tão imensa e intensa a alegria que, repito, não sei como podia
suportar! Aquele era um templo de milagres e a magia andava solta, em
girândolas coloridas por todos os lados – eu havia chegado à
Vila! Dentre outras coisas, a água que se bebia lá era translúcida
e brilhante, capaz de matar todas as sedes!
Nossa,
que caminhada longa que fora, e talvez nunca mais tenha outra
oportunidade como aquela! Mas como valeu a pena!
Blumenau,
06 de Março de 2016.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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