Minha trajetória no tempo
“As mudanças, quaisquer que sejam, assustam boa parte das
pessoas que não se dão conta que elas representam a dinâmica da própria vida.
Tudo muda permanentemente no universo, que não é estático, mas se move sem
parar. Galáxias, constelações, estrelas, planetas e outros corpos celestes
estão em contínuo movimento e constante transformação. Uns nascem, outros
morrem, outros tantos se transformam, mas nada permanece como é para sempre. O
mesmo vale para o âmago da matéria: os átomos e seus componentes. E o dos seres
vivos: as células e as substâncias que as constituem. Mudar, portanto,
significa, acima de tudo, viver”.
Foi assim que iniciei determinada crônica, cujo título e
data de publicação não me recordo. Mas em 6 de outubro de 2016, resumi esse
texto e publiquei-o no Facebook em forma de reflexão. E acrescentei na
sequência: “Há mudanças e mudanças, é verdade. Consideramos que são bem vindas
quando representam a saída de alguma situação angustiante em que estejamos
envolvidos ou a que nos submeteram. Quando ocorre o contrário, ou seja, quando
significam que entramos em alguma enrascada, são uma tragédia. Quando são uma
evolução, são bem vindas. Mas parte considerável delas representa colapso,
decadência e destruição. Por isso, nosso empenho deve ser o de interferirmos
nas mudanças e direcioná-las para o lado bom”.
Mudar eu mudei, portanto, e bastante, nos últimos quase 50
anos (49, para ser exato), notadamente no aspecto físico. Envelheci, como seria
de se esperar, pois o tempo é implacável em produzir desgaste em tudo e em
todos. Meus olhos perderam brilho, os cabelos ficaram mais ralos e começam a
branquear, sobretudo nas têmporas, o porte encurvou, os passos são agora muito
mais lentos e vai por aí afora. Quanto
ao intelecto, todavia, curiosamente, as mudanças, embora tenham também
ocorrido, não foram tantas como seria de se esperar nestas quase cinco décadas.
Amadureci, mentalmente, adquirindo experiência e muito mais cultura, dada a
infinidade de livros que li neste quase meio século, dados os cursos que fiz e
em decorrência das obras que produzi. Minhas convicções mais arraigadas,
todavia, permaneceram quase intactas, com ligeiras alterações, aqui e ali, mas
com nada de tão profundo.
Reorganizando meus arquivos, na última semana de 2016,
“topei” com matéria de página inteira, publicada em 17 de dezembro de 1967,
pelo jornal Correio Popular, aqui de Campinas, traçando o meu perfil, e constatei
que mudei relativamente pouco no que diz respeito às minhas idéias, sonhos e
objetivos, muitos dos quais alcançados e outro tanto que não consegui
concretizar. A referida reportagem – de autoria de uma das mais competentes e
brilhantes jornalistas que Campinas já teve, a saudosa, magnífica repórter,
cronista e professora (com mais de cinqüenta anos de magistério), Célia
Siqueira Farjallat – teve como pretexto a divulgação do concurso “Minha crônica
de Natal”, promovido por este tradicionalíssimo diário campineiro. Como revelei
em comentário anterior, não venci essa competição: fiquei em quinto lugar.
Todavia, meu histórico de vida na ocasião era tal, que levou
a direção do Correio a pautar matéria enfocando a minha pessoa. Ao longo dos
últimos cinqüenta anos, muita gente escreveu sobre mim. Todavia, nenhum desses
textos foi tão objetivo, profundo e verdadeiro como a citada reportagem. Pudera!
Quem a escreveu foi, sem dúvida, modelo de profissional de imprensa não somente
para Campinas, mas, sem exagero, para o mundo. “Dona Célia”, forma carinhosa
como nós tratávamos essa maravilhosa mulher, assim me descreveu naquele final
do já longínquo final de 1967:
“Vinte e quatro anos, alto e forte, fisionomia agradável e
expressiva, iluminada por claros olhos azuis, Pedro João Bondaczuk é gaúcho de
Horizontina e filho de ucranianos. Seus pais chamam-se Ananii e Catarina
Bondaczuk”. Nesse aspecto, reitero, mudei demais. O tempo não poupa ninguém e
não seria a mim que iria poupar. Mais adiante, “Dona Célia” prosseguiu: “Pedro
João fez o curso ginasial no Colégio Adventista e o Científico no
Ateneu-Cesário. Pretende ser médico e especializar-se em cardiologia. Vai
tentar o vestibular em 68, e espera fazer um curso muito bom, adquirindo base
para seus futuros trabalhos de pesquisa”. Aí houve, também, muita mudança. Fui
aprovado no vestibular de 1968, mas por razões que prefiro não comentar, tive
que abrir mão do curso de Medicina. Anos depois, cursei Direito, contudo nunca
tive intenção de advogar. Fiz esse curso para ampliar minha cultura geral,
notadamente a humanística.
E a matéria prossegue, em outro trecho: “Personalidade
harmoniosa, enérgica e feliz, o rapaz é um apaixonado leitor, um insaciável
devorador de obras literárias e científicas. O poeta Cruz e Souza é seu
preferido, por ser simbolista; os outros a quem admira são Carlos Drummond de
Andrade, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Cecília
Meirelles; dos prosadores, destaca: Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Érico
Veríssimo e mais os russos Tolstói, Dostoievsky e Gorki. Lendo francês
correntemente, é admirador de Verlaine, Rimbaud e Mauriac. Dos escritores de
língua inglesa, prefere Edgar Alan Poe, Hemingway e Faulkner”. Nessa relação
faltam muitos escritores, principalmente meu “guru” literário, Jorge Luís
Borges, que então eu ainda não havia lido. A eles poderia acrescentar, sem
nenhum exagero, pelo menos uns cinco mil autores, nacionais e estrangeiros,
entre os quais, sem dúvida, Machado de Assis, Victor Hugo, William Shakespeare,
Mário Quintana, Gabriel Garcia Marquez, Miguel Torga, Fernando Pessoa e tantos
e tantos e tantos outros. Mas minha admiração pelos citados nunca arrefeceu,
pelo contrário, aumentou exponencialmente.
“Dona Célia” escreveu mais a meu respeito: “Pedro João
trabalha para se manter desde os dezessete anos. Atualmente, é contabilista nos
escritórios da Rhodia, na Fazenda São Francisco, mas reside em Barão Geraldo,
em uma "república" de operários conhecida pela impecável
honorabilidade. Seus "hobbies", além da leitura e do estudo, são o
futebol e a música erudita (Chopin e Beethoven). Com discernimento superior à
idade, Pedro João vê nas guerras e conflitos armados o pior dos meios de se
resolverem desentendimentos. Sente que para ser feliz, a humanidade deveria pôr
fim às discriminações raciais e culturais, aos preconceitos geradores de ódios
e incompreensões. Considera a igualdade pretendida por certas ideologias, uma
utopia e uma injustiça. Os mais capacitados, por seus próprios méritos, vencem
todos os tropeços e colocam-se em situação de destaque”. Nessa época, como
expliquei em outro texto, eu estava “dando um tempo” no jornalismo, que acabei
abraçando, tempos depois, com paixão, como missão de vida e, portanto, muito
mais do que apenas profissão.
Quanto aos hobbies e idéias, o leitor que me acompanha com
assiduidade é testemunha que mudaram pouquíssimo, quase nada. E muito menos as
figuras humanas que sempre tomei como modelos de vida, como “Dona Célia”
observou: “O nosso Poeta de Alma Azul admira dois seres humanos, dois heróis,
cujos atributos lhe têm servido de estímulo: Abraham Lincoln e Hellen Keller”.
Apenas acrescentaria o exemplo de abnegação e desprendimento de Madre Teresa de
Calcutá, que segue sendo uma espécie de referencial para mim. Finalmente,
destaco Este trecho que encerrou a referida reportagem: “Poeta com várias
produções já divulgadas pela imprensa, Pedro João tem, também, alguma veia
satírica. Muito interessante é este seu ‘Soneto do Futuro’:
"Alô, alô Marte, Terra chamando...
Meu "planamóvel" de novo
quebrou...
O meu robô não está funcionando...
Na noite de ontem, na Lua geou...
Meu capacete pensador está torto...
Chamo Marte...Não responde! Ocupado!
Estou a dez segundos no "cosmoporto"!
Meu foguete está de novo atrasado!
Notem, senhores, o que vejo agora!
Um poeta!! Agitador, babilônico!
...E meu foguete, como se demora!
Almoço. Hum!! Que bom o novo tônico!
Compor sonetos...Vejam esta agora!
Prá quê, se tenho cérebro eletrônico!!!
Mudei? Sim, mudei! Afinal, somos, todos, seres múltiplos,
mutantes, diferentes hoje do que éramos ontem, e não somente no aspecto físico,
dado o envelhecimento, mas, sobretudo, no plano mental. De cada pessoa com que
nos relacionamos, absorvemos alguma coisa: idéias, hábitos, comportamentos, não
importa o quê. E quanto maior for o nosso círculo de relacionamentos, mais
mudamos, mais diferentes nos tornamos, sem que sequer nos apercebamos dessas
mudanças. Criamos, a cada momento, novo hábito, que se transforma e ganha
acréscimos ou decréscimos à medida que o tempo passa e que aprendemos novas
coisas com as pessoas com as quais nos relacionamos. Daí ser rigorosamente
exata a afirmação de que somos múltiplos. O dramaturgo Samuel Becket afirma,
através de um dos personagens de sua peça “Esperando Godot”: “Respirar é um
hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque
o indivíduo é uma sucessão de indivíduos”. E não é?!?!
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Eu me tornei médica aos 24 anos, mas, fazendo a comparação de como eu era na ocasião, com você na mesma idade, vejo que tinha maior maturidade e uma visão do mundo mais organizada e abrangente do que a minha.
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